Furto na polícia, ladrões inteligentes e outras histórias - Jorge Antonio Barros - O GLOBO, REPÓRTER DE CRIME, 22.7.2011 | 13h40m
Ontem tive a grata satisfação de conhecer pessoalmente um leitor do blog, que circula na alta cúpula da Polícia Civil. Foi por acaso. Saía da redação para almoçar quando esbarrei com um grupo de delegados. Um deles então me puxou a orelha e disse que preciso postar com mais frequência (devo desculpas aos nobres leitores, mas realmente o dia tem sido curto para estar diariamente aqui). Ele então se revelou leitor assíduo, apesar de não aparecer na caixa de comentários, ao menos com seu nome verdadeiro. Apesar de orgulhoso com a confissão do policial, fiquei preocupado em saber que tenho leitores na cúpula, pois prefiro mil vezes as bases. Em geral, as bases são mais participativas.
Nesse breve encontro com o grupo de delegados percebi algo que os mobiliza neste blog. A curiosidade de saber quem são os autores das postagens na caixa de comentários, já que a maioria dos internautas não apresenta seu nome verdadeiro, mas usa os chamados nicknames, apelidos a que têm direito para preservar sua identidade. A curiosidade é humana, mas revela um vício no trabalho policial: muitas vezes os policiais estão mais preocupados em quem faz a denúncia do que no teor do fato propriamente dito. Isso pode explicar porque geralmente a polícia é um organismo muito lento na elucidação dos problemas de sua alçada.
Essa lentidão está diante de todos, como no Caso Juan, em que só um mês depois do assassinato os PMs acusados do crime foram presos ontem e ainda assim uma prisão temporária por apenas 30 dias. A alegação do Ministério Público é que os policiais não prejudiquem as investigações. Imagine, no caso de os PMs serem realmente culpados (no que eu acredito), como eles tiveram tempo para acobertar o crime inadmissível de esconder o corpo de um menino baleado durante operação. Imagine quantas pessoas que testemunharam a ação desastrada dos PMs estiveram sob o risco de também desaparecer do mapa.
Outros dois episódios na segurança, esta semana, colocam a credibilidade da polícia na berlinda. Um foi o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, ter afirmado que o assalto a um hotel de luxo em Santa Teresa não poderia ter sido evitado porque foi muito bem planejado.
Abre aspas:
- Foi uma ação muito bem planejada. Provavelmente nem o policiamento ostensivo poderia impedir a ação em função das informações que os assaltantes tinham - disse Beltrame.
Pelo pouco que entendo de polícia, nenhum organismo desse tipo no mundo tem condições de atingir o nível máximo de prevenção contra crimes, nem mesmo que seu departamento de inteligência seja tão eficiente quando o Mossad - o serviço israelense. Isso porque o criminoso conta com outros mecanismos que não se concentram na incompetência da polícia. Quando dizemos que os bandidos fazem ações bem planejadas corremos o risco de valorizar demasiadamente o trabalho deles, e, em contraposição, menosprezar o trabalho dos policiais. Diante de ladrões profissionalizados, precisamos de policiais mais profissionais ainda e de preferência bem pagos. A presença de policiamento ostensivo não visa apenas inibir os criminosos de agirem, mas sobretudo espera-se que dificulte bastante a finalização do crime e torne-se uma espécie de barreira invisível contra a fuga. Bandido bom é bandido rapidamente preso, julgado e condenado.
O outro episódio que me chamou a atenção esta semana foi o furto de R$ 5 mil ou R$ 15 mil da gaveta do diretor do Departamento de Polícia Especializada da Polícia Civil, delegado Márcio Franco. O crime ocorreu, pasmem, dentro do gabinete dele, na sede da Polícia Civil, na Rua da Relação, uns cinco andares abaixo de onde despacha diariamente a chefe da Polícia, delegada Martha Rocha. O caso é um mistério digno de Sherlock Holmes. O dinheiro sumiu da gaveta do delegado. De saída só vejo três explicações para uma pessoa deixar R$ 5 mil (acreditando no valor menor) na gaveta do trabalho: ingenuidade - o que não dá para acreditar no caso de um policial experiente; dinheiro sobrando; e excesso de confiança na instituição que trabalha, o que revelaria falta de autocrítica. A confusão na hora de registrar o furto também é muito esquisita. Como um policial experiente não se deu ao trabalho de reler o registro feito pelo escrivão, para imediatamente corrigir o valor, registrado como sendo R$ 15 mil e não R$ 5 mil, como o delegado contou à imprensa. Se Stanislaw Ponte Preta fosse vivo, escreveria que se trava de mais um Febeapá (Festival de besteiras que assolam o país).
Para completar o circo, o delegado pediu ontem para se afastar do cargo a fim de que haja total lisura na investigação da origem do dinheiro, que ele afirma ter sacado, embora não tenha mostrado ainda o comprovante bancário. A atitude seria até digna se o delegado realmente necessitasse do salário da polícia. Sabe-se que ele vive mesmo é dos recursos provenientes da participação em empresas privadas de segurança.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
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