ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

POLÍCIA CADA VEZ MAIS VIOLENTA

REVISTA ISTO É N° Edição: 2361 | 27.Fev.15


Execução de adolescente comprova relatório da Anistia Internacional que aponta o Brasil como um dos países com maior violência policial do mundo

Fabíola Perez



As imagens da câmera de Alan de Souza Lima, 15 anos, pretendiam registrar um momento de descontração entre amigos na favela da Palmeirinha, em Honório Gurgel, no subúrbio do Rio de Janeiro. O celular, porém, filmou os últimos momentos de vida do adolescente, assassinado com um tiro da polícia militar na sexta-feira 20. A polícia afirmou que o grupo foi atingido em confronto. Um dos jovens sobreviventes, Chauan Jambre Cezário, negou a versão da PM. “Corri atrás dele só para pegar o celular, para parar de gravar”, diz. No vídeo, é possível ouvir dois homens perguntando por que os garotos corriam.


Vítimas
Chauan (acima) está com uma bala encravada e negou a versão da PM.
Abaixo, o terceiro garoto abordado pela polícia mostra a imagem do colega morto



“A gente tava brincando, senhor”, responderam. A Polícia Civil disse em nota que, na ação, foram apreendidos um revólver e uma pistola. Chauan, também atingido pelos tiros, foi atuado em flagrante por porte de arma e resistência. Na quinta-feira 26, a Polícia Militar afastou da corporação nove PMs envolvidos, entre eles um tenente. Um relatório global, divulgado na terça-feira 24 pela Anistia Internacional, destacou a curva ascendente de homicídios no País, a alta letalidade nas operações policiais e o uso excessivo da força nas operações de policiamento. “A política de segurança pública militarizada está voltada para o confronto e não tem foco na inteligência”, diz Alexandre Ciconello, assessor de direitos humanos da Anistia Internacional. “Os meninos estavam conversando e levaram um tiro porque existem mecanismos como os autos de resistência que tentam transformar as vítimas em criminosos.”



Outro problema é o baixo índice de responsabilização de policiais. “É preciso melhorar a fiscalização sobre a atuação policial, criar um controle de munição e de armas e conscientizar a população de que com uma polícia que atua sob a lógica da guerra muitos inocentes serão mortos”, afirma Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto a estratégia de guerra não for substituída, garotos como Alan e Chauan, que vende chá-mate na praia de Ipanema e sonha ser jogador de futebol, continuarão a engrossar a estatística – cerca de 70% – dos jovens moradores de periferia, negros, que são vítimas dos agentes de segurança.

Fotos: URBANO ERBISTE/EXTRA

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

MORTES POR PM E PMS MORTOS AUMENTAM

G1 PROFISSÃO REPÓRTER. Edição do dia 24/02/2015


Mortes por policiais militares teve aumento de 80% em um ano em SP. Em 2014, 801 pessoas foram mortas por policiais militares no estado de SP. Dez PMs foram mortos em serviço na capital e Grande São Paulo em 2014.





O Profissão Repórter mostra o aumento de número de pessoas mortas por policiais militares e a dor de parentes de policiais mortos em ação.

São Paulo - SP

Kevinho é o apelido de Krawelen Barbosa Sena. Ele tinha 19 anos, uma filha de três anos e dois empregos. Dezenas de pessoas assistiram ao crime. “Eu pedi pelo amor de Deus pra não atirar nele, porque ele tinha filho”, conta uma das testemunhas.

O crime foi dia 29 de marco de 2014, no bairro de Cidade Ademar, Zona Sul de São Paulo. O Profissão Repórter esteve no bairro um ano depois do crime.

O inquérito ainda não está concluído. A mãe de Kevinho mostra o boletim de ocorrência, que informa: “Morte decorrente de intervenção policial”. Mais de 20 moradores viram o crime acontecer, mas só um foi citado no boletim. Os demais ouvidos foram os próprios PMs.


Sem ter ouvido as principais testemunhas, o escrivão concluiu que o PM matou Kevinho em legítima defesa. No boletim de ocorrência consta: “Ao pressentir que estava em perigo atual e iminente, sacou sua pistola e desferiu sete tiros contra o hipotético agressor, que na verdade trazia consigo uma arma de brinquedo”.

“É mentira. Ele não estava armado e não tinha arma de brinquedo”, declara Roselene Barbosa, mãe de Kevinho. Ela e as testemunhas afirmam que os PMs puseram uma arma perto do corpo para incriminá-lo. Em nota, a secretaria de Segurança Pública informa que os PMs mantiverem a versão de que revidaram aos tiros disparados por Krawelen, mas no boletim de ocorrência, os próprios PMs não falam em troca de tiros, e que a arma encontrada na cena do crime era um revólver de brinquedo.

Kevinho foi uma das 801 pessoas mortas por policiais militares no estado de São Paulo em 2014. “Com certeza é uma situação alarmante que deixa qualquer cidadão preocupadíssimo”, afirma Julio Cesar Neves, ouvidor da Polícia de São Paulo.

O aumento das mortes foi de mais de 80% em relação ao ano anterior e a maior parte destes crimes, segundo o ouvidor, já está com impunidade garantida. “De 801 mortes, com certeza mais de 700 inquéritos policiais foram arquivados. O que alegam é que não existem indícios de dolo naquele homicídio e sim uma resistência ocorrida numa intervenção policial”, explica Neves.

Também aumentou o número de denúncias de uso do chamado kit flagrante para incriminar as pessoas mortas pela PM.

“Coloca-se uma arma, um revólver com numeração raspada. Dizem que no kit faz parte cápsulas de cocaína ou pedras de crack ou trouxas de maconha, que os policiais carregam em uma mochila. O senhor tem conhecimento disso?”, pergunta Caco Barcellos.

“Sim. Nós já denunciamos inclusive em um terreno de uma das delegacias de polícia da capital de São Paulo, onde foram encontradas drogas e objetos pra este suposto kit. Isso realmente pode existir, como ocorre realmente na realidade”, responde Neves.


Salvador
Cinco dias depois das mortes, movimentos negros de Salvador fizeram um protesto no bairro do Cabula, em Salvador, contra a polícia, que matou 12 jovens em uma favela. Eles tinham entre 17 e 25 anos.

A secretaria da Segurança Pública chegou a dizer que dos 12 mortos, nove tinham antecedentes criminais. Depois corrigiu a informação dizendo que eram dois.

“E a polícia invariavelmente irá justificar esses assassinatos. Ela diz que são bandidos com passagem pela polícia, como se justificasse, pessoas que têm passagem pela polícia serem mortas. Nós não temos pena capital aqui, mas parece que está instituída a pena capital”, declara Hamilton dos Santos, movimento Reaja ou Será Mortx.

“Primeiro, uma ação policial que mata 12 pessoas é uma ação desastrosa. Neste caso, há vários indícios de que houve uma execução sumária”, diz Alexandre Ciconello, assistente da Anistia Internacional.

A polícia diz que a perícia já foi feita, mas os moradores encontraram a cápsula de uma bala e as roupas dos jovens mortos. “Eles renderam os meninos, pegou um por um, trouxe pra cá e depois matou na frente da viatura e jogaram no mato e tiraram as roupas e trocaram de roupa”, conta um morador.

No hospital, policiais fotografaram os corpos dos 12 jovens, os mortos aparecem vestidos com fardas do exército. Segundo a polícia é um indicio de que se tratava de um grupo criminoso, organizado e bem equipado.

No depoimento, os nove PMs envolvidos nas mortes dizem que foram recebidos a tiros pelo grupo que planejava explodir um caixa eletrônico.

“É preciso que estas pessoas que testemunharam o fato compareçam a unidade para que a gente também consiga ampliar as alegações de ambas as partes. Até que nos provem o contrário nós ficamos com as palavras dos nossos policiais. A investigação está aberta e nós temos 30 dias para verificar se estas palavras que foram colocadas, se a forma como os policiais contaram esta história procede ou não”, afirma Maurício Barbosa, secretário de Segurança Pública da Bahia.

O secretário conta a versão dos policiais. “Eles receberam o informe de movimentação suspeita naquele local. Ao chegarem no local, se depararam com uma grande quantidade de criminosos armados, fardados com roupas do exército, que vieram já atirando contra a guarnição da Polícia Militar”.

Um PM foi ferido de raspão. Um dos policias disse que eles enfrentaram 40 homens armados e que “só estão vivos graças a um milagre de deus”. A polícia mostrou armas, drogas e outros objetos que diz ter apreendido com os jovens. Nas redes sociais também foram mostradas imagens dos corpos que estão muito machucados.

“Nós estamos apurando quem foram as pessoas que tiraram fotos e distribuíram pelas redes sociais, pra que estas pessoas sejam punidas. Isso é crime”, declara o secretário.


São José Rio Preto – São Paulo

Nesta quarta-feira (25) completa um ano da morte de um morador de rua. O caso envolve um policial militar acusado pelo assassinato e fraude na investigação.

Uma jovem repórter da rádio CBN, Josiane Teixeira, esteve na cena do crime e fotografou o policial que teria atirado no morador de rua. As fotos tiradas pela repórter mostram que o PM que matou Bruno estava de folga. O soldado Alexandre Mendes diz que o morador de rua o atacou com uma faca e que por isso atirou em legitima defesa.

Dias depois, Josiane teve acesso às imagens da perícia e levantou suspeitas sobre o caso ao ver uma faca na cena do crime. Nas fotos tiradas por Josiane, duas horas antes da chegada da polícia técnica não há faca na cena do crime.

A persistência da repórter mudou o rumo das investigações. “As provas materiais, principalmente o local do crime, incluindo até a fotografia, as imagens apresentadas pela repórter, serviram pra gente requisitar novas perícias e confrontar a versão apresentada pelo policial militar. E esse conjunto probatório nos serviu de base pra entender que não houve a legítima defesa. Foi um caso de execução e procedemos o formal indiciamento por este crime”, explica Laercio Ceneviva Filho, delegado.

O soldado Alexandre Mendes continua trabalhando normalmente na cidade de Rio Preto. Ele mora em uma casa que fica bem perto do local do crime. O Profissão Repórter tentou contato com ele em casa e no quartel onde ele trabalha.


Guarda do Embaú – Santa Catarina

O Profissão Repórter esteve na Guarda do Embaú uma semana depois do surfista Ricardo dos Santos ser morto a tiros por um policial militar de folga. A comunidade ainda estava em choque.

Ricardinho era especialista em ondas grandes e conheceu o mundo disputando campeonatos, mas sempre voltava para a Guarda do Embaú.

O avo de Ricardinho conta que o policial de folga havia estacionado o carro sobre um cano que precisava de reparos. “Aí a gente pediu pra ele chegar pra frente um pouco. Ele já respondeu e os três tiros começou, foi um atrás do outro, foi assim de repente”, conta.

Luis Paulo Mota Brentano foi preso em flagrante. O soldado tem 25 anos e um histórico de violência. Entrou para a Polícia Militar em 2008, em 2010 agrediu um rapaz que não queria pagar a conta em uma boate. Em 2012, de folga, se envolveu em outra briga e deu uma coronhada na vítima, na época o comando da PM declarou que ele era uma pessoa agressiva que deveria ser retirada das ruas e que não tivesse porte de arma.

Em Joinville, a equipe do Profissão Repórter foi abordada por policiais militares de Santa Catarina, no momento em que tentava falar com familiares do soldado Luis Paulo Mota.
Nossa equipe também tentou entrevistar o comandante do 8º batalhão, onde trabalhava o soldado Mota. A resposta veio por uma mensagem de celular: “O comando só vai se pronunciar quando o caso estiver encerrado”.

Em janeiro, a Polícia Militar de SP formou o 921 novos sargentos. A palavra guerra apareceu duas vezes na formatura.

O tenente coronel Adilson Paes de Souza é autor de um livro que reúne o relato de quatro policiais militares condenados por homicídio. Adilson foi da Polícia Militar de São Paulo por 30 anos e se aposentou em 2012.

“Não é de hoje que nós estamos assistindo um discurso dos próprios policiais se referindo a uma guerra. Esse discurso pode levar a alguns determinados policiais militares, que pertencem a determinados efetivos, a se acharem efetivamente numa guerra. E na lógica da guerra operasse aquela dualidade amigo e inimigo. Tenho que eliminar ou serei eliminado”, diz.

A turma de formandos em janeiro foi batizada com o nome do sargento Alexandre Hiath de Lima, morto em setembro do ano passado.

O sargento foi baleado no rosto por assaltantes que tinham acabado de assaltar um comerciante no bairro do Ipiranga. “Ele amava a profissão. A farda era a segunda pele dele”, declara a viúva de Alexandre.

Em julho do ano passado o sargento Swamy Welder Weigert participava de operação da força tática da PM em Embu das Artes, região metropolitana de SP. “Ele tomou um tiro no olho esquerdo e morreu na hora”, conta a viúva do sargento.

Wagner de Souza Ribeiro foi a última vítima da Polícia Militar em 2014. O caso começou com a explosão de um caixa eletrônico do Banco do Brasil no réveillon. Depois do assalto, Wagner teria fugido por uma rua e entrado em uma casa.

Três policiais foram presos depois que um dos PMs confessou ter executado um bandido desarmado.

Antes da confissão do sargento Marcos Akira, o inquérito falava em ação de legitima defesa dos PMs. “O padrão do boletim de ocorrência, a descrição, são todas iguais, são todas idênticas. Quando existe a confissão de um policial, como houve do sargento Akira, aqueles outros boletins de ocorrência semelhantes ficam sob suspensão, com certeza”, declara Julio Cesar Neves, ouvidor da Polícia de São Paulo.

O sargento confessou que os PMs deram tiros na parede e puseram uma arma na mão dele para forjar uma cena de tiroteio contra bandido.

O caso de tiroteio forjado de maior repercussão, teve como vítima dois pichadores. Os parentes de Alex Dalla Vecchia Costa e Ailton dos Santos se envolveram na investigação para provar que eles não eram assaltante se que não estavam armados como disseram os policiais.

Os PMs acusados foram afastados do patrulhamento e serão indiciados por duplo homicídio. Alex deixou cinco filhos e uma mulher grávida de oito meses. O secretário de Segurança Pública de São Paulo não quis gravar entrevista.

Em nota, afirma que o aumento de número de pessoas mortas pela polícia é uma decorrência do crescimento de 52% no confronto com criminosos e que a redução das mortes é prioridade da secretaria.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A BM E SUA HISTÓRIA NO COMBATE AO CRIME



Jornal O Sul - 24.02.15


Paulo Roberto Mendes Rodrigues



A Brigada Militar e sua história no combate ao crime


Hoje, nem a população nem os bandidos enxergam os brigadianos nas ruas. Aliás, isto é um dos motivos que estimulam a bandidagem e deixa a população cada vez mais insegura. Que saudades da Brigada dos valorosos “Pedro e Paulo” patrulhando as ruas e afugentando os malfeitores.

O Instituto Index, nos dias 6 e 7 de fevereiro, realizou uma pesquisa em trinta municípios gaúchos, entrevistando 1,2 mil pessoas sobre o tema segurança pública. Pois bem! A pesquisa tratou sobre temas polêmicos, tais como liberação do aborto, pena de morte, maioridade penal, ressocialização do preso, porte de arma, entre outros. Aliás, neste ponto, os pesquisados demonstram coerência com o que se percebe no dia-a-dia. Mas, o que chama mais a atenção são as respostas às perguntas:
1) o senhor se sente seguro para caminhar pelas ruas à noite? 82% disseram NÃO;
2) já foi assaltado? 68% disseram SIM;
3) confia na BM? 45% disseram NÃO.

Estes três quesitos são importantes, pois demonstram claramente a situação de insegurança manifestada pelos entrevistados. E mais – e isto é fundamental –, quase a metade da população entrevistada diz não confiar na Brigada. Triste, muito triste.

Sabemos que a contenção da criminalidade é complexa e envolve órgãos de vários níveis. Porém, é a Brigada Militar a parte visível, são os brigadianos fardados que estão – ou deveriam estar – nas ruas enfrentando a bandidagem, fazendo-a recuar. Para a população não interessa se o sistema prisional está superlotado. Não interessa que o Presídio Central tenha sido considerado o pior do país. Na verdade, o que interessa é que exista segurança. Mas, nem nos “territórios da paz” há. O que se vê todos os dias são relatos de extrema violência, deixando os gaúchos e gaúchas inseguros. As estatísticas só aumentam.

A valorosa Brigada Militar gaúcha irá completar 178 anos de existência. Diz-se que a história da instituição se confunde com a própria história do Rio Grande. É a única que está presente nos 497 municípios, atuando diuturnamente, sob quaisquer condições, em defesa da sociedade. Muitas vezes realiza trabalhos que nem são de sua responsabilidade, mas, por não haver outra solução, estende sua mão solidária ao atendimento.

Hoje, nem a população nem os bandidos enxergam os brigadianos nas ruas. Aliás, isto é um dos motivos que estimulam a bandidagem e deixa a população cada vez mais insegura. Que saudades da Brigada dos valorosos “Pedro e Paulo” patrulhando as ruas e afugentando os malfeitores.

Assim, roguemos que o Governador, estimulado pelo artigo 82, XIII, da Constituição gaúcha, que reza que compete a ele, “privativamente, exercer o comando supremo da Brigada Militar”, ouça as vozes das ruas e fortaleça a instituição com recursos humanos e materiais, propiciando um combate mais efetivo ao crime, inspirando-se no passado e projetando o futuro, de modo que na próxima pesquisa a população maciçamente diga SIM, confia na BM (Brigada Militar), e, mais, diga que não mais é refém da insegurança.

EXECUÇÃO SEM EXECUTOR


ZERO HORA 24/02/2015 | 05h02

Um ano depois, ninguém foi responsabilizado pela morte de Kunzler. Nenhum dos nove indiciados pela Polícia Civil foi condenado pelo assassinato de Lair José Kunzler, após roubo na frente de casa, em Porto Alegre

por José Luís Costa



Publicitário foi morto no dia 24 de fevereiro de 2014, na Zona Sul da Capital Foto: Dulce Helfer / Agencia RBS


O mais intrigante dos 119 latrocínios (roubo com morte) registrados no Estado no ano passado completa nesta terça-feira um ano com possibilidades de entrar para a galeria dos crimes insolúveis.

Desde 24 de fevereiro de 2014, quando o publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, foi morto por bandidos para roubar um malote de dinheiro, se imaginava que o caso se resolveria logo.


Era uma execução na porta de um condomínio de luxo, na Capital, com grande repercussão. Quase toda a perseguição à vítima foi gravada por câmeras de vigilância. Mas, em meio a uma investigação controversa, aliada a provas técnicas pouco convincentes, a tecnologia não ajudou a esclarecer o caso.


Dois suspeitos foram presos pela Polícia Civil. Contudo, sem pistas suficientes para incriminá-los. O primeiro foi pego porque havia digitais dele no carro de Kunzler. Mas se tratava do manobrista do estacionamento onde a vítima deixava o veículo.

O segundo, Jaerson Martins de Oliveira, 42 anos, condenado anteriormente pelo mesmo tipo de crime, teria sido visto fugindo logo após o assalto. A testemunha, no entanto, jamais aceitou se identificar, ficou sem credibilidade, e a justiça mandou soltar Jaerson.

Imagens do banco onde Kunzler sacou o dinheiro e de trechos da perseguição até a portaria do condomínio onde ele morreu não conseguiram identificar os criminosos. O atirador, magro e com tatuagem na perna, esteve sempre com capacete. Jaerson, apontado como matador de Kunzler, é gordo e sem tatuagem. Na casa dele, a polícia apreendeu um par de tênis semelhante ao usado pelo criminoso, e, com outro suspeito, um capacete com desenhos iguais ao que aparece na cena. Mas tentativas de melhoria das imagens foram em vão.

Outro vídeo contribuiu para embaralhar o caso. Mostrou Jaerson trabalhando em uma loja, supostamente na hora do crime, mas perícias não provaram a autenticidade.

Condenação apenas por veículo usado no assalto

A polícia chegou a Ronaldo Cirne Coelho, nome que aparecia como dono de um Scenic que seguiu Kunzler. Ele garantiu que tinha vendido o carro antes do crime. Com antecedentes por tráfico e homicídio, Coelho teve o celular grampeado e foi flagrado combinando assaltos em saída de banco. Acabou indiciado com Jaerson e outras sete pessoas.

O Ministério Público denunciou apenas Jaerson e Coelho. Em setembro, Jaerson foi inocentado, e Coelho, condenado a quatro anos e três meses de prisão por associação criminosa — porque o veículo em nome dele foi usado no assalto. Pela morte de Kunzler ninguém foi punido. Talvez nunca seja.


ENTENDA O CASO

O CRIME


— Por volta das 12h de 24 de fevereiro de 2014, o publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, saca R$ 44,2 mil em uma agência do banco Itaú, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Um homem dentro do banco observa Kunzler. Ao sair, ele dirige um Civic e é seguido por bandidos em um Scenic e uma motocicleta.

— No portão do Condomínio Jardim do Sol, onde morava, Kunzler é abordado pelo caroneiro da moto, armado e usando capacete. O publicitário reage e é morto a tiros. O bandido pega o malote com o dinheiro e foge na moto com o comparsa. Parte da perseguição e o crime são gravados por câmeras de segurança.



A INVESTIGAÇÃO

— Um manobrista do estacionamento perto do banco chegou a ser preso porque havia digitais dele no carro de Kunzler, mas a polícia admitiu erro e soltou o homem.

— Em 13 de março, é preso Jaerson Martins de Oliveira, apenado do semiaberto por latrocínio. Um homem disse à polícia ter reconhecido Jaerson, mas se negou a depor.

— Jaerson alegou estar no trabalho na hora do crime e enviou à polícia CD com imagens dele no serviço. Quinze dias depois, a Justiça mandou soltá-lo por falta de provas.



— Escutas revelam que Ronaldo Cirne Coelho combinaria assaltos em saídas de bancos. Ele era dono do Scenic que seguiu Kunzler. Em 9 de maio, a 6ª DP indicia nove pessoas.


O PROCESSO


— Uma semana depois, o Ministério Público denunciou apenas Jaerson e Coelho, mas depois pediu absolvição de Jaerson por falta de provas — ele foi absolvido em 10 de setembro. Coelho foi condenado por associação criminosa. Pela morte de Kunzler, ninguém foi responsabilizado.

— A defesa de Coelho recorreu ao TJ, pedindo absolvição. O MP também, pedindo condenação pelo latrocínio. De outros processos por tráfico e porte ilegal de arma, Coelho cumpre pena na Penintenciária Modulada de Charqueadas.


O que diz a delegada da Polícia Civil, Áurea Regina Hoeppel - Indiciamos nove pessoas, com certeza da participação de todos. O inquérito tem 800 páginas e é brilhante, contendo provas sobre um grupo que atua até hoje em saídas de banco na Capiral e em Eldorado do Sul. Se não foram suficientes para condenação, não cabe a mim questionar.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

SEGURANÇA PÚBLICA NÃO DÁ VOTOS

EL PAÍS BRAZIL. P. C. Rio de Janeiro 18 FEB 2015 - 13:56 BRST

ENTREVISTA

José Mariano Beltrame | Secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro


“Vende-se droga em Paris ou NY, mas não se mata. No Rio, sim”. Para Beltrame, não se investe em segurança pública porque "não dá votos"



José Mariano Beltrame, em dezembro de 2014. / Fernando Frazão (Ag. Brasil)


O secretário antecipou o compromisso, mas teve a cortesia de não cancelá-lo. Em seu escritório, o estresse é palpável. São 9h da manhã e na antessala alguns assistentes reagem com surpresa aos números publicados pelos sites de notícias: “Dezesseis balas perdidas em dez dias no Rio de Janeiro”; “Dezenove balas perdidas na crise de segurança no Rio de Janeiro”; “Aumentam para 18 balas perdidas no Rio”... A cidade se aproxima do pânico e ninguém se importa que a polícia tenha apreendido 2.000 armas em um mês ou que nenhuma dessas balas seja proveniente de confrontos entre a polícia e traficantes de drogas, como costuma ocorrer.

José Mariano Beltrame, 57 anos, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, se pergunta o que a população teria feito se essas balas fossem da polícia, e exige um esforço do Estado para abordar “sem ideologias uma política séria e estável para todo o país”. Para reforçar seus pedidos e opiniões, lembra que é o único de seus antecessores que não seguiu a carreira política depois de ocupar o cargo máximo de segurança do Estado do Rio.

Pergunta. As crises de violência são recorrentes no Rio de Janeiro, mas você está há meses pedindo medidas de âmbito nacional sobre segurança. Por quê?
Resposta. No Rio temos problemas de segurança pública que se agravam quando os grupos criminosos se abastecem com armas vindas do Paraguai. Assim que as recebem, começam a trocar disparos. E além disso temos ‘memória traumática’: quando alguém ouve um tiro ou um estampido, pensa que o mundo acabou e que a segurança é um fracasso absoluto. A história do Rio de Janeiro é muito difícil. Os delinquentes desmoralizam o processo de pacificação com seus disparos: as pessoas ouvem esses disparos e voltam ao ano 2000, quando se metralhava policiais na rua. Entram em pânico. Nunca se investiu em segurança, porque não dá votos... [risos].

P. É difícil comandar uma polícia tão pouco estimada e fortemente criticada por seus abusos?

R. Historicamente, no Brasil, a polícia tem sido usada para reprimir, e ficou manchada. Não se quis enfrentar a Constituição, e os poderes ficaram nas mãos dos estados. Nossa Constituição é muito boa, mas a política de ‘deixar para depois’ produziu, 28 anos depois, resultados que são evidentes para todos. O problema não é apenas aqui. Mas acontece que a capital do Brasil é o Rio, não Brasília. As coisas acontecem aqui, e têm consequências. São Paulo também vive dias preocupantes, com roubos e assaltos, fuzis. Minha queixa não é pelo Rio; é um alerta nacional.

P. Você se refere especialmente ao controle de fronteiras?
R. Não temos tradição nisso, mas se as instituições não se sentarem para conversar, desprovidas de ideologia, partidarismo, poder e vaidade, vamos estar sempre prendendo 2.000 pessoas por mês, ou com os números assustadores de dezembro, quando prendemos 123 menores, e apenas os pais de cinco deles foram buscá-los depois na delegacia. A segurança pública tem que ser entendida como uma corrente. Um fio da corrente é a polícia, mas é o elemento mais frágil, por sua história. É o mais fácil de atacar: não recebeu investimentos e foi relegada durante anos. A Constituição não inclui outros atores quando fala de segurança. Foi um erro. E outro equívoco é que essa política de segurança pública não tem sido implementada com regulamentos em três décadas. Esse abandono da polícia é o que tem provocado essa situação. A política nacional de segurança apenas pode funcionar se for transparente, calculada e objetiva. Caso contrário, sinceramente, não sei qual é seu sentido. Há casos chocantes todos os dias, em quase todos os Estados. Hoje se mata por 30 reais. Tudo isso é culpa da polícia? Posso falar com tranquilidade, porque nossos resultados operacionais são muito bons. Prendemos 4.410 pessoas em 60 dias.

P. Isso é positivo?
R. Não pode ser um bom indicador ter tantas prisões em um Estado, mas demonstra que trabalhamos. Agora: isso resolve?

P. Aparentemente não...

R. Aparentemente não.

P. Tem solução?
R. Segurança pública não é sinônimo de polícia. É um conceito muito maior. O que fazemos para afastar os jovens do tráfico? Se não fizermos algo, vamos ficar assim a vida inteira. E voltaremos a 2006, com números de 41 mortos a cada 100.000 habitantes [hoje são 26]. Não temos políticas para menores, para o crack, controle de fronteiras... Entram armas, drogas... Um terço do território é selva, temos 9.000 quilômetros de mar... O Rio é um grande consumidor de drogas, mas há muito tráfico porque existem vínculos estreitos com os países responsáveis por 85% da produção mundial de cocaína: Bolívia, Colômbia...

P. Paraguai?
R. O Paraguai exporta maconha, mas envia armas em troca de cocaína, que não produz.

P. Vocês recebem fortes críticas pela quantidade de policiais que matam e também morrem a cada ano.
R. Já disse antes: a polícia é o patinho feio. Em oito anos diminuímos as mortes por habitante de 41 para 26.

P. E as balas perdidas...?
R. Aumentaram de um mês para o outro, mas não na série histórica. É um pico. A segurança no Rio de Janeiro é um paciente em estado de febre permanente. Tem altos e baixos.

P. Como você vê a existência de um ‘serial killer’ em Nova Iguaçu, com 42 vítimas e que a polícia nem sequer havia identificado? Há uma aceitação da violência?
R. Mas a Baixada também melhorou! Embora continue tendo problemas sérios... Mas é que no passado fomos permissivos em ceder o controle de algumas zonas, inclusive no poder político. Prendemos deputados, vereadores, que se corrompiam nas milícias. A sociedade foi tolerante com o crime. O Estado foi permissivo, e a sociedade tolerante.

P. E agora, quando se supõe que seja menos tolerante, por que a cidade é tão difícil para tanta gente?
R. As armas de fogo se disseminaram pelo país. Não é por causa do tráfico de drogas. Em Paris, Nova York e Madri se vendem drogas, mas não se mata. Aqui pode haver uma bala perdida ou um morto por um garoto com um cigarro de maconha. Acredito que a droga é uma luta utópica; onde houver vício, vai haver droga. O problema são as armas. Traficar é uma coisa; mas outra diferente é que implique em violência.

P. Especialistas de renome afirmam que vocês não têm política de segurança.
R. Não sei então o que existia antes... Os especialistas apenas sabem falar da polícia, criticá-la. Não sabem o que é a segurança primária, secundária, terciária, setorial... O Rio de Janeiro é a cidade do mundo com mais estudiosos de segurança pública, porque é onde há mais possibilidades de se ganhar dinheiro com isso. Na realidade, são sociólogos ou antropólogos, não especialistas em segurança. Fazem análises reducionistas, apenas sabem falar de polícia. Isso se chama miopia. Tudo bem, falemos da polícia. E o resto?

CHAMA A PM

O NORTÃO 23/02/2015 às 09:35



Por Osvaldo Matos de Melo Júnior


Vão conhecer, in loco, o que é combater a criminalidade no Brasil, diferente de qualquer lugar do mundo.



Tô ouvindo um barulho no quintal. Chama a PM.
Bati no carro da frente. Chama a PM.
Roubaram minha galinha. Chama a PM.
Um garoto acabou de tomar meu celular. Chama a PM.
Estão invadindo e saqueando. Chama a PM.
Vai ter clássico hoje. Chama a PM.
Vai ter um puta show. Chama a PM.
Vai ter carnaval. Chama a PM.

Estão roubando motoristas no sinal. Chama a PM.
Acabaram de matar um. Chama a PM.
Meu marido me deu uma pisa. Chama a PM.
Vai ter festa hoje. Chama a PM.
Tem um pedófilo incomodando os meninos. Chama a PM.
A Policia Federal vai fazer uma mega operação. Chama a PM.
A Policia Rodoviária precisa liberar a rodovia. Chama a PM.
Picharam a igreja. Chama a PM.

O pessoal invadiu as terras. Chama a PM.
As torcidas organizadas estão nas ruas. Chama a PM.
O pop star chegou ao aeroporto. Chama a PM.
Tem uma mulher dando a luz na parada. Chama a PM.
Tem uma quadrilha estourando os caixas. Chama a PM.
Precisamos capturar fugitivos das penitenciarias. Chama a PM.
Os prédios públicos precisam de segurança. Chama a PM.
Tem traficantes no morro. Chama a PM.

Tem uma boca de fumo no bar. Chama a PM.
Na esquina tem um cassino. Chama a PM.
Roubaram meu carro. Chama a PM.
Os meninos se perderam no mato. Chama a PM.
Estou sendo constrangido por essa empresa. Chama a PM.
A loja não quer devolver meu dinheiro. Chama a PM.
Precisamos levar o preso para audiência. Chama a PM.
A prefeitura vai fazer festa de rua. Chama a PM.

Precisamos levar o preso para o dentista. Chama a PM.
O cara não quer pagar a conta. Chama a PM.
Tem um brigão na multidão. Chama a PM.
Estou sofrendo homofobia. Chama a PM.
Ele me chamou de nego safado. Chama a PM.
Esse tarado pegou na minha bunda. Chama a PM.
O som da festa tá alto. Chama a PM.
Tem um doido brabo. Chama a PM.

Tem uma rebelião no presidio. Chama a PM.
Tem uma bomba no prédio. Chama a PM.
Os bancos estão sendo assaltados. Chama a PM.

Ufa, será que consegui convencer que esses profissionais precisam do nosso reconhecimento, respeito e valorização constante?
E que os pseudo especialistas em segurança, que gostam de aparecer na mídia com receitas sem fundamento e desprovidas de conhecimento aprofundado, deixem de falar besteiras, policiólogos de oportunidade e sem noção. Vão conhecer, in loco, o que é combater a criminalidade no Brasil, diferente de qualquer lugar do mundo.

Coloca o melhor policial inglês, canadense ou americano no Brasil que ele não dura uma semana.

Estamos em guerra civil contra bandidos sem futuro e alma. São mais de 50.000 pessoas vitimas da violência. O Brasil é o primeiro lugar em assassinatos de policiais e também o primeiro em suicídio de agentes da lei.

Não precisamos extinguir, unificar ou desmilitarizar policiais. Isso é muito caro e sem resultados. Se desmilitarizar aí que vai ficar pior para o cidadão. Imagina quase 400.000 homens armados sem o devido controle das regras e disciplina militares e usados por grupos políticos!

Os Estados Unidos tem mais de 15.000 tipos de instituições policiais e tudo funciona. A Itália, menor que o Brasil, tem várias polícias onde seus agentes são militares. Tem idiota que diz que só o Brasil tem Policia Militar. Ele esquece que em mais de 100 países existe esse modelo de polícia, apenas muda o nome: são as Gendarmarias, Polícia Nacional, Guardas Nacionais, entre outras.

Conheço profundamente os programas de ensino de todas as PMs e faço questão de dizer que não existe preparo de policial para extermínio de cidadão, ao contrário, as PMs buscam conteúdos de policia cidadã, direito constitucional, psicologia social entre outros.

Agora na hora do tumulto, do enfrentamento alguns passam do normal, dos dois lados, em todo lugar do mundo, até nos países ditos desenvolvidos.

Vamos reformular, integrar informações e inteligência, investir em qualificação, formação e salários unificados em todo país para os policiais militares com um fundo nacional para equiparar salários, usar o que a tecnologia tem de melhor, tornar as leis mais rígidas e evitar que reincidentes continuem a cometer crimes e permaneçam impunes ou sem condições de ressocialização. Vamos investir 40% do orçamento em educação o Brasil precisa desses jovens que estão morrendo vitimas da violência.

Lembramos que os policiais são recrutados da mesma sociedade que os rejeita e muito cobra sem dar muita vezes as condições mínimas necessárias para o exercício da função. Erros acontecem, é um efetivo imenso, maior que muitos exércitos, sempre ostensivo que bate de frente com todo o lixo social produzido, portanto os erros acontecem, mas os acertos são infinitamente maiores.

Esses policiais prendem mais de 500.000 criminosos por ano, salvam milhões de vidas, atuam em quase todos os conflitos sociais, sempre sacrificando suas vidas e integridade física, e até a família, em alguns casos. Na maioria das localidades brasileiras, são a única presença do Estado e o limite entre a civilidade e selvajaria.




* *Osvaldo Matos de Melo Júnior - Publicitário e sociólogo.
Autor: Osvaldo Matos de Melo Júnior
Fonte: O Nortão


 http://www.onortao.com.br/noticias/chama-a-pm-por-osvaldo-matos-de-melo-junior,35470.php

POLÍCIA NÃO TEM APOIO PARA COMBATER A CRIMINALIDADE. ESTÁ SOZINHA NO ESTADO

G1 RIO 23/02/2015 10h49

Beltrame diz que polícia do RJ não tem apoio para combater a criminalidade . Secretário afirmou que polícia está sozinha no estado. Quatro policiais foram mortos em menos de 24h no RJ.

Matheus Rodrigues Do G1 Rio



Corpo de policial civil Thiago Thome foi velado no cemitério Nossa Senhora da Conceição (Foto: Matheus Rodrigues/G1)

O secretário de segurança do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou nesta segunda-feira (23) que a polícia do estado atua sozinha no combate à criminalidade. O pronunciamento foi realizado durante o velório do policial civil Thiago Thome, de 29 anos, no cemitério do Maruí, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. Thome morreu durante uma tentativa de assalto na cidade. No último final de semana, em 24 horas, quatro policiais foram mortos.


Pai é consolado por amigos e parentes durante velório (Foto: Matheus Rodrigues/G1)

De acordo com Beltrame, outras instituições não dão o apoio necessário para combater a criminalidade do Rio. "A polícia está só. A polícia está sozinha nessa selvajaria toda, com essas pessoas que não tem apego nenhum pela vida e matam por um celular. Precisamos da ajuda das outras instituições que compõem o conceito de segurança pública. A ponta disso tudo é a polícia, e na ponta a polícia está sozinha", afirmou.

O pai da vítima afirmou que o sentimento é de revolta com a morte do filho. "Sinto revolta, só isso. Ele não tinha nem dois anos de polícia e morreu estupidamente", disse Zadir Oliveira de Deus.

Ainda durante o velório, o secretário disse que a polícia já planeja ações de resposta às mortes deste domingo (22). Ele também negou que as mortes tirem o fôlego das ações da polícia. "Isso não vai tirar o nosso ânimo, nós vamos atuar ainda nessa semana. O comandante já está reunido com todo o estado maior. Vamos agir sempre com racionalidade, inteligência e dentro da lei", disse.

Chefe de Polícia Civil, Fernando Veloso, compareceu ao enterro do policial civil em Niterói (Foto: Matheus Rodrigues/G1)

O chefe de Polícia Civil, Fernando Veloso, afirmou, também durante o velório, que o fato das vítimas deste domingo (22) serem policiais estimulou a ação dos criminosos. "Ser policial civil no Rio de Janeiro não é fácil. A Polícia Civil chora hoje, dois policiais foram mortos no fim de semana. Foram mortos porque eram policiais e se não fossem policiais não teriam sido mortos. Nós vamos dar a resposta que temos que dar, através da lei", afirmou.

Quatro mortes em 24 horas

Na tarde de domingo, o corpo do policial Cid Jacson Silva, que era lotado na Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis, foi enterrado no cemitério de Mesquita, na Baixada. O secretário Beltrame e o Chefe de Polícia, Fernando Veloso, estiveram no cemitério, mas não quiseram falar com jornalistas.

Imagens mostram Cid caído no chão numa rua próxima a casa da mãe em Mesquita. Ele levou um tiro nas costas e três na cabeça e foi socorrido ao Hospital de Clínicas de Nova Iguaçu, mas não resistiu.

Na tarde de domingo o soldado da PM Alan Barros da Silva, de 31 anos, foi morto por homens em duas motos, quando fazia segurança na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. Ele trabalhava no Batalhão de Grandes Eventos. Parentes e amigos estavam desolados no hospital Lourenço Jorge enquanto esperavam da liberação do corpo. Alan foi o quarto policial morto em menos de 24 horas no Rio.

Na manhã de domingo, o policial militar Pedro Gabriel Teixeira, de 25 anos, foi atacado e morto por criminosos em uma padaria no Centro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Ele estava com outros dois colegas, que sobreviveram.

CRIMINOSOS EXECUTAM PM. QUATRO MORREM EM 24 HORAS

Do G1 Rio 23/02/2015 07h26

Imagens mostram momento em que criminosos atiram e matam PM no RJ. Ele estava com outros dois colegas em padaria no Centro de Nova Iguaçu. Quatro policiais morreram na Região Metropolitana em 24 horas.





Fotos mostram o momento em que o policial militar Pedro Gabriel Teixeira, de 25 anos, foi atacado e morto por criminosos em uma padaria no Centro de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, na manhã de domingo (22). Além de Pedro, outros três policiais foram mortos na Região Metropolitana do Rio em menos de 24 horas, como mostrou o Bom Dia Rio.

Segundo testemunhas, Pedro e outros dois colegas foram atacados por criminosos. As imagens mostram o instante em que assaltantes atiraram (veja no vídeo acima). Pedro levou vários tiros e morreu a caminho do hospital. O PM trabalhava na Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha.

Marcos Amorim também foi ferido, mas não corre risco de morte. Leandro Alves, que não teve ferimentos, já prestou depoimento.

Em outra foto, os três amigos aparecem na calçada da padaria momentos antes do ataque.

Amigos e parentes de Pedro passaram a tarde do domingo no Instituto Médico Legal (IML) de Nova Iguaçu. Ninguém falou com a imprensa.

De acordo com a polícia, um assaltante também foi atingido, mas conseguiu fugir. Peritos apreenderam a pistola de um dos policiais e recolheram amostras de sangue do criminoso.

Outros casos

No domingo, o policial civil Tiago Thomé de Deus, de 29 anos, foi morto durante um assalto no bairro do Fonseca, em Niterói. Ele voltava do desfile das campeãs e foi morto na frente da esposa.

No cemitério de Mesquita, na Baixada, foi enterrado o corpo do terceiro policial morto no fim de semana. Cid Jacson Silva era lotado na Delegacia de Roubos e Furtos de Automóveis. O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, e o Chefe de Polícia, Fernando Veloso, estiveram no cemitério, mas não quiseram falar com jornalistas.

Cid foi baleado após assalto quando os criminosos descobriram que se tratava de um policial. Imagens mostram Cid caído no chão numa rua próxima à casa da mãe em Mesquita. Ele levou um tiro nas costas e três na cabeça e foi socorrido ao Hospital de Clínicas de Nova Iguaçu, mas não resistiu.

Na tarde de domingo o soldado da PM Alan Barros da Silva, de 31 anos, foi morto por homens em duas motos, quando fazia segurança na Barra da Tijuca, Zona Oeste da cidade. Ele trabalhava no Batalhão de Grandes Eventos.

Parentes e amigos estavam desolados no hospital Lourenço Jorge enquanto esperavam da liberação do corpo. Alan foi o quarto policial morto em menos de 24 horas no Rio.

PM É ACUSADO DE EXECUTAR SUSPEITO QUE PERSEGUIA

G1 FANTASTICO 22/02/2015 22h04

Policial militar é acusado de execução após perseguição em SP. Imagens mostram que não há troca de tiros, apenas um homem dispara, o PM. Ouvidor da Polícia de São Paulo diz que suspeito foi assassinado.




Um policial militar persegue suspeitos na Zona Lesta de São Paulo. As imagens mostram que não há troca de tiros, apenas um homem dispara, o PM.

“Ele não estava, com certeza, correndo risco de vida, o policial”, diz Júlio César Fernandes Neves, ouvidor da Polícia de SP.

O homem baleado, morreu. Fabricio Rodrigues dos Santos tinha 23 anos. O PM foi identificado: é o soldado Diego Lopes Silva, de 30 anos, preso desde sexta-feira (20), acusado de execução.

As imagens obtidas pelo Fantástico são do dia 5 de agosto de 2014. Foram gravadas pelas câmeras de segurança de uma distribuidora de materiais elétricos. Às 11h10, quem estava na rua se assustou com os tiros. Dois homens aparecem fugindo nas imagens. Na sequência, um outro. E, logo atrás, o soldado Diego Lopes Silva. O PM atira em Fabricio pelas costas.

O soldado fala com o baleado e corre em direção aos outros dois suspeitos.

“O policial não revista o Fabricio, num indício de que sabia que o indivíduo não representava risco para a segurança dele”, avalia o promotor de Justiça Leonardo Sobreira Spina.
Repórter: Ele estaria desarmado?
Promotor: Sim

Fabricio espera o policial se afastar e, ferido, entra na distribuidora. Um minuto depois, um funcionário vai para a rua e encontra o soldado Diego, avisa que o homem baleado está lá dentro e os dois vão para a empresa.

O modelo de câmera não grava sons e, por causa do posicionamento dela, não é possível ver o que acontece a seguir. Só é possível observar um clarão. Uma mulher que está próximo ao local se assusta e entra no escritório. Já o homem que mostrou onde estava Fabricio vira o rosto.

O Fantástico mostrou as imagens para o ouvidor da polícia de São Paulo, que recebe denúncias contra policiais civis e militares. Ele não tem dúvida: o clarão é de um tiro e Fabricio foi assassinado.

“Foi exatamente uma execução. Quem vê uma cena dessas fica assustado, surpreso e muito triste”, avalia Júlio César Neves.

“A vítima, quando foi mortalmente atingida, já estava subjugada”, afirma o promotor de Justiça.

A gravação continua e mostra que alguma coisa cai no chão. Para o Ministério Público, é a cápsula da bala usada para executar Fabricio com o tiro no peito. O policial Diego Lopes Silva pega o objeto. Essa cápsula nunca foi entregue para perícia.

“O policial militar não queria aquele cidadão vivo e queria se eximir de uma possível culpa ali, mudando a cena do crime”, diz o ouvidor.

E mais: o local onde Fabricio foi morto, não foi isolado, como seria o procedimento correto. Um PM que ainda não foi identificado mexe no corpo.

O soldado Diego Lopes Silva disse que Fabricio e dois comparsas estavam em um carro e não obedeceram a ordem de parar. Depois, houve a perseguição a pé. O PM assumiu que atirou, mas alegou legítima defesa, no linguajar policial, “resistência seguida de morte”.

Em depoimento ao Departamento de Homicídios de São Paulo, Diego disse que Fabricio atirou várias vezes contra ele e que, ao ser baleado, o rapaz deixou a arma, uma pistola, cair no chão. O soldado contou que pegou a arma do suspeito e que não deu nenhum tiro em Fabricio dentro da empresa.

Além das imagens das câmeras de segurança, outra prova contra o soldado é o laudo oficial da perícia. Fabricio não tinha resíduos de pólvora nas mãos, indicando que ele não disparou a pistola.

“Houve a necessidade da prisão cautelar do policial militar para que as testemunhas do caso se sintam livres para prestar um depoimento verdadeiro”, explica o promotor de Justiça.

Depois que Fabricio foi morto, a polícia pesquisou os antecedentes dele. O rapaz já tinha cumprido pena por receptação e respondia por furto. Naquele dia, ele e os dois comparsas tinham acabado de furtar rodas de carros.

Ao Fantástico, os pais de Fabricio disseram esperar por uma punição aos culpados. “Não vai trazer ele de volta, mas Justiça eu quero que tenha para ele”, diz a mãe.

“Covardia atirar pelas costas do meu filho. Eu vou trabalhar, você não se concentra direito, eu penso no meu filho 24 horas por dia”, conta o pai.

O assassinato de Fabricio Alves dos Santos faz parte de uma lista de 801 pessoas mortas pela Polícia de São Paulo em 2014. Esse número revela o nível de violência usado principalmente pela Polícia Militar para combater o crime no estado. São essas as principais conclusões do relatório anual da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, a que o Fantástico teve acesso.

Em 2013, 436 pessoas foram mortas por policiais no estado de São Paulo. Em comparação a 2014, houve um aumento de 83,7%.

Fantástico: Em que momento o policial pode atirar para matar?
Júlio César Neves, ouvidor da Polícia de SP: Só em legítima defesa de sua vida.

Em 2014, 79 policiais foram mortos. Em 2013, 74.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública disse que o aumento de mortes se deu por causa do crescimento de 52% nos confrontos de criminosos com a polícia. Também afirmou que não tolera abusos e excessos; e que age para coibir e punir quando necessário.

Acusado de execução, o soldado Diego Lopes Silva pode ser condenado a 30 anos de cadeia.
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sábado, 21 de fevereiro de 2015

IMPERÍCIA DA PERÍCIA

ZERO HORA 20/02/2015 | 16h22

Divergência em laudos suspende audiência que ouviria juiz aposentado acusado de matar a mulher. Ex-secretária de Finanças foi morta a tiros em julho do ano passado



Foto: reprodução / reprodução



Marilice Daronco


Uma divergência entre os laudos da necropsia e do local de crime suspendeu a audiência em que seria ouvido, pela primeira vez, o juiz aposentado Francisco Eclache Filho, 65 anos, no Fórum de Restinga Seca na tarde de sexta-feira. Ele é acusado de ter matado a mulher, a ex-secretária de Finanças e da Indústria de Restinga Seca, Madalena Dotto Nogara, 55 anos, com quatro tiros, em julho do ano passado.

O pedido que acabou levando à suspensão da audiência foi feito pelo advogado de acusação, Bruno Seligman de Menezes. Ele percebeu uma imprecisão nos laudos da morte de Madalena.

— O laudo pericial de local de morte aponta disparos na orelha esquerda. O da necropsia diz que foi na orelha direita. Oficializamos o pedido para que a situação seja esclarecida para que isso não cause nenhum problema posterior — explica Menezes.

De acordo com Roger Alves da Rocha, um dos advogados de defesa, o juiz aposentado tinha ido até a cidade pronto para contar a sua versão. Como a audiência foi suspensa, Rocha preferiu não dar detalhes sobre qual será o caminho adotado na defesa dele.

Na delegacia, em Osório, Eclache Filho confessou ter matado a vítima, mas disse que a estava ensinando como se usa uma arma de fogo e, em determinado momento, ela teria pego a arma e apontado para ele. O crime ocorreu 54 dias após o casal oficializar a união estável. Os dois tinham se conhecido pela internet.

A denúncia do Ministério Público diz que o juiz aposentado tinha ciúme doentio da vítima e que isso motivou o crime. Eclache Filho teria agido por motivo torpe, fútil e dificultado a defesa de Madalena, que foi morta com tiros nas costas, cabeça e coração.

O exame residuográfico apontou que havia vestígios de pólvora nas mãos da vítima.

— O exame está sendo abolido porque é inconclusivo. Ele sequer diz em qual mão estava a arma. Ela era destra, mas os resíduos estavam na mão direita ou esquerda? Além disso, a pólvora poderia estar nas mãos dela por ela ter tentado agarrá-la para se defender — argumenta Menezes.

O juiz foi detido um dia depois do crime, em Osório. Desde então, está preso preventivamente no Palácio de Polícia, em Porto Alegre. Ele não divide a cela com outros presos e tem algumas comodidades, como acesso a livros, revistas, jornais e TV. Mas precisa arrumar a própria cama e lavar a roupa em um tanque e recebe a mesma comida dos outros presos.


DIÁRIO DE SANTA MARIA

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

CASO DO TORCEDOR TEM PRISÃO DECRETADA PARA QUATRO PMS


ZERO HORA 17 de fevereiro de 2015 | N° 18076

CARLOS ISMAEL MOREIRA

TORCEDOR ASSASSINADO. Caso já soma quatro PMs detidos

ENTRE OS PRESOS, três são suspeitos de terem feito os disparos que mataram Maicon Doglas de Lima, no início do mês. No começo da investigação, apenas um havia admitido o uso de munição letal


A investigação da morte do torcedor do Novo Hamburgo, Maicon Doglas de Lima, 16 anos, no dia 1º deste mês, já levou quatro policiais militares (PMs) para trás das grades. Destes, três são suspeitos de terem feito os disparos que atingiram o jovem, morto por dois tiros pelas costas. O quarto teria participado da troca de uma das balas removidas do corpo do rapaz. Desde 2012, é o maior número de PMs presos por participação em ações com morte.

Os disparos de munição letal foram admitidos apenas pelo soldado Fabiano Assmann. No dia 4, ele e outro policial, Moyses Stein, tiveram prisão decretada e foram levados para o Presídio Policial Militar. Na sexta-feira, a Justiça autorizou a prisão de mais dois PMs, Angela Peppe Christofari e Ulisses de Matos Quos, por indícios de que podem ter saído da arma deles os tiros que acertaram Lima. Os quatro são do 25º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de São Leopoldo.

Titular da 1ª Vara Criminal de São Leopoldo, o juiz José Antônio Piccoli justificou a prisão afirmando que “novos elementos surgiram nos autos, dando conta de que mais dois policiais efetuaram disparos contra a vítima”.

COMANDO DO 3º BPM NEGA ERRO DE PLANEJAMENTO

O subcomandante-geral da Brigada Militar (BM), coronel Paulo Stocker, não quis comentar as novas prisões. Em entrevista a ZH no dia 4, Stocker disse os PMs são treinados para “o uso progressivo da força e a decisão do tiro”.

O tenente-coronel Luiz Fernando Rodrigues, comandante do 3º BPM de Novo Hamburgo, que conduz inquérito policial militar sobre o caso, discorda que a suspeita de três PMs terem atirado configure erro de planejamento:

– Nossa guarnição (do 3º BPM) estava com balas de borracha. Eles (25º BPM) vieram em apoio pela gravidade da ocorrência, por isso tinham com munição comum, o que é normal na nossa atuação. Infelizmente, ocorreu esse incidente.


BM contesta necessidade de prisões

A prisão de quatro policiais militares, resultado da investigação da morte de Maicon Doglas de Lima, de 16 anos, é contestada pela Brigada Militar. Apesar da suspeita de que três PMs teriam disparado contra o rapaz, o tenente-coronel Luiz Fernando Rodrigues, comandante do 3º BPM, que conduz inquérito policial militar (IPM) sobre o caso, afirma que as detenções não eram necessárias.

– A essa altura do inquérito, também já tinhamos essa informação, mas não haviam requisitos para a prisão. Não é porque são brigadianos. A prisão é pedida quando há risco de fuga ou de o suspeito atrapalhar a investigação, mas não é esse o caso. O delegado, porém, tem autonomia para pedir e, se a Justiça tem concedido, nós apenas cumprimos a decisão – comentou Rodrigues.

O comandante afirmou ainda que apenas a perícia poderá atestar de qual arma partiram os disparos que atingiram o jovem, mas não há prazo para conclusão do IPM.

A Delegacia de Homicídios de São Leopoldo também aguarda os laudos para confirmar outra suspeita: a que os PMs teriam substituído um dos projéteis retirados do corpo do adolescente. A tese ganhou força quando surgiram imagens das câmeras de segurança do Hospital Centenário mostrando que quatro brigadianos tiveram acesso à sala onde o jovem foi atendido.




COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Se houve erro policial, este deve ser apurado e punido, pois a vida da pessoa é prioridade na segurança pública. Agora, é preciso adotar procedimentos rigorosos nos hooligans que causaram o tumulto, para que eles não se tornem as vítimas e os policiais os vilões.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

CADA VEZ MENOS BRIGADIANOS NAS RUAS



ZERO HORA 16 de fevereiro de 2015 | N° 18075


POLÍTICA + | Juliano Rodrigues

Se há um setor do Estado que foi efetivamente afetado e que tende a se deteriorar com as medidas de austeridade já anunciadas ou em estudo pelo governo José Ivo Sartori, é a segurança pública.

    O primeiro reflexo do decreto que reduziu pagamento de horas extras aos policiais militares, anunciado em janeiro, já está ao alcance dos olhos da população: a presença da Brigada Militar nas ruas diminuiu. É verdade que isso está ocorrendo não apenas pelo corte de horas extras, mas também pelo deslocamento de PMs para o Litoral. Porém, a suspensão da nomeação de novos soldados e dados da Secretaria de Administração e Recursos Humanos e da Associação de Cabos e Soldados da Brigada Militar indicam que a corporação deve terminar 2015 com o efetivo ainda menor em relação a 2014 (que já foi menor do que o de 2013).

    Somente entre 2013 e 2014, a Brigada Militar perdeu 1,1 mil servidores. O déficit seria recomposto com a nomeação de 2 mil policiais militares aprovados em concurso, mas o governo Sartori suspendeu a chamada dos servidores e avalia que isso somente poderá ocorrer a partir de junho. Isso se, até lá, o quadro financeiro do Estado melhorar. Até julho de 2014, a BM contava com um efetivo de 22.450 pessoas. Começou 2015 com 21.940. A tendência é de que termine o ano com até 800 policiais a menos, segundo a Associação de Cabos e Soldados (Abamf).

    – Os PMs estão fazendo outros concursos. É mais vantajoso ir para a Polícia Civil, para a Susepe. Só em 2014, perdemos 450 soldados para outros concursos. As pessoas não estão vendo vantagem em continuar na Brigada, até porque há boatos sobre perda de vantagens – explica o presidente da Abamf, Leonel Lucas.

    Os boatos a que se refere Leonel Lucas dizem respeito à análise do governo sobre mudar algumas regras (de aposentadoria, licenças e gratificações de permanência) que tornam a BM cara aos cofres públicos sem que o investimento seja observado no policiamento nas ruas. Segundo a Secretaria de Administração e Recursos Humanos, mais de 2,3 mil policiais militares estão em condições de se aposentar e recebem a gratificação de permanência. As entidades de classe afirmam que a extinção dessa vantagem encolheria ainda mais o já enxuto efetivo da Brigada.

    ALIÁS - O efetivo da Brigada Militar vem encolhendo de forma progressiva. Em 1995, havia 27,4 mil policiais militares no Rio Grande do Sul. Agora, são 21,9 mil. O déficit atual é de mais de 11 mil PMs.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

DELEGADO CONCILIADOR

ESTADO DE MINAS 09/02/2015 07:33


Governo de Minas vai implantar medida inédita para aliviar superlotação nas prisões. Minas pretende criar este ano a figura do delegado conciliador, que passará a resolver casos que envolvam crimes de menor gravidade, até mesmo com aplicação de penas alternativas
 
Maria Clara Prates



Interior do complexo prisional de Neves: em Minas, total de presos sem julgamento passa de 30 mil, quase a metade da população carcerária


Com um déficit de 24,5 mil vagas no sistema prisional do estado e uma superpopulação carcerária de 64,7 mil presos, a Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais vai implantar uma experiência pioneira, o Núcleo de Pacificação Social e Conflito Criminal, por meio do qual o próprio delegado deverá resolver casos envolvendo crimes de menor potencial ofensivo – contravenções penais e aqueles com pena máxima de dois anos. A informação foi passada com exclusividade ao Estado de Minas pelo secretário-adjunto de Defesa Social, delegado federal Rodrigo Teixeira. Ele explica que, com a medida, o delegado, na presença de um advogado do acusado, passa a promover a composição civil, que deverá ser homologada por um juiz de Direito, depois de ouvido o Ministério Público (MP).

A expectativa é de que o núcleo seja implantado dentro de até nove meses, praticamente a custo zero, já que poderão ser usadas as instalações das próprias delegacias. Para garantir eficácia, os policiais civis receberão treinamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em Minas, o número de presos provisórios, ainda sem julgamento, chega a 30.349.





O secretário de Defesa Social, Bernardo Santana (PR), que deu o tom da sua gestão à frente da pasta, quando se comprometeu a valorizar os policiais – civis, militares e bombeiros –, vai se reunir nos próximos dias com representantes do Tribunal de Justiça de Minas (TJ), Ministério Público (MP), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras entidades da área de segurança pública, para viabilizar a criação da figura do delegado conciliador. Ou seja, um delegado que atue como um juiz de instrução, decidindo sobre a necessidade da prisão em flagrante, a arbitragem de fiança, como já ocorre, e até mesmo a aplicação de penas alternativas em transações penais e uso de tornozeleiras. Em casos de abusos, o policial seria punido e a decisão revista.

De acordo com Rodrigo Teixeira, a criação do Núcleo de Pacificação Social independe de regulamentação, porque a Lei 9.099, de setembro de 1995 – que criou os juizados especiais cíveis e criminais –, estabelece que as mediações dos conflitos podem ser feitas por juízes ou por leigos. “Essa iniciativa não depende de regulamentação, por isso

, podemos fazer a implantação em no máximo nove meses, instituindo a figura do delegado conciliador”, diz Teixeira. Ele explica, porém, que a figura do delegado de instrução vai exigir uma regulamentação formal e um consenso de todos os envolvidos no processo. “Se o delegado já tem o poder de arbitrar fiança ou manter uma prisão, por que não poderia determinar o uso de tornozeleiras e outras medidas cautelares?”, avalia Teixeira, ao defender que, desta forma, haverá mais agilidade na punição efetiva dos suspeitos.

CAMINHO INVERSO

Sob a mesma alegação de agilização e redução do total de presos provisórios, São Paulo escolheu caminho em sentido contrário. A partir de amanhã, todos os presos na capital terão que ser conduzidos dentro de 24 horas ao Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães, em Barra Funda, onde vai funcionar a Central de Mediação Penal. Para se ter ideia do volume de trabalho no novo centro, somente no segundo semestre de 2012 – último levantamento feito pela organização não governamental Sou da Paz –, 8.108 prisões foram feitas na capital paulista, média diária de 45. Para o secretário Bernardo Santana, a proposta é um grave risco para a solução da segurança pública, um risco para o Judiciário e um engessamento do sistema. “Em Minas, o governador não nos incumbiu de missões espalhafatosas e pirotécnicas, pouco efetivas na segurança pública”, disse.

A iniciativa paulista encontra sustentação no Projeto de Lei 554/2011 – de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), que cria a figura do juiz de instrução e praticamente suprime o inquérito policial –, em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). De acordo com o projeto de lei, todos os presos deveriam ser apresentados dentro do prazo de 24 horas ao juiz, que já realizaria uma audiência de custódia, com participação indispensável do Ministério Público e advogados e já poderia dar uma sentença. A ideia foi encampada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que lançou oficialmente o sistema na sexta-feira. A medida foi viabilizada por meio de um termo de cooperação assinado com o Ministério da Justiça, CNJ, MP, Defensoria Pública, OAB, entre outras entidades.

DIREITOS O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Ribeiro, alerta que a concentração de todos os presos em um único ponto vai exigir um grande esquema de segurança no local para evitar resgate, especialmente na cidade onde é berço da violenta facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que resiste nos presídios paulistas. Marcos Leôncio lembra ainda que o projeto de lei que altera o Código de Processo Penal pode se tornar inviável também em cidades sem juiz e Ministério Público ou defensores públicos, como ocorre hoje em inúmeras comarcas do país. “Dessa forma, estão transformando o Juizado de Instrução, num grande alvo sensível para o crime organizado”, diz o federal. Uma linha de raciocínio que tem o apoio quase unânime de outras carreiras jurídicas e também no Ministério Público (veja quadro abaixo).

Em nota técnica enviada ao Senado, em abril, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Márcio Fernando Elias Rosa, mostra preocupação com a segurança, mas alerta para outro complicador: o alto custo da implantação da medida. “São imensuráveis os custos decorrentes da implementação dessas medidas, a serem arcados quase que exclusivamente pelos governos estaduais”, diz. Para o procurador, o prazo de 24 horas apenas para a apresentação da pessoa presa é extremamente exíguo e pode inviabilizar a aplicação. De acordo com o delegado Marcos Leôncio, a Bahia já tentou implementar o juízo de instrução, mas não consegue realizar a audiência de custódia antes de 20 a 30 dias após a prisão.

Sem consenso

Posição das entidades em relação ao Juizado de Instrução adotado pelo governo de São Paulo

Pela rejeição
Associação dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil)
Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Associação Paulista de Magistrados (Apamagis)
Federação Nacional dos Delegados de Polícia (Fenadepol)
Ministério Público de São Paulo (MPSP)
Conselho Nacional dos Chefes de Polícia Civil (CONCPC)

Pela aprovação
Poder Judiciário do Rio de Janeiro (PJERJ, com emenda)
Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais (Condege)
Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep)
Fonte: Senado Federal

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O FRACASSO DE UM MODELO VIOLENTO E INEFICAZ DE POLÍCIA

COMENTÁRIO DO JORGE BENGOCHEA - Infelizmente, é de lamentar a miopia em alguns "especialistas em segurança pública". Eles não são capazes de definir a segurança pública como um direito para poder identificar de forma holística as mazelas de cada poder que impedem a garantia deste direito pelos Poderes normativo, administrativo e judicial. Nem são capazes de reconhecer que há uma guerra nas ruas envolvendo armas de guerra, negócios de drogas e carros roubados, matadores, justiceiros e a impunidade dos crimes facilitada por leis permissivas e justiça leniente e policiais sob gestão partidária, segregados, insuficiente, preparados a toque de caixa e mal remunerados. O "fracasso" não está no modelo "violento e ineficaz" da polícia, mas na gestão político-partidária  em questões de justiça criminal, nos políticos permissivos e nos magistrados lenientes que impedem a elaboração de leis duras contra o crime e o funcionamento de um sistema de justiça criminal no Brasil ágil e coativo.


FOLHA.COM 08/02/2015 02h50



FERNANDA MENA
ilustração EMMANUEL NASSAR




RESUMO Num quadro de violência social e falhas institucionais, as polícias brasileiras matam demais, ignoram direitos, prestam serviços deficientes e não têm a confiança dos cidadãos. A reportagem faz um diagnóstico da situação e expõe as propostas de reformas, que vão desde mudanças estruturais a melhorias localizadas.

*

Os meninos começaram a chorar mal foram trancados na caçamba do carro de polícia.

“A gente nem começou a bater em vocês e já tão chorando?”, gritou um policial para os adolescentes negros capturados como suspeitos de praticar furtos na região central do Rio. O camburão subia as curvas da floresta da Tijuca, na capital fluminense.

Para os garotos, aquele desvio de percurso, da delegacia para a mata, seria um passeio fúnebre, registrado por câmeras instaladas no veículo -determinação de lei estadual de 2009, criada para vigiar os vigilantes e fornecer provas tanto de ações policiais legítimas como das consideradas ilegais.

Em uma parada no morro do Sumaré, contudo, a gravação é interrompida. Dez minutos depois, câmeras religadas, as imagens mostram os oficiais sozinhos no carro, descendo as mesmas curvas.

“Menos dois”, diz um deles ao parceiro. “Se a gente fizer isso toda semana, dá pra ir diminuindo. A gente bate meta, né?”, completa.


Emmanuel Nassar






Dias depois, o corpo de Matheus Alves dos Santos, 14, foi encontrado no local graças a informações de M., 15, que levou dois tiros, mas sobreviveu porque conseguiu se fingir de morto mesmo ao ser chutado por um dos policiais.

Só em 2013, 2.212 pessoas foram mortas pelas polícias brasileiras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Isso quer dizer que ao menos seis foram mortas por dia, ou uma a cada 100 mil brasileiros ao longo do ano. No mesmo período, a polícia norte-americana matou 409 pessoas. Já as corporações do Reino Unido e do Japão não mataram ninguém.

O ano de 2014 promete elevar ainda mais o patamar dessa barbárie: mortes cometidas por policiais paulistanos subiram mais de 100% em relação ao ano anterior. No Rio, o aumento foi de 40%, na comparação com números de 2013.

No Brasil, como se sabe, não há pena de morte. O furto, infração não violenta que teriam cometido os meninos do Sumaré, tem como pena máxima oito anos de reclusão. Apenas juízes podem determinar as penas, após processo que contemple o direito de defesa.

O marco jurídico, porém, parece não coibir ações como a dos cabos Vinícius Lima e Fábio Magalhães: a naturalidade com que desaparecem com os dois adolescentes na mata deixa claro que o procedimento não era excepcional. A falta de pudor com que comentam a ação diante da câmera levanta outra hipótese perversa: a de que contavam com a impunidade.

“Não podemos dizer que esses sejam casos de desvio individual de policiais”, avalia Renato Sérgio de Lima -professor da FGV-SP, ele integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que produz o anuário estatístico. “Trata-se de um padrão institucional. É uma escolha encarar o crime como forma de enfrentamento.”

Para o coronel José Vicente da Silva, da reserva da Polícia Militar de São Paulo, o número de mortos por policiais não pode ser visto isoladamente. “É desonestidade intelectual dizer que a polícia brasileira mata cinco vezes mais que a dos EUA porque aqui temos seis vezes mais homicídios do que lá. E nossos policiais morrem mais que os de qualquer outro lugar do mundo”, protesta ele, citando dados: só no ano passado, diz, 1.500 PMs pediram demissão motivados pelos baixos salários e pelo constante risco de morte.

Nessa dinâmica, 490 policiais civis e militares foram mortos em serviço ou durante folgas em 2013.

Editoria de Arte/Folhapress





“Para outras sociedades é inadmissível que se mate um policial, porque quer dizer que ninguém respeita mais nada”, diz Alexandre de Moraes, secretário de Segurança Pública de São Paulo. “No Brasil, quem mata policial tatua um palhaço para mostrar para quem quiser ver que matou um tira ou um PM”, compara ele, favorável a alteração no Código Penal que aumente em 50% as penas para crimes contra autoridade pública.

Os números de ambos os lados se inscrevem num contexto aterrador: o Brasil é um campeão mundial de homicídios. Em 2013, 54.269 pessoas foram assassinadas no país. O número corresponde a um estádio do Itaquerão lotado, como no jogo de abertura da Copa do Mundo -só que de cadáveres. Trata-se de uma taxa de 26,9 mortes por 100 mil habitantes, quase seis vezes a dos EUA, de 4,7.

FORA DE CONTROLE


A Organização Mundial da Saúde considera epidêmica, ou fora de controle, a violência que faz mais de 10 vítimas por 100 mil habitantes. Em rankings elaborados pela OMS e pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa as primeiras posições em taxa de homicídios, ao lado de países como Honduras, Venezuela, Jamaica, El Salvador e África do Sul.

Somam-se aos números estatísticas que ilustram a relação negativa dos brasileiros com suas polícias: segundo o Índice Confiança da Justiça, realizado pela FGV em 2012, 70% da população do país não confia na instituição, e 63% se declaram insatisfeitos com a atuação da polícia.

O medo diante da polícia também é registrado em cifras: um terço da população teme sofrer violência policial, e índice semelhante receia ser vítima de extorsão pela polícia -os dados são da Pesquisa Nacional de Vitimização (Datafolha/Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Universidade Federal de Minas Gerais, 2013).

Especialistas em segurança pública dos mais diversos matizes ideológicos convergem em seus diagnósticos: salvaguardados alguns avanços pontuais e localizados, seja na diminuição de certos crimes, seja no aumento da coordenação e da transparência em um ou outro aspecto, a polícia mata demais, é ineficiente no atendimento à população e nas investigações, tem setores racistas e corruptos, além de outros que desprezam leis e regulamentos. Como se não bastasse, as corporações perdem tempo e desperdiçam recursos com rivalidades entre si.

“A polícia tem vícios e defeitos inegáveis”, afirma José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro. “Só que existe um reducionismo no conceito de segurança pública, que hoje é sinônimo de polícia, quando deveria englobar controle de fronteiras, Ministério Público, Tribunal de Justiça e sistema carcerário”, afirma.

“A situação que vivemos é resultado de uma série de políticas descontinuadas e de uma tradição brasileira de falta de diálogo entre as instituições. É cada um na sua. E tudo vira jogo de poder e vaidade.”

As polícias, de fato, não se encontram sós nesse quadro tenebroso, em cujo verso estão os baixos salários, o treinamento deficiente, a falta de equipamentos e o duro enfrentamento de criminosos cada vez mais organizados e armados, que não vacilam em atirar, na certeza de que, ao escaparem vivos de um cerco, dificilmente serão pegos por uma investigação.

O embrutecimento dessa polícia é também o da sociedade brasileira, um país em que se banalizaram o assassinato, o racismo, o desrespeito às leis e a corrupção. O que deveria causar assombro e repúdio virou folclore ou “coisa do Brasil”.

“Apesar de 26 anos de democracia, os brasileiros são capazes de se mobilizar mais pelos simpáticos cartunistas mortos em Paris [na sede do ‘Charlie Hebdo’] do que pelas centenas ou milhares de negros já mortos pelas polícias militares nas favelas e periferias”, diz o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Estado de Direitos Humanos do governo FHC e um dos coordenadores da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Uma situação bem diferente da de Nova York, onde milhares foram às ruas no final do ano passado para protestar contra a decisão da Justiça de não indiciar um policial responsável pela morte, na cidade, de Eric Garner, um negro.

O episódio do morro do Sumaré é emblemático porque, ainda que a ação tenha chocado parte dos telespectadores do “Fantástico”, que revelou o caso num domingo à noite, na segunda-feira a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro já havia sido inundada por e-mails de apoio à ação criminosa dos policiais.

DESCOMPASSO

Sem alarde, o Ministério da Justiça criou no fim do ano passado um grupo de especialistas para estudar as raízes e os remédios do morticínio brasileiro.

A discrição da iniciativa reitera o descompasso entre a ausência de um debate público, amplo e propositivo, e o fato de segurança pública ser a segunda maior preocupação dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha de 2014.

Isso sem falar nos custos sociais da violência, estimados em 5,4% do PIB (Produto Interno Bruto) ou R$ 258 bilhões em 2013, segundo cálculos de Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, registrados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A relevância do tema se reflete na produção cinematográfica brasileira do ano passado, quando ao menos oito produções colocaram a polícia como protagonista (não exatamente no papel de mocinho) ou pano de fundo de ações e debates. É o caso de documentários como “Sem Pena”, “À Queima-Roupa” e “Junho” e de ficções como “Branco Sai, Preto Fica”, vencedor do prêmio de melhor filme na última edição do Festival de Brasília.

“O Brasil está estático nessa área. Os partidos que pretendem representar as classes populares são incapazes de reconhecer a prioridade desse tema que, por outro lado, é absolutamente central no cotidiano das massas, para as quais essa é questão de vida ou morte, de chegar ou não vivo em casa”, avalia o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública (2003) do primeiro governo Lula.

Mobilizações de vítimas do crime comum ou daquele cometido pelas forças do Estado parecem se resumir a slogans como “queremos Justiça”, sem traduzir esse sentimento em propostas concretas. “É nessa fonte que bebem os demagogos e os oportunistas que advogam por penas mais duras e mais armas para as polícias. Isso é mais do mesmo e não rompe o ciclo vicioso”, avalia Soares.

O artigo 144 da Constituição de 1988 dispõe, genericamente, sobre as atribuições das instituições responsáveis por prover a segurança pública no país. A Carta herdou um sistema bipartido, com duas polícias, uma militar e outra judiciária ou civil, cada uma executando uma parte do trabalho. Um quarto de século depois, o artigo ainda aguarda regulamentação.

“Os constituintes, por temor ou convicção, não mudaram uma vírgula da estrutura da segurança pública herdada do regime militar”, explica Paulo Sérgio Pinheiro, que, durante o trabalho da CNV, contou 434 mortos e desaparecidos nas mãos de agentes da ditadura. “O resultado é que temos esse traste, e 15 projetos de reforma que nunca são tocados pelos congressistas.”

“Nos Estados Unidos, a coisa começou a mudar quando os governos passaram a perder processos e a pagar boas indenizações para vítimas de violência policial. Pegou no bolso”, conta Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.

Com esse arranjo institucional, a União tem pouca responsabilidade nos rumos da segurança pública, municípios se limitam a criar guardas civis, enquanto cabe aos Estados o desenho das políticas e o controle das polícias. Nesse contexto, entre os que pensam perspectivas para a segurança pública e para as polícias, emergiram duas correntes conflitantes.

REFORMAS

A primeira corrente prega reformas que envolvam mudanças de arquitetura do sistema legal e das instituições. Nesse vetor se inscrevem as propostas de desmilitarização e de unificação das polícias militar e civil em uma nova corporação, sem sobrenome.

A proposta mais completa nessa linha está na PEC 51, desenhada pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares e apresentada pelo deputado Lindbergh Farias (PT-RJ).


Emmanuel Nassar






Ela inclui o fim do vínculo e do espelhamento organizacional entre PM e Exército e cria o ciclo completo, quando uma só polícia faz o trabalho preventivo, ostensivo e investigativo. Cada Estado poderia eleger um modelo próprio, seja ele o de corporações divididas por território ou por tipos criminais. “Mudanças significativas não podem ser feitas sem reformas do modelo, que pedem alterações estruturais e constitucionais”, avalia Soares.

A bandeira da desmilitarização da polícia, proposta pela PEC, foi resgatada após junho de 2013, quando parte das manifestações foi reprimida com violência exacerbada pelas PMs de São Paulo, Rio e Minas, principalmente. O relatório da CNV trouxe também essa recomendação, que ficou em segundo plano, porém, em meio ao tímido debate gerado pelo trabalho final do grupo que investigou os crimes da ditadura militar.

Há variações no entendimento sobre o que é desmilitarizar as polícias, mas todas compreendem a mudança do regime disciplinar, que permite prisão administrativa para questões ligadas à hierarquia, à vestimenta e à administração, além da extinção das instâncias estaduais da Justiça Militar, que julga policiais em crimes graves, como o homicídio de um PM por outro. A Justiça Militar Federal seria mantida como tribunal voltado a membros das Forças Armadas.

Segundo a pesquisa Opinião dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Modernização das Polícias, da FGV, quase 64% dos policiais defendem o fim da Justiça Militar, 74% apoiam a desvinculação do Exército e quase 94% querem a modernização dos regimentos e códigos disciplinares. Essas vozes interessadas, porém, parecem sub-representadas no debate.

“A desmilitarização é importante, mas não é uma panaceia e ainda depende de pressão popular, porque o Congresso funciona por inércia e tem muita representação de setores que são contrários a isso”, diz o sociólogo Ignácio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

O surgimento da “bancada da bala”, formada por parlamentares que pregam medidas como redução da maioridade penal, recrudescimento das penas e até pena de morte, promete barrar o andamento de mudanças estruturais.

Outra proposta dessa linha, baseada na crença de que cada território tem necessidades muito específicas que só um administrador local conhece, é a municipalização das polícias. Seus opositores argumentam que, por questões orçamentárias, esse tipo de reforma aumentaria muito a desigualdade no serviço policial além de dificultar sua coordenação. Afirmam também que o município já tem papel fundamental na segurança pública ao cuidar da iluminação, das calçadas e da coleta de lixo.

Mas há, ainda, outros caminhos. “Na Colômbia, por exemplo, há um modelo em que a polícia é nacional, mas as prefeituras podem investir nela e influenciar seu trabalho sem que a corporação seja municipal”, informa Cano.

CHOQUES

A segunda corrente de pensamento sobre segurança pública e polícia é a das reformas gerenciais, que se propõem a incrementar a eficiência dos processos valendo-se de choques de gestão. Nessa linha entram o aumento de recursos e de pessoal, a valorização das carreiras, a melhoria da formação, a maior participação da sociedade civil nas políticas de segurança pública e a integração do trabalho das duas polícias.

Na opinião de Leandro Piquet Carneiro, do Núcleo de Pesquisas de Políticas Públicas da USP, “dá-se muita ênfase a reformas estruturais quando existem aspectos de microgerenciamento que podem ser implantados com mais rapidez”. “São medidas de alteração de procedimentos e regras e de cobrança de resultados feitas dentro do marco institucional atual.”

Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, prega o envolvimento da população por meio de conselhos -mecanismo que funciona com muito efeito em metrópoles como Nova York.


Emmanuel Nassar






“É preciso ampliar o debate e envolver a sociedade civil, seja com audiências públicas ou no âmbito dos Conseg [Conselhos Comunitários de Segurança], que já vêm se reunindo em cada bairro de São Paulo para discutir soluções para problemas locais, algo incentivado pela gestão passada da Segurança Pública do Estado”, avalia.

Ainda nessa chave, estão medidas como a que chegou a tirar das ruas de São Paulo policiais que cometiam a terceira morte em serviço, supostamente em legítima defesa ou de um terceiro -além da formação continuada e da melhoria dos sistemas de controle interno, via corregedorias, e externo, por meio das ouvidorias de polícia.

Na qualidade de ex-ouvidora do Rio, a socióloga Julita Lemgruber defende que as ouvidorias tenham poder de investigação. “Sem isso, recebem as denúncias, mas ficam amarradas”, argumenta.

Há ainda experiências de georreferenciamento, em que estatísticas sobre ocorrências, com o local de cada uma delas, permitem um planejamento mais racional das equipes de investigação e patrulha, otimizando recursos.

Entre esses extremos, no entanto, há uma terceira via. “Essas propostas não são excludentes. É possível avançar em reformas normativas que garantam a continuidade de determinadas políticas e implementar reformas gerenciais para dar mais eficiência às polícias”, avalia Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Comum às duas pontas do debate é o imperativo de que as polícias trabalhem juntas, seja unificando-as em uma nova corporação, seja com processos graduais de integração -medida com o qual 75% dos policiais civis e militares concordam, segundo a pesquisa realizada pela FGV.

“Ter duas polícias é um acidente histórico. Desenvolvemos essa duplicidade institucional, criando ineficiência. Uma só polícia seria mais racional e econômica em pelo menos 20%”, estima o coronel José Vicente da Silva. Com 52 anos de serviço, ele viveu em 1970 a fusão, imposta pela ditadura, da Força Pública, então com 25.000 homens, com a Guarda Civil, que tinha 9.000 membros -daí nasceu a atual PM. “Houve mal-estar, houve dúvida sobre quem iria mandar, se o inspetor ou o coronel, mas tudo foi, aos poucos, se acomodando.”

Os exemplos de ineficiência na divisão do trabalho policial são cristalinos. Enquanto a Polícia Militar atua na prevenção e no patrulhamento, a Polícia Civil ou Judiciária investiga, tudo com troca de informações mínima. A simples criação de bancos de dados conjuntos revelou-se uma epopeia.

“As polícias se detestam no Brasil inteiro, então a coisa não funciona”, avalia o especialista em segurança pública Guaracy Mingardi. A PM é a primeira a chegar ao local do crime e é quem o resguarda para a Polícia Civil e a perícia. “Mas, quando elas chegam, não conversam com a PM porque acham que não tem nada a ver. Então muito PM não preserva direito o local dos crimes, já que é uma atividade desvalorizada”, explica ele, que trabalhou por dois anos na Polícia Civil em São Paulo, coletando dados para seu mestrado.

FORMAÇÃO
Em 2010, foi inaugurada a Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará. Celebrada como uma experiência exitosa, ela aposta na integração entre policiais civis e militares logo na formação, para que aprendam desde os primeiros treinamentos a trabalhar juntos.

Para José Mariano Beltrame, “quando não há entendimento entre as polícias, há temor, e cada uma se fecha do seu lado”. A solução não virá de uma “canetada”.

“Tem de mudar a cultura, e isso se obtém mudando práticas”, diz o secretário da Segurança Pública do Rio, que vê na valorização salarial um fator fundamental para aperfeiçoar o serviço prestado pelas polícias. “Enquanto a diferença salarial entre polícia e Judiciário for oceânica, como é hoje, o resultado do trabalho deixará a desejar. Você tem de levantar essa polícia, pagar bem, dar condições, e ela entregará um resultado melhor.”

Nas polícias da maioria dos Estados verificam-se diferenças salariais entre as carreiras, o que alimenta ainda mais as rivalidades. Pior: cada corporação é fraturada internamente. As carreiras civil e militar têm duas entradas, numa espécie de sistema de castas, em que status e salários são diferentes entre si e entre os Estados.

Na Polícia Militar, ingressa-se como soldado ou tenente. Mas o soldado nunca chegará a ser tenente por progressão ou mérito. Enquanto um soldado gaúcho pode ganhar apenas R$ 1.375,71, o salário de um coronel, topo da carreira iniciada como tenente, pode ser de até R$ 21.531,36 no Paraná.

Na Polícia Civil, o concurso é para investigador ou delegado, e o melhor investigador do país jamais se tornará um delegado, a não ser que preste novo concurso, para o qual é necessário ser bacharel em direito. O soldo de investigador varia de R$ 1.863,51 no Rio Grande do Sul, a R$ 7.514,33 no Distrito Federal. Já um delegado pode ganhar R$ 8.252, 59 em São Paulo, o salário mais baixo da categoria no país, ou R$ 22.339,75 no Amazonas.

“Isso faz da polícia um lugar em que não se entra pensando em construir carreira”, opina Mingardi, para quem a corporação atrai ou gente pouco qualificada ou “concurseiros profissionais” à espera de oportunidade melhor.

A Polícia Federal, que hoje tem plano de carreira e salário inicial de mais de R$ 7.500, exige como pré-requisito o diploma de ensino superior e coleciona em seus quadros médicos, contabilistas, engenheiros e advogados.

“Se as carreiras das polícias civil e militar são, na maior parte dos casos, desprestigiadas, como é que você mantém um sujeito lá ganhando pouco?”, pergunta ele, que responde: “Simples: você permite o bico e cria uma escala de trabalho que acomode atividade extra”. Essa é uma das explicações para escalas como as de 12 horas de trabalho para 24 ou 36 de folga.


Emmanuel Nassar






São agentes de segurança pública atuando no setor de segurança privada -serviço que só faz sentido onde as polícias falham. O conflito de interesses é evidente.

“Trata-se de um ‘gato’ orçamentário, um acordo entre o Estado e a ilegalidade. O Estado faz vista grossa para manter a estabilidade de um orçamento que é irreal”, avalia Luiz Eduardo Soares. “Há, dessa forma, uma autorização tácita para a criação de agências de segurança privada que estão na base das milícias.”

Segundo a pesquisa da FGV, 95% dos policiais afirmam que a falta de integração entre as diferentes polícias torna seu trabalho menos eficiente, 99,1% avaliam que os baixos salários são causa deste problema e 93,6% apontam a corrupção como causa do mau serviço prestado à sociedade. Outro problema quase unânime nas corporações, segundo a avaliação dos próprios policiais, é a formação deficiente (98,2%).

PACTO

Em 2007, Pernambuco criou um programa de redução de homicídios que previa metas, premiações e trabalho conjunto das várias instâncias da segurança pública. No Pacto pela Vida, elaborado pelo sociólogo José Luiz Ratton, o então governador Eduardo Campos (1965-2014) passou a coordenar pessoalmente reuniões entre as duas corporações, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Tribunal de Justiça e secretarias de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, entre outras, no combate aos homicídios que sangravam o Estado -então um dos campeões em mortes violentas do Nordeste.

“É impossível pensar no desenvolvimento do país com taxas de homicídio como as que temos. É uma tragédia que, para ser combatida, precisa de um esforço interinstitucional. É preciso ter uma visão sistêmica da violência no Brasil e articular áreas de desenvolvimento social com polícia e Justiça”, diz o mineiro Ratton, que é professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.

Desde o pacto, as mortes por agressão no Estado caíram 39%, e o índice de elucidação dos crimes contra a vida subiu para mais de 60% -a média brasileira é de míseros 8%. No Reino Unido, 90% dos homicídios são esclarecidos. Na França, 80%. Nos EUA, 65%.

O índice brasileiro é quase todo fruto de prisões em flagrante, e não de investigações -cujo resultado pífio é produto não só do caldo de rivalidades, corrupção e má formação das polícias mas também de uma fraca participação do Ministério Público. O MP falha tanto na função de controle externo da atividade policial como na cobrança por diligências específicas. Na prática, pouco tem feito para cobrar ação da polícia, limitando-se a concordar com a extensão dos prazos regulamentares sem exigir qualidade na investigação.

“Não sei o que aconteceu com a promotoria criminal”, comenta Alexandre de Moraes, secretário da Segurança paulista, que trabalhou no Ministério Público. “Parece que a área perdeu o charme. Vemos a promotoria do meio ambiente, por exemplo, fazendo ótimo trabalho, mas não a criminal.”

Trata-se de um sistema que, além de pouco eficiente, favorece a famigerada lentidão da Justiça brasileira. Pesquisa recém-divulgada pelo Ministério da Justiça, que monitorou o tempo de trâmite de casos de homicídio doloso em cinco capitais brasileiras, não deixa dúvidas: a fase de inquérito policial, que leva ao menos 30 dias, chega a 700 dias em Belo Horizonte, onde a duração de um processo de assassinato intencional, da descoberta do crime à sentença, é de mais de nove anos.

TRABALHO DOBRADO

Uma parte dessa lentidão se deve ao fato de o delegado de polícia funcionar como espécie de juiz de instrução ou de primeiríssima instância. Isso quer dizer que todos os procedimentos feitos na delegacia durante a investigação, como o depoimento de vítimas e testemunhas, são repetidos no Judiciário, fase do processo em que a defesa pode se manifestar.

“O delegado brasileiro é uma figura ‘sui generis’ porque é um operador de direito dentro da polícia e, como seus atos são feitos fora da estrutura do Judiciário, tudo tem de ser repetido quando o caso chega à Justiça”, explica o delegado Orlando Zaccone. Trabalho dobrado demora, claro, o dobro do tempo, o que ajuda a girar a máquina da impunidade, por um lado, e a punição desproporcional dos desprivilegiados, por outro.

Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP monitorou casos de prisão em flagrante feitas com base na Lei de Drogas, que determina reclusão para traficante e prestação de serviços para usuários. Dois casos acompanhados pelo estudo ilustram bem essa lógica.

Um homem de 30 anos, desempregado, primeiro grau completo, com uma passagem por roubo e sem residência fixa foi preso em flagrante por dois PMs com 8,5 gramas de maconha e R$ 20. Na delegacia, apesar da pequena quantidade de droga, ele foi enquadrado como traficante. Aguardou seis meses para ser ouvido por um juiz, respondeu ao processo preso e foi condenado a cinco anos e dez meses em regime fechado.

Dois jovens de 19 e 25 anos, universitários, moradores dos bairros de Perdizes e Lapa, zona oeste de São Paulo, sem antecedentes criminais foram presos em flagrante por dois PMs com 475,2 gramas de maconha, mais porções separadas que somavam 25,8 gramas e uma balança de precisão. Na delegacia, foram enquadrados como traficantes. Seus advogados obtiveram sua liberdade provisória um dia após o flagrante, sob o argumento de que a droga era para uso pessoal. Eles respondem ao processo em liberdade e, passados nove meses do flagrante, a sentença ainda não havia sido proferida.

Segundo estudo do Instituto Sou da Paz, 37% dos detentos de São Paulo são presos provisórios que aguardam julgamento. Desses, apenas 3% foram presos após alguma investigação. A maior parte das prisões foi feita por abordagem, que se baseia no discernimento do policial para eleger quem é ou não parado e revistado.

“A falência da investigação é endêmica. Como as polícias são sobrecarregadas, são seletivas, e essa seletividade abre espaço para critérios discricionários e para a corrupção”, explica Ignácio Cano. “Além disso, a polícia ostensiva sempre recebeu preferência em relação à polícia de investigação. As PMs têm um contingente sempre maior que o da Polícia Civil.”

Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, a prevalência do flagrante sobre a investigação gera uma distorção. Ele explica que “os crimes passíveis de flagrante são aqueles que acontecem nas ruas, portanto, sob um filtro social, territorial e racial”.

Abordagens policiais em São Paulo resultam, segundo estudo, na prisão preferencial de jovens (62,9% têm de 18 a 25 anos) e, apesar de ocorrerem em sua maioria em locais públicos e durante o dia, 76,6% têm como únicas testemunhas policiais militares.

A polícia de São Paulo fez 15 milhões de abordagens em 2013 (mais de um terço da população do Estado, estimada em 44 milhões em 2014). Segundo a pesquisadora Tânia Pinc, major da PM paulista, que já comandou a Força Tática, “em Nova York, a polícia aborda 2,3% da população da cidade ao ano”.

Para ela, as abordagens são uma prática rotineira banalizada. Basta ver seu resultado: enquanto os policiais do Estado de São Paulo fazem 100 abordagens para cada prisão, a polícia de Nova York faz 12. “Abordagem conta como indicador de desempenho policial, e tanto a polícia como o governo usam esses números para dizer que estão trabalhando.”

Premiar desempenho é o tipo de política que tem de ser feita com cautela e critérios bem pensados. O maior absurdo nessa área foi apelidado de “gratificação faroeste”. Criada em 1995 no Rio de Janeiro, premiava policiais por “atos de bravura”, o que incluía envolvimento em casos nos quais a ação policial terminava com o corpo do suspeito no chão. A partir do prêmio, o número de óbitos pelas polícias fluminenses, em casos registrados como resistência à prisão seguida de morte, aumentou até atingir, em 2007, o pico de 1.330 mortos. Desde então, esse número vem caindo, apesar de ter subido, simultaneamente, o registro de homicídios a esclarecer no Estado.

A maior parte dos casos de mortes envolvendo policiais é arquivada ao chegar ao Ministério Público, que muitas vezes acata procedimentos de exceção como quebra de sigilo e invasão de domicílio. Hoje, 98% das prisões realizadas em residências são feitas sem mandado judicial -expedido apenas quando uma investigação comprova que a prisão é necessária. Invade-se a casa sem autorização, o que é ilegal, não raro com base em denúncias anônimas.

O caso das mortes, no entanto, segue como o mais grave. Em uma pesquisa na qual avaliou 300 processos de óbito por intervenção policial, o delegado Orlando Zaccone identificou que 99% dos autos que chegavam ao MP foram arquivados em menos de três anos.

“O Judiciário tem de ser mais rigoroso com essas mortes, porque hoje participa delas”, diz. Segundo ele, a condição de vida de quem morreu, o local onde se deram os fatos ou a existência ou não de antecedentes criminais já são suficientes para que o Ministério Público identifique a morte como legítima e arquive o caso.

“Como vamos reformar as polícias se a ideia de que o criminoso é matável não é só dela, mas do promotor, do jornalista e da sociedade como um todo?”, avalia ele. “Policial bom, no Brasil, é aquele treinado como guerreiro. Nossos ídolos são os operadores da guerra.”

Não é coincidência, portanto, que o segundo deputado estadual mais votado em São Paulo, coronel Telhada (PSDB), seja aquele que, ao ser entrevistado pelo correspondente do jornal “The New York Times”, sorri para dizer que matou 30 “bandidos” ao longo de sua carreira na Polícia Militar.

De acordo com pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2009, 44% dos brasileiros concorda com a máxima que diz que “bandido bom é bandido morto”.

GUERRA E PAZ

O quartel-general da Polícia Militar do Rio de Janeiro é uma construção fortificada de 1740, no centro da cidade. A sisudez das escadas de madeira escura, das bandeiras e dos brasões destoa dos objetos escolhidos para a decoração de uma sala em particular.

Naquelas paredes, um quadro vermelho com a imagem de Lênin faz par com uma imagem de Nossa Senhora das Dores. Sobre a mesa larga, um pequeno porta-retratos com a foto de Nelson Mandela e a citação “Aprendi que coragem não é ausência de medo, mas o triunfo sobre ele” divide espaço com pilhas de livros, entre os quais “A República”, de Platão, “Guerra e Paz”, de Tolstói, e outros de Nietzsche, Fernando Pessoa e Simone Weil.

Sentado atrás dos livros e diante das fotos dos 48 oficiais que o antecederam no posto de chefe de gabinete, o coronel Íbis Pereira da Silva se vangloria de duas ações ocorridas quando esteve no comando da PM do Rio, em dezembro do ano passado. “Fizemos duas desocupações de prédios para reintegração de posse sem usar uma bomba de efeito moral nem disparar uma bala de borracha sequer. Tenho o maior orgulho disso”, gaba-se.

Para ele, uma das tragédias do modelo atual de segurança pública é que, nele, “a polícia tem de prender, e não proteger as pessoas -e a polícia que não promove nem protege direitos, sejam eles das vítimas ou dos criminosos, é uma ameaça à cidadania e à democracia”.

O coronel Íbis integra a primeira geração de policiais treinados no apagar das luzes do regime militar que chega aos comandos da corporação. Quando ingressou na Academia de Polícia, em 1982, estava sendo descontinuado o manual de segurança interna e defesa territorial cuja capa estampava a imagem de um vietcongue, comunista vietnamita, sentado sobre um mundo que sangrava. Sua primeira aula foi de direitos humanos.

“Mas houve uma coincidência terrível e desastrosa. No momento em que saíamos da ditadura e da visão ideológica de guerra contra os comunistas, o presidente [norte-americano] Ronald Reagan declarou a guerra às drogas”, conjectura Íbis. “Então, o sistema de segurança que vinha operando contra um inimigo apenas mudou sua figura, mas a máquina continuou a rodar com as mesmas violações de direitos e a mesma lógica de combate”, avalia o coronel.

Para ele, a dinâmica da guerra altera os marcos morais e a noção de certo e errado. “Quem acha que está em combate, como é o caso das nossas polícias, é capaz de cometer atos brutais e ofensivos porque acredita que é aquilo que se espera dele. Isso acontece comigo, com você, com um monge”, diz.

A peculiaridade do trabalho policial, que pede resoluções imediatas para situações complexas e imprevisíveis, contribui para desvios de conduta e uso excessivo de armas de fogo, pondo tanto policial como suspeito em perigo.

Quando começou a pesquisar abordagem policial, a major Pinc identificou problemas no treinamento. Havia protocolos e métodos, mas não eram seguidos. Propôs, então, um supertreinamento para uma equipe e comparou seu trabalho com o de outra. “Descobri que a premissa de que treinamento resolve está furada”, revela.

Ela classificou os oficiais em diferentes padrões, quanto ao quesito letalidade. Vão do primeiro, que só age dentro da legalidade, ao quarto, o de policiais que matam intencionalmente. “São pessoas doentes, transformadas, que, se não têm oportunidade para matar, criam. Esses têm que sair”, diz.

No meio estão os que devem ser objeto de programas que combinem treinamento com estratégias de supervisão, monitoramento por câmeras e premiação de boas práticas. O segundo é o tipo despreparado, que mata para se defender, mas não assume que atirou no susto. O terceiro é aquele que atira por sucumbir à pressão. “Ele tem controle da situação, mas sabe que, se não atirar, vai chegar no quartel e um colega vai dizer: ‘Pô, você teve a chance e não matou, por quê?'”, diz a major, que entrevistou centenas policiais. “Se esse tipo de ideia existe na sociedade, é claro que existe na polícia também.”

“As polícias matam porque trabalham em locais violentos; porque há nas corporações uma doutrina do combate, e combate se faz atirando; porque não há fiscalização eficiente de suas atividades; e, sejamos sinceros, porque, na sociedade brasileira, isso responde a uma demanda social”, avalia Ignácio Cano, da Uerj. “A polícia é violenta desde a sua formação.”

“Ainda que consideravelmente melhorada, a polícia não goza de grande prestígio junto à população, sem dúvida por causa da lembrança de antigos abusos. É aliás difícil conseguir que os policiais façam uma distinção perfeita entre a razão e o erro, e sobretudo lhes fazem falta o tato e a amenidade no trato.” O diagnóstico foi registrado em 1912 pelo viajante francês Paul Walle.

Mais de cem anos depois, ele permanece atual.

FERNANDA MENA, 37, é repórter especial da Folha. 
EMMANUEL NASSAR, 66, é artista plástico