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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

EXECUÇÃO SEM EXECUTOR


ZERO HORA 24/02/2015 | 05h02

Um ano depois, ninguém foi responsabilizado pela morte de Kunzler. Nenhum dos nove indiciados pela Polícia Civil foi condenado pelo assassinato de Lair José Kunzler, após roubo na frente de casa, em Porto Alegre

por José Luís Costa



Publicitário foi morto no dia 24 de fevereiro de 2014, na Zona Sul da Capital Foto: Dulce Helfer / Agencia RBS


O mais intrigante dos 119 latrocínios (roubo com morte) registrados no Estado no ano passado completa nesta terça-feira um ano com possibilidades de entrar para a galeria dos crimes insolúveis.

Desde 24 de fevereiro de 2014, quando o publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, foi morto por bandidos para roubar um malote de dinheiro, se imaginava que o caso se resolveria logo.


Era uma execução na porta de um condomínio de luxo, na Capital, com grande repercussão. Quase toda a perseguição à vítima foi gravada por câmeras de vigilância. Mas, em meio a uma investigação controversa, aliada a provas técnicas pouco convincentes, a tecnologia não ajudou a esclarecer o caso.


Dois suspeitos foram presos pela Polícia Civil. Contudo, sem pistas suficientes para incriminá-los. O primeiro foi pego porque havia digitais dele no carro de Kunzler. Mas se tratava do manobrista do estacionamento onde a vítima deixava o veículo.

O segundo, Jaerson Martins de Oliveira, 42 anos, condenado anteriormente pelo mesmo tipo de crime, teria sido visto fugindo logo após o assalto. A testemunha, no entanto, jamais aceitou se identificar, ficou sem credibilidade, e a justiça mandou soltar Jaerson.

Imagens do banco onde Kunzler sacou o dinheiro e de trechos da perseguição até a portaria do condomínio onde ele morreu não conseguiram identificar os criminosos. O atirador, magro e com tatuagem na perna, esteve sempre com capacete. Jaerson, apontado como matador de Kunzler, é gordo e sem tatuagem. Na casa dele, a polícia apreendeu um par de tênis semelhante ao usado pelo criminoso, e, com outro suspeito, um capacete com desenhos iguais ao que aparece na cena. Mas tentativas de melhoria das imagens foram em vão.

Outro vídeo contribuiu para embaralhar o caso. Mostrou Jaerson trabalhando em uma loja, supostamente na hora do crime, mas perícias não provaram a autenticidade.

Condenação apenas por veículo usado no assalto

A polícia chegou a Ronaldo Cirne Coelho, nome que aparecia como dono de um Scenic que seguiu Kunzler. Ele garantiu que tinha vendido o carro antes do crime. Com antecedentes por tráfico e homicídio, Coelho teve o celular grampeado e foi flagrado combinando assaltos em saída de banco. Acabou indiciado com Jaerson e outras sete pessoas.

O Ministério Público denunciou apenas Jaerson e Coelho. Em setembro, Jaerson foi inocentado, e Coelho, condenado a quatro anos e três meses de prisão por associação criminosa — porque o veículo em nome dele foi usado no assalto. Pela morte de Kunzler ninguém foi punido. Talvez nunca seja.


ENTENDA O CASO

O CRIME


— Por volta das 12h de 24 de fevereiro de 2014, o publicitário Lairson José Kunzler, 68 anos, saca R$ 44,2 mil em uma agência do banco Itaú, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Um homem dentro do banco observa Kunzler. Ao sair, ele dirige um Civic e é seguido por bandidos em um Scenic e uma motocicleta.

— No portão do Condomínio Jardim do Sol, onde morava, Kunzler é abordado pelo caroneiro da moto, armado e usando capacete. O publicitário reage e é morto a tiros. O bandido pega o malote com o dinheiro e foge na moto com o comparsa. Parte da perseguição e o crime são gravados por câmeras de segurança.



A INVESTIGAÇÃO

— Um manobrista do estacionamento perto do banco chegou a ser preso porque havia digitais dele no carro de Kunzler, mas a polícia admitiu erro e soltou o homem.

— Em 13 de março, é preso Jaerson Martins de Oliveira, apenado do semiaberto por latrocínio. Um homem disse à polícia ter reconhecido Jaerson, mas se negou a depor.

— Jaerson alegou estar no trabalho na hora do crime e enviou à polícia CD com imagens dele no serviço. Quinze dias depois, a Justiça mandou soltá-lo por falta de provas.



— Escutas revelam que Ronaldo Cirne Coelho combinaria assaltos em saídas de bancos. Ele era dono do Scenic que seguiu Kunzler. Em 9 de maio, a 6ª DP indicia nove pessoas.


O PROCESSO


— Uma semana depois, o Ministério Público denunciou apenas Jaerson e Coelho, mas depois pediu absolvição de Jaerson por falta de provas — ele foi absolvido em 10 de setembro. Coelho foi condenado por associação criminosa. Pela morte de Kunzler, ninguém foi responsabilizado.

— A defesa de Coelho recorreu ao TJ, pedindo absolvição. O MP também, pedindo condenação pelo latrocínio. De outros processos por tráfico e porte ilegal de arma, Coelho cumpre pena na Penintenciária Modulada de Charqueadas.


O que diz a delegada da Polícia Civil, Áurea Regina Hoeppel - Indiciamos nove pessoas, com certeza da participação de todos. O inquérito tem 800 páginas e é brilhante, contendo provas sobre um grupo que atua até hoje em saídas de banco na Capiral e em Eldorado do Sul. Se não foram suficientes para condenação, não cabe a mim questionar.

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