ESTUPRO NO VALE DO SINOS. Investigação colocada em xeque. Governo federal afirma que jovem suspeito de crimes hediondos estava sob proteção na data em que mulher foi agredida - FRANCISCO AMORIM E JOSÉ LUÍS COSTA - ZERO HORA 10/08/2011
A conclusão da Polícia Civil gaúcha de que Jacson Nauta de Quadros, o Jundiá, 19 anos, teria sido o autor do sequestro e do estupro de uma mulher na semana passada, em Novo Hamburgo, gerou mal-estar entre os governo federal e estadual. Segundo informações da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Jundiá, na data do crime do qual ele é suspeito, estaria em Brasília sob o abrigo do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (Ppcaam) e, assim, não poderia estar envolvido no caso no Vale do Sinos.
Apesar de semear a dúvida, o governo federal evita falar publicamente sobre as medida protetivas e como o jovem é monitorado em Brasília, alegando necessidade de sigilo nessas questões, por motivo de segurança.
O questionamento do governo federal sobre um possível erro da investigação bateu à porta da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Conforme o coordenador da assessoria de comunicação da SSP, Antônio Cândido, o titular da pasta, Airton Michels, foi informado pelo secretário estadual da Justiça e dos Direitos Humanos, Fabiano Pereira, na manhã de ontem, de que Jundiá estaria sob proteção federal – e por essa razão não estaria no Estado no dia do crime. A conversa entre os dois secretários, que teria ocorrido no Rio de Janeiro, onde participam de um evento, não foi confirmada por Fabiano. A ZH, ele relatou, no entanto, ter conversado ontem com a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário.
– Mas não falamos neste assunto, e sim sobre outros temas – desconversou Fabiano.
Segundo a assessoria da SSP, mesmo em viagem ao Rio, Michels teria repassado à Chefia de Polícia a missão de averiguar com mais exatidão a situação de Jundiá, que teve prisão preventiva decretada pela Justiça no sábado.
– Durante o dia, essa informação (de que Jundiá estaria sob proteção e fora do Estado no dia do crime) foi ventilada, mas não recebi nenhum pedido, oficial ou não, para apurar essa hipótese. Familiares dele já haviam trazido, no final de semana, essa possibilidade, de ele estar sob proteção, mas nada foi confirmado até agora. Ele continua sendo o principal suspeito do crime – disse o chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Júnior.
Chefe de Polícia se reuniu com os delegados do caso
Apesar de não confirmar a pressão vinda do primeiro escalão do governo para esclarecer o impasse, Ranolfo se reuniu ontem à tarde com o diretor do Departamento de Polícia Metropolitano, Aníbal Germany, com o delegado regional do Vale do Sinos, Bolívar Llantada, e com o delegado do caso, Ayrton Figueiredo Martins Júnior, da 3ª DP de Novo Hamburgo. Ao final, Ranolfo desconversou.
– Chamei eles aqui para saber como anda o caso, como fiz hoje com outros três delegados, de Pelotas, da Homicídios e da Fazendária, que trabalham em casos importantes. Coisas de rotina.
Procurada por ZH, Maria do Rosário não foi localizada. Por meio de uma nota, sua assessoria informou que “por questões de preservação da integridade física dos protegidos, o governo federal não divulga os nomes ou quaisquer informações de quem está no programa”.
Vítima depôs duas vezes e reconheceu o suspeito
A Polícia Civil encaminhou pedido de urgência ao Instituto-geral de Perícias para que seja conhecido o mais rápido possível o resultado de DNA do material coletado do corpo da vítima de sequestro e estupro em Novo Hamburgo.
O laudo é considerado uma prova fundamental para esclarecer se Jacson Nauta de Quadros, o Jundiá, está envolvido no caso, como concluiu a polícia. De acordo com o responsável pelo caso, delegado Ayrton Figueiredo Martins Junior, a vítima prestou dois depoimentos e apontou Jundiá, sem sombra de dúvidas, com um dos homens que a atacou.
– Eles se conhecem há muitos anos. Estudaram na mesma escola. Além disso, uma familiar de Jundiá, em conversa com policiais, disse que ele estava em Novo Hamburgo na semana passada, e foi corrido de casa por causa de um desentendimento com um primo – afirmou o delegado.
A familiar de Jundiá seria interrogada oficialmente ontem à tarde. O delegado regional do Vale do Sinos, Bolívar Llantada, evitou polemizar e enalteceu o trabalho do subordinado:
– Confio no delegado Ayrton e na qualidade das provas do inquérito.
“Me ligaram de Brasília, dizendo que o Jundiá está lá”. João Carlos Corrêa Grey, juiz da Infância e da Juventude
Titular da Vara da Infância e da Juventude de Novo Hamburgo, o juiz João Carlos Corrêa Grey confirmou, ontem à noite, a Zero Hora que recebeu fax e ligação de Brasília informando que Jacson Nauta de Quadros, o Jundiá, não abandonou o serviço de proteção federal e que não estaria no Rio Grande do Sul no dia do crime do qual é suspeito:
Zero Hora – O senhor recebeu ontem alguma informação sobre o paradeiro de Jundiá, que estaria sob proteção de programa federal?
João Carlos Corrêa Grey – Sim, eu confirmo que recebi a informação de Brasília, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dizendo que o Jundiá continua sob o serviço de proteção e que nunca deixou o serviço. Evidentemente, ele estando em liberdade assistida, se ele tivesse foragido, eu deveria ser o primeiro a ser comunicado. À tarde, me ligaram de Brasília, do Ppcaam, dizendo que o Jundiá está lá.
ZH – Ele não teria vindo para o Estado na semana passada?
Grey – Não. Ele é monitorado constantemente, pois está em uma fase de reinserção social em algum Estado da federação que eu não sei qual é. Isso foi uma precipitação. Vai ver que ele tem as costas largas e colocaram em cima dele. A informação que eu recebi de Brasília, primeiro, de manhã, por fax, e, à tarde confirmado por telefone, é de que realmente esse caso não tem nada a ver com o Jundiá.
ZH – Quem solicitou a inclusão dele no programa?
Grey – Ele cumpriu o tempo de internação que era de três anos e após saiu em liberdade assistida, que dura mais seis meses. Então eu fiz o pedido. As próprias assistentes sociais promoveram isso. Foi oferecido para ele esse serviço, ele aceitou. E foi entregue ao Ppcaam. Com ele foram familiares também.
ZH – Se ele desistisse ou descumprisse as normas do programa, driblando o monitoramento, por exemplo, o senhor seria avisado?
Grey – Com certeza. Eu estranhei muito a informação de que ele estaria foragido há 45 dias, e eu não ter nenhum conhecimento disso.
ZH – O senhor pretende avisar alguém sobre isso?
Grey – Eu vou deixar as coisas se acalmarem por si. Eu estou comunicando o que eu recebi. Como ele é maior agora, ele não está mais afeto à Vara da Infância. Então, eu acho que a investigação vai ter de voltar à vítima e saber o que realmente aconteceu. Mas a certeza que temos até agora, pelo que me foi transmitido, é que ele não participou do evento.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - É mais uma prova que NÃO EXISTE SISTEMA DE ORDEM PÚBLICA NO BRASIL. Cada Poder e instrumento de coação, justiça e cidadania que atuam na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio trabalham de forma independente do outro, sem ligações, continuidade, fiscalização ou controles coordenados. É cada um por si. Não se importam com a legislação anacrônica, com as mazelas do sistema, com os problemas e dificuldades dos outros e com a confiança do povo na lei, na justiça e nas instituições de segurança pública. Que se lixe a ordem pública e que o povo se dane.
Por que a Justiça não interveio rapidamente para impedir o suposto erro policial? O caso vinha sendo amplamente divulgado na imprensa e a justiça estaria protegendo um dos seus instrumentos auxiliares mais importantes. Mas não. A investigação foi colocada em xeque para todo o povo gaúcho e para o Brasil inteiro. Não é bom, pois a polícia é mais uma vez desacreditada.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
CASO JUNDIÁ - REVIRAVOLTA E INVESTIGAÇÃO POLICIAL COLOCADA EM XEQUE
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