Vladimir Passos de Freitas é colunista da revista Consultor Jurídico, desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi presidente, e professor doutor de Direito Ambiental da PUC-PR. Revista Consultor Jurídico, 19 de junho de 2011
A classe jurídica brasileira não reconhece a importância dos agentes da Segurança Pública. Os cursos de graduação em Direito ignoram o tema. Dissertações de mestrado e teses de doutorado são raríssimas. Congressos jurídicos não costumam convidar policiais para proferir palestras.
Apesar disto, a segurança é a principal preocupação dos brasileiros. Não será demais lembrar que “segundo estatísticas divulgadas recentemente, no Relatório Global sobre Assentamentos Humanos, do Programa das Nações Unidas (ONU) para Assentamentos Urbanos, 70% dos brasileiros se sentem inseguros”.[1] Portanto, há um descompasso entre o anseio por segurança, a relevância do tema e o reconhecimento que o Brasil dá ao assunto.
A Polícia Militar está entre os órgãos encarregados da Segurança Pública no Brasil. Figura expressamente nas Constituições Estaduais e também na Constituição Federal, cujo artigo 144 dispõe:
§ 5º — às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Segundo consta, o primeiro corpo policial assemelhado à atual PM teria sido criado pelo governador Dom Antonio de Noronha, e foi “no dia 9 de junho de 1775, o Regimento Regular de Cavalaria de Minas, em cujas fileiras foram alistados somente mineiros, que receberiam seus vencimentos dos cofres da Capitania”.[2]
Mas, para Fátima Pessoa, “a corporação mais antiga é a do Rio de Janeiro, a ‘Guarda Real de Polícia’criada em 13 de maio de 1809 por Dom João 6º, Rei de Portugal”.[3] A Bahia recebeu de D. Pedro I, em 1825, o seu “Corpo de Polícia”.
Em 1831, segundo relata Edilberto Neto, por iniciativa do Regente, Padre Feijó, “...foi criado o Corpo de Guardas do Rio de Janeiro, através de um decreto regencial, que também permitia que as outras províncias brasileiras criassem suas guardas, ou seja, as suas próprias polícias. E a partir de 1831, vários estados aderiram a ideia e foram montando suas próprias polícias”.[4]
E assim foi. Santa Catarina criou a sua “Força Policial” em 1835 e Goiás a “Força Policial de Goyas” em 1858. No entanto, a elas não se refere o Código de Processo Criminal do Império de 1932, no qual um juiz de Direito era o chefe de Polícia e Inspetores de Quarteirão as pessoas dedicadas à prisão dos criminosos (arts. 6º e 18).
Desenvolveram-se as PMs dos estados com nomes específicos, tendo ao lado grupamentos civis aos quais se dava o nome, regra geral, de “Guarda Civil”. Esta foi “concebida como as corporações policiais de estatuto civil da Europa, principalmente da Inglaterra, exercia todas as modalidades de policiamento, como o pedestre, o motorizado, a cavalo, de motocicleta etc. Atuava no trânsito, contava com uma força de controle de distúrbios (ou "choque") e a partir da década de 40 passou a operar o serviço de rádio-patrulha”.[5] No Paraná, ela foi criada no ano de 1911 e seus membros usavam elegantes uniformes azul marinho.
A PM tinha nomes diversos, como Força Pública em São Paulo. Existiam ainda outros grupamentos policiais, como a Polícia Marítima, a Polícia Florestal, prevista desde o Código Florestal de 1934 e a Polícia Rodoviária.
Durante o regime militar, todavia, colocou-se fim à autonomia estadual de disciplinar seus grupamentos policiais. Foram todos uniformizados, inclusive no nome, através do Decreto 667/69 e transformados em forças auxiliares, reserva do Exército. A única corporação que manteve o nome de origem foi a Brigada Militar do estado do Rio Grande do Sul.
A partir desta alteração legislativa, as PMs passaram a adquirir mais poder, em que pese a perda de autonomia à época do regime de exceção. Atualmente constituem um importante contingente da Segurança Pública nacional. Seu perfil alterou-se com o passar dos anos. Criaram-se unidades especializadas, algumas com grande sucesso, como a Polícia Ambiental, existente em nove estados.
Os soldos (salários) variam conforme a unidade da Federação. O DF é que melhor paga, certamente porque recebe subsídios da União. Em SP, o inicial varia conforme o local de trabalho, ficando entre R$ 1.613,12 e R$ 1.798,72. A busca do serviço público valorizou os concursos da PM. Atualmente a procura é maior e os cargos oferecidos não são apenas os de soldado ou oficial, mas também outros tantos, como os de natureza administrativa (v.g., psicólogos) ou até mesmo Capelões.[6]
Os candidatos a oficiais submetem-se a um curso de formação na Academia de Polícia, início obrigatório para o oficialato. No último concurso para oficiais da Bahia o aprovado no teste seletivo receberia uma bolsa de R$ 3.450,00 para o custeio na fase de estudos. No Mato Grosso do Sul, R$ 3.925,18.
Atualmente a maioria absoluta dos oficiais da PM é de bacharéis em Direito e muitos aprimoram-se nos estudos, inclusive através de mestrados e doutorados voltados para a área da Segurança Pública.
A PM não tem funções de Polícia Judiciária, já que sua missão constitucional é a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública. Não lhe cabe, portanto, realizar perícias, investigações ou lavrar autos de prisão em flagrante. Nada impede, contudo, que, tomando conhecimento de um crime de menor potencial ofensivo, encaminhem o Termo Circunstanciado ao juízo competente. Este não é um ato de Polícia Judiciária, mas de simples atividade administrativa, mero comunicado sem maiores consequências.
Sabidamente, vez por outra ocorrem conflitos entre a PM e a Polícia Civil. A rivalidade não é privilégio da Polícia, existe também no Ministério Público e no Poder Judiciário (Federal x Estadual). No entanto, na atividade policial ela se agrava em razão da proximidade das funções exercidas. Estuda-se, sem qualquer avanço significativo, a união destas polícias. As dificuldades são de toda ordem e ainda não surgiu um governador capaz de aproximá-las. Enquanto isto não acontece, espera-se que as lideranças de ambas tenham a necessária habilidade para contornar ou minimizar possíveis desavenças.
Em suma, este, em breve panorama, é o perfil da PM brasileira que, como as outras, precisa ser valorizada sob todos os aspectos, não apenas vencimentos condignos, mas também uma estrutura de trabalho condizente com a sua importância.
[1] http://itodas.uol.com.br/carreira/70-dos-brasileiros-tem-medo-da-violencia-atual-no-pais-6978.html
[2] https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portal-pm/conteudo.action?conteudo=18&tipoConteudo=itemMenu
[3] Fátima de Souza, “Como funciona a Polícia Militar”, http://pessoas.hsw.uol.com.br/policia-militar1.htm.
[4] Edilberto “Neto”, http://my.opera.com/edilbertoneto/blog/2009/03/03/a-historia-da-policia-militar.
[5] http://pt-br.policia.wikia.com/wiki/Guardas_Civis_das_Pol%C3%ADcias_Civis
[6] http://www.vestcon.com.br/concurso/pm-pa-policia-militar-estado-para-oficiais-complementares-capelaes-saude-nivel-medio-2010.aspx
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
domingo, 7 de agosto de 2011
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