PM é entulho autoritário. Paulo Moreira Leite - Revista Época
A expressão “entulho autoritário” surgiu no fim da ditadura, quando se pretendia denunciar e eliminar heranças do regime militar que sobreviveram à mudança de regime. Hoje em dia, convive-se com vários “entulhos autoritários” e tem gente que até acha bom.
A Lei de Anistia, por exemplo, é um entulho autoritário. Foi criada pelo general João Figueiredo, quando o país era uma ditadura e o parlamento era corretamente definido como “Congresso fantoche.” Mas há quem acredite que ela serve para manter o pacto democrático em que vivemos e não aceita a idéia de rever a interpretação de que ela assegurou anistia prévia aos torturadores.
Outro entulho autoritário é a Polícia Militar. A PM foi criada em 1970, como um braço auxiliar do Exército para reprimir e controlar a população civil. Já existia, é verdade, a Força Pública. Mas se queria uma corporação mais dura, mais bruta, sob controle direto dos generais do Exército, instituição que realmente governava o país no momento. Foi assim que nasceu a PM.
Ela possui serviço de inteligência, como o Exército. Infiltra agentes a paisana em movimentos civis — o que é absurdo. Tem disciplina, formação política, orientação ideológica — como o Exército. E é intocável — como o Exército.
Uma das estrelas da insígnia da PM refere-se ao golpe de 64.
A greve da PM na Bahia com todo seu festival de violência e desafios às autoridade é inaceitável. A tragédia ficou clara não só na ocorrência de homicídios, mas no ambiente de desafio à ordem democrática. Greve de categoria armada é motim.
Embora muito mais grave, com risco de repetir-se em vários Estados, esta paralisação é mais um episódio a mais, que demonstra as dificuldades da instituição em conviver com o regime democrático e dar um tratamento à altura à população que deveria proteger.
A pancadaria na periferia já é um dado banal e permanente da população pobre. E se parecia elitismo querer a PM fora da USP, a pancadaria em cima de um estudante que recusou-se a mostrar a carteirinha de aluno numa situação em que isso era claramente uma forma de discriminação obriga a uma segunda reflexão a respeito.
A PM porta-se como uma instituição soberana, que não presta contas a ninguém. Apesar do nome, não tem vocação para trabalho de polícia. Atua como tropa de ocupação, um exercito em terra estrangeira. Essa era sua doutrina, no passado. Mudou?
É incontrolável. Tanto que, em São Paulo, de vez em quando os governadores falam em “soltar” a Rota, numa expressão que dispensa comentários. Muitos governadores preferem soltar a PM sobre a população porque isso dá Ibope. O saldo está aí, à vista de todos.
Seria um erro imaginar que a PM não é capaz de fazer um bom trabalho, quando é mantida sob disciplina e bem orientada. O Brasil precisa de policia, sim. E ela deve usar a violência, quando for necessário.
O fenômeno das UPPs, no Rio de Janeiro, seria impensável sem a PM. Mas as milícias, que atuam no mesmo Estado, também são parte da PM.
Essa situação mostra que está na hora de remover o entulho autoritário. A PM, como tropa de ocupação, não dá. Uma democracia nunca será protegida por uma instituição construída para proteger uma ditadura. A PM precisa de uma reforma ampla, geral e quase irrestrita.
A VERDADE SUFOCADA. 24/02 - Resposta do Cmt Geral à Revista Época. Cel Alvaro Batista Camilo. Comandante geral da Policia Militar de SP
Caro Sr. Editor-Chefe da Revista Época,
É com muito pesar que nos deparamos, na data de ontem, com o infeliz texto publicado pelo Sr. Paulo Moreira Leite, colunista desse periódico. Trata-se do artigo intitulado “PM é entulho autoritário. Lembra disso?”. Lamentamos porque o colunista demonstra traços incontestes ou de desconhecimento - o que parece pouco provável, dada sua longa experiência como jornalista - ou de puro preconceito, fruto de motivações talvez passionais.
Dizer que não possuímos vocação para trabalhos de polícia é simplesmente desconhecer a estrutura do Estado e de suas instituições. Se temos disciplina?
Graças a Deus, temos, sim, pois somente uma tropa disciplinada e devidamente comandada suporta as agruras das árduas missões que desempenhamos com muito denodo e muita perseverança ao longo de todos esses anos, até mesmo quando fomos alvo de atentados covardes perpetrados por membros de organizações criminosas em meados de 2006. Formação política? Faz parte de qualquer segmento que pauta sua gestão pela qualidade, que está inserido no mundo globalizado, que se relaciona com as diversas outras instituições e organizações públicas e privadas, inclusive a própria Imprensa, que há muito trabalha com livre acesso a nossas instalações e nossos profissionais. Quanto à nossa formação ideológica, só seguimos uma direção, a Lei.
Não somos braço da Ditadura, não abrigamos milícias nem qualquer outro grupo que não se alinhe com princípios éticos. Somos herança de um passado de homens mulheres, pessoas honradas que, desde 1831, suaram, sangraram e, muitas vezes, tombaram mortas para cumprir o sagrado juramento de “defender a sociedade, mesmo com o sacrifício da própria vida”.
Restringir-nos simplesmente a uma tropa de ocupação é fechar os olhos para a única Instituição que trabalha diuturnamente, religiosamente, nos 645 municípios do estado de São Paulo. É mais do que isso, é desconhecer nossos dados oficiais de atendimento ao público, é olvidar os mais de 150 mil chamados diários ao COPOM, os mais de 15 mil despachos para envio de viaturas, nos mais variados empregos, que passam por acidentes automobilísticos, afogamentos, incêndios, discussões domésticas, vias de fato, homicídios, latrocínios, roubos a bancos, residências, veículos. Atendemos em cenários violentos, em que a energia é necessária, mas também atendemos a parturientes, que muitas vezes dão à luz nas nossas viaturas, tamanha a urgência; socorremos crianças abusadas, idosos maltratados, mulheres espancadas, animais feridos, qualquer criatura que precise de ajuda. E, quando nada mais há para ser feito, ainda resta um abraço fraterno como o que foi oferecido por uma policial militar nossa em trágica ocorrência atendida semana passada, gesto que percorreu as
diversas redes sociais. Atuamos sempre, em quaisquer condições, e sem jamais escolher os clientes, que, em sua imensa maioria, são oriundos das classes sociais mais humildes.
Nossas ações de controle de distúrbios civis, de reintegração de posse, ações de choque, que acontecem igualmente em todos os cantos do planeta, diariamente, não representam sequer 1% do que fazemos, de dia e de noite, caríssimo editor.
Se desejamos ter uma percepção real do que a Polícia Militar representa para a população, que essa população seja ouvida; que o cidadão, alvo maior de nossos esforços, esse, sim, tenha voz. Mas que não se diga que não temos vocação para trabalhos de polícia, que não se enxovalhe a dignidade de cerca de 100 mil trabalhadores incansáveis, que pulam muros, que se embrenham por becos, por rios infestados e, na defesa da vida de outrem, ou até de um patrimônio que jamais terão, muitas vezes perdem a vida ou se ferem gravemente pela ação de infratores.
Nossa vocação, senhores, é servir ao cidadão, sempre, e com extrema dedicação.
Diante da urgência do povo, mais que os discursos, urgentes mesmo são as ações.
Assim, prezado editor, apesar de todo preconceito latente nas palavras do colunista, reporte-lhe que, sempre que se encontrar numa emergência, não hesite em discar 190, pois sempre haverá um militar estadual para, prontamente, atendê-lo e, se necessário for, morrer por ele.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2012.
Alvaro Batista Camilo Comandante Geral
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
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