ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

OS MILITARES E A POLÍCIA

O que está em jogo na mobilização dos policiais é muito mais do que a reivindicação dos corpos policiais - que pode ser justa, ou não – mas a própria estrutura do Estado Nacional, republicano e, de acordo com seus primeiros constituintes, federativo. Mauro Santayana, CARTA MAIOR, 10/02/2012

Uma das mais graves conseqüências do regime de 1964 foi a militarização do policiamento ostensivo e repressivo nos grandes centros urbanos do país. Admitia-se, no passado, que o policiamento em municípios do interior se fizesse com soldados da Polícia Militar, sempre subordinados às autoridades policiais civis – mas nas grandes cidades, outra era a situação. Nelas, e com eficiência que os mais velhos lembram, atuava a antiga Guarda Civil, que nada tinha a ver com as atuais guardas civis metropolitanas. Os guardas-civis andavam normalmente armados de cassetetes. Patrulhavam as ruas, a pé, eram sempre solícitos no atendimento das pessoas. A Polícia Militar, fora os oficiais e soldados destacados no interior, permanecia nos quartéis e só era acionada em momentos de grave perturbação da ordem pública, embora muitas vezes cometesse violência brutal contra manifestações de natureza política. No Rio de Janeiro, registre-se, havia a famosa Polícia Especial, notável pela sua brutalidade a serviço da “ordem pública”, quando sob as ordens de Felinto Muller.

O governo militar dissolveu os corpos civis de policiamento ostensivo, entre eles, a Guarda Civil, extinguiu as chamadas inspetorias de trânsito, formadas por servidores civis, especializados no assunto. Tratou-se de ruptura ditatorial do Pacto Federativo de 1891, que a Constituição de 1946, embora com perdas para os Estados, restaurara, depois da centralização do Estado Novo. Mas, até então – e durante todo o período republicano, incluído o período arbitrário de Vargas – a responsabilidade pelo policiamento era dos Estados, que o administravam conforme a sua autonomia federativa.

Ao militarizar o policiamento, o que convinha a uma ditadura de caráter militar, o regime de 1964 possibilitou duas coisas graves. Uma delas foi o aumento da corrupção de parcelas das antigas forças públicas estaduais que, tendo pouco contato com a população urbana, e estando sob estrito comando civil, eram disso resguardadas. O resultado está aí, com policiais militares envolvidos com o tráfico de drogas e outras formas do crime organizado, assassinando juizes, criando milícias de pistoleiros e ameaçando o Estado de Direito. A segunda foi a de dar à polícia a falsa idéia de que a repressão ao crime e a manutenção da ordem pública são atos de guerra.A Assembléia Nacional Constituinte de 1988 não teve a devida acuidade para restaurar o sistema anterior ao regime militar.

O caso nos obriga a refletir sobre a questão mais grave, que é a da Federação. O Congresso Nacional, se é que ainda somos uma república federativa, não pode legislar sobre a remuneração dos corpos policiais dos estados. Cada unidade da federação tem o direito e o dever de pagar a todos os seus servidores, incluídos os policiais militares e civis, de acordo com a realidade local. Para estabelecer seus vencimentos são ponderados muitos fatores, entre eles, o custo de vida, que difere de região para região em nosso país e, sobretudo, as receitas orçamentárias.

Enquanto o desenvolvimento do país permanecer desigual, desigual terá de ser a remuneração dos servidores estaduais. Podem argumentar que há corrupção nos governos estaduais e municipais – como, de resto, e infelizmente, há na União. Mas isso nada tem a ver com o princípio federativo.

A insurreição, iniciada na Bahia, começa a estender-se pelo país, com o movimento dos policiais do Rio de Janeiro. A opinião pública e o governo federal repudiam a greve, proibida pela Constituição em vigor. A PEC, que pretende equiparar os vencimentos dos policiais de todo o Brasil aos do Distrito Federal, contraria a cláusula pétrea da autonomia federativa. Ainda que não a contrariasse, não pode ser votada sob a ameaça dos grevistas. Os altos vencimentos dos policiais do Distrito Federal resultam de erro brutal dos constituintes de 1988, que deram plena autonomia política e administrativa à capital da República, transformando-a, de fato e de direito, em um estado como os outros - em agressão inominável à Federação. Sendo capital da União, a cidade deve estar a ela subordinada, e ser administrada pelo governo federal, como ocorre em qualquer federação.

Como, no desenho dessa autonomia, cabe ao governo federal assumir os gastos com a segurança do Distrito Federal, os governadores – que não passam de prefeitos municipais – e os mal chamados “deputados distritais”, que não deveriam ter prerrogativas maiores do que têm os vereadores de qualquer cidade brasileira – fazem cortesia com o chapéu alheio. Pagam os altos vencimentos que pagam, porque o dinheiro vem do Tesouro Nacional, e esses recursos procedem dos brasileiros de todos os Estados, por meio dos impostos que recolhem. Trata-se de uma espoliação institucionalizada.

Enfim, o que está em jogo é muito mais do que a reivindicação dos corpos policiais - que pode ser justa, ou não – mas a própria estrutura do Estado Nacional, republicano e, de acordo com seus primeiros constituintes, federativo.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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