ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

RIO: A CULPA NÃO É DA PM PELO CAOS NA GESTÃO SEGURANÇA PÚBLICA

BLOG CORONEL PAUL - quinta-feira, 31 de outubro de 2013


Paulo Ricardo Paúl


Eu tenho certeza que a maioria dos leitores mais antigos - os que começaram acessando o meu blog anterior criado em 2007 -, ao lerem a matéria publicada no jornal O Globo, sob o título "Mais homicídios e roubos - Crimes em alta", concluirão que atualmente começam a dizer o que nós já falamos há muito tempo sobre a ineficiência da gestão da segurança pública no Rio de Janeiro, onde inúmeros erros estão sendo cometidos contra a Polícia Militar e contra a população do ESTADO do Rio de Janeiro.

Em apertada síntese, sem repetir os erros elencados em incontáveis artigos ao longo desses SEIS ANOS, cito apenas o fato da municipalização da gestão da segurança, a qual deve ser estadual. Cabral e Beltrame escolheram a parte (a Capital) e abandonaram os outros 91 (noventa e um) municípios. Isso ficou evidente desde o início do governo Cabral-Beltrame, mas a imprensa e muitos "especialistas" resolveram glorificar as UPPs e reelegeram Cabral-Beltrame.

Eis a matéria:

MAIS HOMICÍDIOS E ROUBOS. CRIMES EM ALTA 

PM atribui aumento da violência a remanejamento de policiais para os protestos
(...) 

Sociólogo: “Essas políticas se esgotaram” 

Para o sociólogo Ignácio Cano, do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, a alta dos crimes deixa claro que as políticas de segurança bem-sucedidas estão se esgotando. Ele ressalta que medidas como a implantação das UPPs, o estabelecimento de metas para a redução de crimes e a criação da Divisão de Homicídios ajudaram a promover uma queda histórica dos índices de violência em 2011 e em grande parte de 2012. 
— Essas políticas se esgotaram. Já deram o que tinham que dar. Agora está tudo estagnado. O estado não tem um projeto para continuar esse processo de redução, principalmente na Baixada e na Zona Oeste do Rio — diz o sociólogo, destacando que as manifestações vêm mobilizando parte do efetivo da PM, que acaba sendo deslocado do policiamento nas ruas. 

A opinião é compartilhada por Paulo Storani, antropólogo e ex-capitão do Bope, que vê na falta de policiais nas ruas um dos fatores para o incremento da violência:
— Esse crescimento se deve a um conjunto de fatores. A PM está se desdobrando para deslocar efetivo para as manifestações. O policiamento ostensivo previne o crime. Storani observa que a falta de contingente é um problema antigo, agravado com as UPPs, que têm recebido a maioria dos policiais recém-formados. Segundo ele, outro fator é a adaptação dos criminosos às medidas de segurança.


Peço que não continuem a culpar a Polícia Militar pelos erros do andar de cima, inclusive peço que respeitem a honrosa função de Comandante Geral da PMERJ, instituição bicentenária, o que não tem ocorrido no governo Cabral, que nomeou CINCO Comandantes Gerais em menos de SETE anos, jogando a responsabilidade pelos erros nos ombros do Comandante Geral e da Polícia Militar.

Será que alguém pensa que foi a Polícia Militar, através dos seus últimos Comandantes Gerais, que foi responsável pelos seguintes erros, citando exemplos, entre outros praticados:

- Pela implantação de UPPs (GPAEs com novo nome) em profusão, sem a necessária infraestrutura e sem a existência de recursos humanos, a partir da Zona Sul, no período pré-eleitoral (2009-2010).

- Pela municipalização das ações de segurança pública, atuando apenas no município do Rio de Janeiro, isso através da inauguração de UPPs, abandonando a segurança pública nos outros 91 (noventa e um) municípios.

- Pela disseminação da falsa ideia de que o Rio de Janeiro estava sofrendo um processo de pacificação, enganando a população, sobretudo, os eleitores.

- Pela disseminação da falsa ideia de que os novos Soldados PM que integram as UPPs são o "crème de la crème", o melhor do melhor, da Polícia Militar. Eram os sem vícios. Os treinados em "policiamento de proximidade", algo que os mais antigos não podiam fazer em função de seus vícios adquiridos: violência e corrupção (Cadê Amarildo?).

- Pelo sucateamento dos efetivos dos batalhões em razão da não reposição de pessoal, em virtude dos novos Soldados serem obrigatoriamente colocados nas UPPs, prejudicando significativamente os serviços nas áreas dos batalhões operacionais.

- Pela facilitação da prova do concurso para o Curso de Formação de Soldados, objetivando aumentar a aprovação de milhares de candidatos com a intenção de transformá-los em mão de obra (Soldados PM) para não ter que parar de instalar UPPs.

- Pela colocação simultânea de milhares de alunos (recrutas) no CFAP, transformando o centro de formação em um caos completo, situação que afetou a qualidade do próprio Curso de Formação de Soldados, prejudicando a formação do novo Policial Militar, desqualificando assim parte da tropa da PMERJ.
- Pela adoção da tática de avisar dias antes de cada ocupação, apresentando como desculpa que a intenção era evitar o confronto, quando na verdade se queria aumentar a velocidade de implantação de UPPs (o que seria retardado com a resistência dos traficantes). Omissão que permitiu que centenas (ou mais) de traficantes deixassem placidamente as comunidades e fossem aterrorizar outros bairros e municípios, alguns antes sem problemas na área da segurança pública.

- Pelo fato da PMERJ atuar nos protestos de formas diferentes em cada ato popular. Repressão generalizada em alguns, passividade (omissão) em outros diante do vandalismo.

Não, a Polícia Militar não é a responsável por nenhum desses erros grosseiros, podem ter certeza.
Infelizmente, não tendo autonomia funcional, a Polícia Militar acaba agindo conforme a máxima burra: "Ordem dada, ordem executada".

Os últimos que tentaram mudar essa tragédia foram os "Coronéis Barbonos", os quais foram duramente perseguidos pelo governo Cabral-Beltrame, sofrendo uma série de represálias. Eles não aceitaram que a Polícia Militar permanecesse de joelhos diante do poder político. Dizendo "sim senhor" diante de ideias claramente prejudiciais para a população e a instituição.

A PMERJ recebeu ordens para cometer esses erros, os quais são tão evidentes que não seriam cometidos por nenhum profissional de segurança pública que pensasse primeiro na população, na Polícia Militar e nos Policiais Militares.

Nenhum Comandante Geral por livre iniciativa agiria contra a própria corporação que comanda, nem contar a população, não resta qualquer dúvida sobre isso.

Eis a verdade.

Por derradeiro, caso eu seja preso, mais uma vez, por revelar verdades, peço aos amigos que tentem pelo menos evitar que eu fique incomunicável (inclusive com relação aos meus advogados), como ocorreu no ano passado quando fui jogado ilegalmente em Bangu 1.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Eles não culpam a justiça morosa, burocrata, corporativista, permissiva e sem compromisso com a ordem pública e com a incolumidade da pessoas e do patrimônio. Eles não culpam o poder administrativo que age de forma negligência desvalorizando policiais e agentes prisionais; enfraquecendo e politizando as forças policiais; depositando seres humanos em ambientes superlotados, insalubres e inseguros; e sem preocupação em construir presídios para tirar a bandidagem das ruas; Eles não culpam os parlamentos que deveriam representar o povo fazendo leis melhores, fiscalizando os atos do poder administrativo e reagindo contra esta justiça inoperante que vigora no Brasil e que vem estimulando o crescimento da criminalidade, da violência e da impunidade das ilicitudes. A PM é uma peça importante, mas muito pequena na engrenagem que deveria oferecer ao povo a tão almejada paz social. E os outros, onde estão?

PERSEGUIÇÕES POLICIAIS TERMINAM EM ACIDENTES E UM BALEADO EM SP

FOLHA.COM 31/10/2013 - 03h38

MARTHA ALVES
DE SÃO PAULO



Duas perseguições policiais a suspeitos terminaram com uma mulher baleada e um suspeito ferido, entre a noite de ontem (30) e a madrugada desta quinta-feira. Dois policiais da Rocam (Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas) também ficaram ferimentos.

Por volta da 0h30, uma perseguição a um Hyundai HB20, ocupado por dois homens e duas mulheres, terminou em acidente na avenida Interlagos, no bairro Campo Grande, zona sul de São Paulo.

Segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), o suspeito perdeu o controle da direção e bateu o Hyundai em outro carro. Ao tentar fugir do local do acidente, uma mulher suspeita, que segurava uma arma de brinquedo, foi baleada pela PM. Ela foi levada à Santa Casa de Santo Amaro. Os outros três suspeitos foram detidos e levados ao 11º Distrito Policial (Santo Amaro).

Avener Prado/Folhapress

Perseguição a carro, ocupado por dois homens e duas mulheres, terminou em acidente na av. Interlagos, zona sul de São Paulo


Outra perseguição policial a dois suspeitos em uma moto também terminou em acidente na rodovia Presidente Dutra, próximo ao Shopping Internacional de Guarulhos (Grande São Paulo), por volta das 23h de ontem (30).

O suspeito perdeu o controle da moto e bateu em um Celta. Dois policiais da Rocam, que perseguiam a dupla, também se envolveram no acidente.

Um PM teve ferimentos leves nas pernas e foi atendido no local e o outro policial foi levado ao Hospital da Polícia Militar. Um suspeito também ficou ferido e foi levado a um pronto-socorro da região. Um suspeito foi preso.

Segundo a Polícia Militar, com os suspeitos foi apreendida uma mochila com cerca de 4 kg de maconha.

FEDERAIS CONTRA CONGELAMENTO DE SALÁRIOS

CORREIO DO POVO 31/10/2013 10:28

 Luciano Nagel / Rádio Guaíba

Policiais federais protestam no RS contra congelamento de salários. Serviço de emissão de passaportes não foi interrompido



Policiais federais do Rio Grande do Sul, por meio do sindicato que representa a categoria, o Senpef/RS, realizam nesta quinta-feira uma manifestação em frente à Superintendência da Polícia Federal (PF), no bairro Azenha, em Porto Alegre. Agentes, escrivães e papiloscopistas estão descontentes com a maneira com que a categoria tem sido tratada pelo governo federal.

Em entrevista à Rádio Guaíba, o presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Rio Grande do Sul, Paulo Paes, disse que a situação se agravou a partir do congelamento dos salários. Segundo ele, há seis anos não há correção nos subsídios. Em relação ao protesto desta quinta, Paes ressaltou que serviços como emissão de passaportes e antecedentes criminais e legalização de documentos para estrangeiros, não serão prejudicados. No entanto, as investigações serão afetadas.

“Os serviços como emissão de passaporte vão continuar funcionando normalmente. Vai ocorrer a manifestação, mas o atendimento seguirá sendo feito. O grande problema de paralisação é que param investigações quando há uma greve, como crimes de colarinho branco, drogas, armas, contrabando. Esse é o grande problema para a população”, declarou Paulo Paes.

Agentes de delegacias da Polícia Federal do interior do Estado, como Bagé, Caxias do Sul, Chuí, Jaguarão, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Santana do Livramento, São Borja, Santa Maria, Santa Cruz do Sul, Santo Ângelo e Uruguaiana, também realizam manifestações em frente às delegacias locais.

Servidores querem explicações para o que consideram um tratamento desigual que têm recebido em relação a outras carreiras do governo federal, uma vez que cargos com complexidade similar, incumbências equivalentes e formas de recrutamento semelhantes chegam a receber subsídios 100% maiores.




quarta-feira, 30 de outubro de 2013

IPM VAI INVESTIGAR AÇÃO PM EM UMA FESTA PARTICULAR NO INTERIOR DO RS

O NACIONAL 30/10/2013 - 08:00 , por Redação/ON

IPM vai investigar ação dos policiais. Comandante do 13° BPM de Erechim defende ação de policiais militares em uma festa em Ipiranga do Sul


O 13º Batalhão de Polícia Militar de Erechim instaurou inquérito policial militar para apurar as circunstâncias da ação que envolveu este grupamento e mais o 3º Batalhão de Operações Especiais (BOE) de Passo Fundo, em uma festa particular, no final de semana, em Ipiranga do Sul.

De acordo com o comandante do 13° BPM, tenente coronel Ricardo Alex Hofmann, a ação dos policiais foi legítima, uma vez que, segundo o relato dos policiais, eles também sofreram agressões. “Tudo o que saiu na imprensa até agora foi muito parcial, os policiais foram agredidos. Parece até que os policiais são os bandidos. Em qualquer outro país os policiais seriam aplaudidos”, disse.

Ainda conforme o comandante do 13° BPM, durante a tarde de ontem (terça-feira), um capitão do batalhão estava em Ipiranga do Sul para ouvir todos os envolvidos e para que todas as versões constem no inquérito que irá apurar se a postura dos policiais foi correta. Para Hofmann, o incidente só chegou ao ponto da, segundo ele, troca de agressões, porque as pessoas que estavam na oficina mecânica no momento da abordagem tentaram defender o jovem que era perseguido pelos policiais. “Meus policiais estão lesionados, um deles teve os óculos quebrados. Estas pessoas de imediato colocaram-se contra a polícia, sem ao menos perguntarem o que os policiais queriam. Eles retiraram as algemas do rapaz, deram um sumiço nelas, que são patrimônio do Estado”, afirmou ele.

O comandante do 13° BPM também disse que o disparo efetuado dentro do banheiro por um dos policiais ocorreu porque os envolvidos na confusão teriam tentado roubar-lhe a pistola. “Eram cinco pessoas contra ele, o único jeito de se livrar delas foi efetuando o disparo. Desta forma, não vejo nada de errado na ação deles”, declarou. Hofmann informou que os policiais do 3° BOE envolvidos no tumulto tinham ido até Ipiranga do Sul para dar apoio às guarnições do 13° BPM, deslocadas para aquele município que receberia um evento, um baile realizado a poucos metros da oficina mecânica onde ocorreu a confusão. “Quando as pessoas respeitam a polícia temos outro tipo de abordagem. Eles soltaram um preso, queriam roubar uma arma”, disse.

A partir de agora serão colhidos depoimentos e provas que abastecerão o inquérito policial militar. De acordo com Hofmann, a Polícia Civil também deverá atuar no caso, averiguando se houve crime da parte dos policiais ou das outras pessoas envolvidas no episódio.

Conduta e MP

Durante a tarde de terça-feira (29), o comando do 3° BOE expediu uma nota afirmando que a conduta dos policiais seria avaliada no decorrer do inquérito policial militar. A família envolvida no episódio apresentaria também na terça-feira uma denúncia ao Ministério Público de Getúlio Vargas. Até o encerramento desta edição não havia a confirmação se a denúncia havia sido entregue.

OFICIAL DA PM FURA BLITZ DA LEI SECA EM VITÓRIA


Tenente-coronel da PM é flagrado fugindo de fiscalização da Lei Seca em Vitória. Ocorrência ainda chegou a ser cancelada após carteirada


O GLOBO
Atualizado:29/10/13 - 21h35

Tenente coronel reclama da abordagem. Logo depois, arranca com o carro TV Gazeta


RIO — Um tenente-coronel da Polícia Militar foi flagrado em vídeo furando uma blitz da Lei Seca em Vitória, no Espírito Santo. Após abordagem feita por PMs, o condutor anunciou que era da corporação e foi embora dirigindo o carro. Além disso, o pedido para o registro da ocorrência foi cancelado. As imagens da abordagem foram mostradas nesta terça-feira pela TV Gazeta, filiada à TV Globo. Gravações do pedido de cancelamento da ocorrência da fuga também foram ao ar.

- Você sabe que eu sou coronel da polícia, né? Vocês querem me ferrar? - pergunta o tenente-coronel, identificado como Dirceu, ao ser parado.

Ele havia acabado de sair do estacionamento de uma boate, e os policiais suspeitaram de embriaguez. Os documentos do carro chegaram a ser pedidos, mas o condutor, que é assessor jurídico da PM, não quis mostrá-los. O Centro Integrado Operacional Defesa Social (Ciodes) foi contatado para que a ocorrência fosse registrada. Porém, mais tarde, a ordem de um major para o cancelamento da ocorrência foi dada.

O tenente-coronel, após se negar a passar pela fiscalização, foi ao Ministério Público do Espírito Santo (MP-ES) e denunciou os policiais que fizeram a abordagem, argumentando que foi humilhado.

O procurador do MP-ES, Sócrates de Souza, disse que a Corregedoria da Polícia Militar deveria ter sido acionada e que o tenente-coronel agiu de forma errada. Depoimentos dos envolvidos serão colhidos para averiguação, de acordo com a PM. Um inquérito foi aberto.

A AGRESSÃO CONTINUADA

O ESTADO DE S.PAULO, 30 de outubro de 2013 | 2h 13

OPINIÃO


Um PM matou domingo com um tiro no peito um jovem inocente numa rua do Jardim Brasil, na zona norte de São Paulo. O policial alegou que a sua arma disparou por acidente, quando ele saiu da viatura. Foi preso e autuado por homicídio culposo. No dia seguinte, centenas de pessoas formaram um indignado cortejo de 4 quilômetros até o cemitério onde o rapaz seria sepultado. O comércio do bairro fechou, em parte por solidariedade à família da vítima, em parte para se prevenir contra saques e depredações. Não adiantou grande coisa. "Aqui é o Brasil paralelo", resumiu um desacorçoado morador.

O alarmante é que as fronteiras desse Brasil estão se ampliando, a ponto de se confundir com as do outro, o "normal". O seu traçado resulta de uma paradoxal combinação de violência policial com a impunidade dos bandos para as quais ela serve de pretexto - isso quando precisam de pretexto - para investir contra o patrimônio público ou privado e pessoas não menos inocentes do que o adolescente baleado sem motivo. O fogo, a destruição e os assaltos se propagaram pelo bairro vizinho do Jaçanã. Bombeiros foram atacados. Um homem levou um tiro e precisou ser operado. A Rodovia Fernão Dias foi bloqueada. Houve 90 detenções.

O que diferencia o Brasil paralelo, cuja capital do momento é São Paulo, de outros países onde o terror toma as ruas em seguida a um ato de brutalidade policial é que, nesses, se trata de um surto; pode durar alguns dias ou mais de uma semana, mas acaba se esgotando. Entre nós, não há o mais remoto indício de arrefecimento dos crimes que apareceram na esteira das passeatas de junho contra o aumento das tarifas de ônibus e as inaceitáveis deficiências dos serviços públicos. Se algo mudou, desde então, foi para pior. Os black blocs e assemelhados como que se incorporaram ao cenário urbano noturno, enquanto os protestos ordeiros passaram a rarear.

Naqueles que vez por outra se repetem, é assustador ver a complacência dos manifestantes diante da alcateia que os acompanha. Não que se peça que um jovem desarmado tente deter um mascarado que arrebenta uma agência bancária ou lança um coquetel molotov. Mas não se tem notícia de expressões de repúdio dos "pacíficos" aos que se tornaram seus companheiros de viagem. Para estes, tanto se lhes dá que a população quase toda - 95% dos paulistanos, segundo o Datafolha - os condene. Isso será irrelevante enquanto o crime continuar compensando, com riscos nulos ou mínimos e gratificante sensação de triunfo pelas façanhas cometidas.

Cada vez que um vândalo volta da rua tão à vontade como nela entrou - no máximo, depois de algumas horas de inconsequente detenção -, ele é incentivado a fazer mais do mesmo. E entre os frequentadores da sua roda que ainda não seguiram o seu exemplo, a tentação de fazê-lo aumentará na medida de sua reafirmada incolumidade. É o chamado efeito demonstração: se o outro fez e se deu bem, a custo zero, por que não imitá-lo? O efeito será tanto mais eficaz quanto mais ralos os valores morais de cada qual. Não se subestime a facilidade com que um baderneiro pode persuadir o seu próximo de que o que ele faz é socialmente justo diante das iniquidades do "sistema".

Na sua obra Dos delitos e das penas, de 1764, o jurista Cesare Beccaria ensinou que, para dissuadir criminosos em potencial, mais vale a certeza da punição do que a duração do castigo. Já a certeza da impunidade, pode-se acrescentar, faz crescer o contingente dos que se sentem atraídos pelo vandalismo. "Desordem sem consequência atrai desordem", alerta o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho, coronel da reserva da PM de São Paulo, em artigo publicado ontem no Estado. "É normal ver pessoas comuns participando de saques porque o 'liberou geral' permitiu liberar os seus freios morais."

A rotina dos atos de barbárie contra a sociedade e o Estado dissemina o medo e a impotência. Os mais pobres, por sinal, correm mais riscos de estar no lugar errado, na hora errada. As cidades brasileiras, repita-se, não enfrentam uma onda passageira de distúrbios, mas uma agressão continuada - que ainda não recebeu a resposta capaz de desbaratar os seus perpetradores.

CONFRONTO EM COTIPORÃ RENDE HOMENAGENS A POLICIAIS HERÓIS


ZERO HORA 30 de outubro de 2013 | N° 17599


CONFRONTO EM COTIPORÃ. PMs homenageados em cerimônia na Assembleia



Os quatro PMs que entraram para a crônica policial ao se confrontarem com a quadrilha de Elisandro Rodrigo Falcão, após o assalto a uma fábrica de joias em Cotiporã, em dezembro de 2012, foram reconhecidos pelo ato de bravura.

Cerca de 80 pessoas acompanharam a solenidade na Assembleia Legislativa, na tarde de ontem, que conferiu a Neivaldo Nondillo, Sedenir Lopes, Derquis Martins e Leonardo dos Santos, além do oficial que comandou o resgate das vítimas sequestradas pelo bando, capitão Juliano André Amaral, a medalha da 53ª Legislatura.

Entre os cinco homenageados, apenas um segue afastado das atividades. Neivaldo Nondillo, 41 anos, foi ferido no braço esquerdo durante a troca de tiros com a quadrilha. Dez meses após o confronto, o sargento diz ser difícil voltar ao patrulhamento ostensivo e luta para não cair no esquecimento da corporação, que já atrasou o pagamento do benefício de Neivaldo por três meses.

Segundo a assessora de imprensa do comandante-geral da Brigada Militar (BM), Jussara Pelissoli, a demora no primeiro pagamento aconteceu devido a problemas para atualizar o sistema que gera a folha de pagamento dos servidores, após aprovação na nova lei. Com isso, o depósito foi gerado em folha suplementar. Sobre o novo atraso, a assessora disse não ter conhecimento.

PEC 51, UM EQUÍVOCO

Revista Consultor Jurídico, 10 de outubro de 2013

PEC 51

Proposta que unifica Polícia Civil e Polícia Militar é um equívoco

Por Thiago Frederico de Souza Costa


Várias manifestações tomaram as ruas do Brasil neste ano de 2013 e os vários casos noticiados na imprensa sobre alguns abusos praticados na contenção dos protestos trouxeram à tona a discussão sobre a necessidade de mudança do modelo de policiamento militar ainda existente no Brasil.

A propósito, sobre duas das principais instituições policiais existentes, impende registrar inicialmente que a Polícia Militar, força auxiliar das Forças Armadas, é a polícia administrativa, responsável pelo policiamento ostensivo e pela preservação da ordem pública, estando subordinada diretamente ao Executivo.

A Polícia Civil, também denominada Polícia Judiciária, por sua vez, é a encarregada da apuração dos crimes, fase preliminar que antecede ao processo penal, essencial à função jurisdicional e vinculada finalisticamente ao Judiciário, embora teratologicamente permaneça subordinada ao Executivo.

Feito esse registro, no mês em que a Constituição completa 25 anos, fica evidente que ainda vivenciamos a experiência de uma recente da redemocratização.

Nesse contexto, a formação da Polícia Militar não se apresenta consentânea com o modelo democrático fundado na cidadania e na dignidade da pessoa humana, fundamentos da República Federativa do Brasil inscritos no artigo primeiro Carta Constitucional.

O reflexo disso foi visto nos embates e na forma com que alguns cidadãos foram reprimidos pela Polícia Militar em manifestações populares amparadas pelo direito à livre manifestação do pensamento (inciso IV) e pelo direito de reunião (inciso XVI), ambos previstos no art. 5º da CF/88.

Recentemente, mais dois casos emblemáticos firmaram a convicção de que algo precisa ser feito com relação a esse modelo de policiamento. O primeiro deles foi o caso Amarildo, em que dez policiais militares – incluindo um major e um tenente – foram indiciados pelo delegado de polícia do Rio de Janeiro no inquérito policial em que se apurou o desaparecimento daquele morador logo após ser preso pela Polícia Militar.

O outro caso emblemático foi a forma como professores do Rio de Janeiro foram debelados pela Polícia Militar durante movimento que pleiteava a melhoria das condições de trabalho dos educadores, profissionais responsáveis pela formação de nossos futuros cidadãos.

Esses são apenas dois exemplos dentre muitos outros noticiados na imprensa que resultaram no que hoje se mostra como um grande movimento pela desmilitarização da Polícia Militar.

Embora a desmilitarização seja uma reivindicação legítima, nesses momentos surgem especialistas prontos para divulgar panaceias mirabolantes, pré-fabricadas, aguardando o momento oportuno para deflagrá-las, geralmente momentos de forte instabilidade institucional, o ambiente propício para dispararem ideias de questionável interesse público, mas de forte apelo ideológico.

Um desses kits prontos de fábrica, do tipo pacote completo é a proposta de desmilitarização da Polícia Militar, unificação com a Polícia Civil e unificação de todas as carreiras existentes dentro das polícias – um péssima ideia que se tornou a PEC 51/2013 do Senado.

Essa pretensão de unificação total e irrestrita virou um verdadeiro transtorno obsessivo compulsivo de alguns que sempre ficaram à espreita, tamanha a desfaçatez da proposta, até que qualquer qualquer coisa relacionada à segurança pública fosse aventada (desta vez é a desmilitarização da Polícia Militar), aproveitando para lançar à exaustão nas mídias sociais e nos meios publicitários seus ideais quiméricos, como se a repetição tivesse o dom de mudar a essência das coisas, salvo para aqueles que comungam dos mesmos valores de Joseph Goebbels – ministro da propaganda do Reich nazista – , o qual afirmara que “uma mentira contada mil vezes, se torna realidade”.

Certamente, hoje não se pode cair em tais contos, porquanto cabe às cabeças pensantes o dever de aclarar as coisas e analisar o que for proposto nessa área de modo bastante acurado.

Fazendo uma análise sóbria da questão, sem o atrevimento de propor qualquer solução mágica, a primeira conclusão é a de que uma mudança se faz necessária, notadamente no que tange à formação e à forma de atuação da Polícia Militar.

Nessa área qualquer mudança efetiva e duradoura deve ser feita passo a passo, de forma responsável, pois não se muda uma cultura de várias décadas com a alteração de uma lei. Antes disso é necessária mudança de valores, da cultura que permeia a formação dos integrantes da instituição policial, sendo esse apenas o primeiro passo de um longo processo de readequação de um modelo já consolidado.

No caso da proposta de desmilitarização da Polícia Militar, será necessário o transcurso de pelo menos 15 ou 20 anos até que uma nova cultura, totalmente diferente da utilizada até hoje, esteja arraigada na consciência coletiva de todo o efetivo, tempo esse também necessário para que uma renovação ao menos parcial da tropa se realize.

Essa anotação é importante pois os especialistas que aparecem em cada esquina insistem no discurso repetitivo de que a desmilitarização deve ser seguida de uma imediata unificação da Polícia Militar (desmilitarizada apenas no nome) com a Polícia Judiciária (Polícia Civil) e, se não bastasse, da unificação também todas as carreiras policiais.

Com a devida venia às opiniões dos especialistas que defendem panaceias desse jaez, mas esse discurso é frágil e perigoso, que sucumbe ao menor esforço intelectivo capaz de constatar, além do risco ao próprio estado brasileiro, o efeito inverso que uma unificação dessa natureza proporcionaria neste momento.

Devemos atentar para o fato de que a Polícia Judiciárias de formação civil desde a sua instituição pela Constituição de 1988, com formação humanística e atuação subordinada aos ditames da lei, possui hoje um quadro de servidores consideravelmente menor que o das polícias militares.

Por isso, a intenção de trazer para dentro das polícias civis todo um efetivo militar, sem um período de “amortecimento” do modelo anterior recém-desmilitarizado, fará com que a suposta solução vire um problema ainda maior, já que ao invés de desmilitarizar a Polícia Militar, promover-se-á a militarização da Polícia Civil como efeito reflexo da união das duas instituições.

Não se trata de uma crítica aos policiais militares, mas não há dúvida de que trarão consigo um modelo de policiamento com o qual conviveram por toda a vida profissional, que não desaparece de um dia para outro pelo simples ato de promulgação de uma lei, ficando evidente que a consequência dessa união funesta que é aventada será a sobreposição do modelo até hoje adotado pela Polícia Civil pela doutrina trazida pelos policiais militares.

A proposta de unificação da Polícia Militar e da Polícia Civil se torna ainda mais nefasta se notarmos que o Brasil ainda experimenta uma pequena experiência de recente redemocratização, o que desaconselha a adoção de um modelo de polícia única, que consequentemente formaria uma enorme força policial, sem referência em termos de efetivo e de concentração de poder, já que se aproximaria do ou ultrapassaria o efetivo das Forças Armadas.

Essa nova polícia, única em cada Estado da Federação, com efetivo digno de um exército, com predominante engajamento e formação militar em sua origem, ficaria sob a tutela de cada um dos governadores, o que demonstra a gravidade de tamanha concentração de força que, em última análise, é um risco ao próprio modelo federativo de nossa República.

Um exemplo claro de que a proposta de unificação não opera milagres é o fato de que nos Estados Unidos existem mais de 17 mil agências policiais, sendo aproximadamente 12.300 departamentos de polícia municipais e de condados, 3.100 xerifados, além das polícias estaduais e inúmeras agencias policiais federais, das quais se destacam o Federal Bureau of Investigation (FBI), a Drug Enforcement Administration (DEA), o U.S. Marshals (USM), o Immigration and Naturalization Service (INS), o U.S. Treasury Department (Departamento do Tesouro), o Bureau of Alcohol, Tobacco, and Fire Arms(ATF), o Department of Interior (DI), o U.S. Postal Service (USPS), dentre outros, sendo que alguns destes se subdividem em outras agências policiais, cada uma com atribuições específicas, existindo casos de agências policiais encarregadas de investigar outras.

Isso mostra que a existência de mais de uma instituição policial, em vez de ser combatida, deve ser aperfeiçoada através da especialização de suas funções, garantindo assim uma atuação mais eficaz.

Nesse sentido, a Polícia Judiciária hoje investiga até mesmo os crimes comuns praticados por policiais militares, como no caso do desaparecimento de Amarildo no Rio de Janeiro, fato amplamente noticiado na imprensa, que culminou no indiciamento pela Polícia Civil do Rio de Janeiro de dez policias militares.

A manutenção da separação das instituições é necessária e, principalmente, aconselhável, pois o Brasil ainda carece de maior amadurecimento em termos institucionais, antes que se vislumbre a unificação de forças policiais, conquanto a especialização pela separação das funções seja salutar.

Ademais, os defensores da unificação total das Polícias Militar e Civil sustentam que no restante do mundo todas as polícias são de ciclo completo. Conquanto seja questionável a assertiva de que em todo o mundo tal modelo é adotado, fato é que nas polícias que o adotam, invariavelmente existe uma divisão interna, exatamente para distinguir aqueles policiais que exercem o policiamento preventivo, fardado e ostensivo, daqueles que exercem a função velada de investigação das infrações penais.

No modelo americano, que costuma ser utilizado como exemplo, o policial ingressa como oficial, encarregado do policiamento ostensivo, não atuando na fase de investigação. O mesmo se diz do investigador, que não atua no policiamento fardado ou de manutenção da ordem pública.

Logo, percebe-se que no modelo de ciclo completo o policial que atua no policiamento ostensivo preventivo, fardado, não funciona na fase da investigação, até mesmo pela inviabilidade de se fazer todas as funções pelo mesmo agente. Ou seja, alguns policiais fazer a função da Polícia Militar e outros a da Polícia Judiciária Civil.

Por isso, a tese de que o modelo de ciclo completo é mais eficiente e funcional talvez não seja a mais adequada para o Brasil, já que nele a instituição policial acaba se tornando generalista, fazendo de tudo um pouco, o que gera questionamentos sobre sua efetividade e eficiência.

Enfim, o que existe no Brasil no que tange as atividades exercidas atualmente pela Polícia Militar e pela Polícia Civil é apenas a especialização de funções, dividas em duas instituições para melhor aperfeiçoamento das atividades, racionalizando e dando mais eficácia ao exercício das respectivas atribuições, pois as instituições possuem particularidades e formação específica para a respectiva atividade fim.

Nesse diapasão, impende ainda ressaltar que a natureza das funções de cada uma das instituições no Brasil está finalisticamente ligada a poderes diversos – a Polícia Militar diretamente vinculada ao Executivo, encarregada da prevenção e da manutenção da ordem pública; e a Judiciária que, como o próprio nome diz, está finalisticamente ligada ao Poder Judiciário, encarregada da fase preliminar ao processo penal, consistente na apuração das infrações penais.

Podemos concluir que ambas as instituições policiais – ainda que venham a possuir natureza civil, o que é desejável – possuem particularidades e finalidades que aconselham a manutenção da especialização de cada uma delas na respectiva área, ao menos até que uma nova cultura seja implantada e absorvida institucionalmente pelos integrantes da atual Polícia Militar que, em um tempo razoável, exigirá pelo menos vinte e cincos anos.

Enfim, essas e outras razões demonstram que a desmilitarização da Polícia Militar, caso venha a ser implantada, deve vir acompanhada de profunda reforma do modelo de formação de seus integrantes e de sua forma de atuação, mantendo-se as mesmas funções de polícia administrativa ostensiva e de preservação da ordem pública, podendo, nessa função, receber o apoio complementar das guardas municipais, porém sob um novo prisma democrático e de respeito aos direitos individuais.

Porém, qualquer mudança nessa área deve primar pela ausência de rupturas abruptas ao modelo muito bem definido pelo constituinte originário, mantendo-se a continuidade dos serviços essenciais realizados pela que porventura venha a se tornar a Polícia Administrativa Civil dos estados (atual Polícia Militar).

Quanto à Polícia Judiciária – Polícia Federal e Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal – esta deve ser aperfeiçoada, dotando-a de autonomia financeira, funcional e administrativa, além de independência funcional para o membro da carreira de delegado de polícia, uma necessidade premente para que exerçam com eficiência sua relevante e indeclinável função de promover a investigação das infrações penais.

Tais garantias são essenciais à atividade de investigação criminal e ao fortalecimento e coesão do sistema de justiça criminal, que começa com a investigação pela Polícia Judiciária, passa pela promoção da ação penal pelo Ministério Público e se encerra com o julgamento pelo Judiciário, os quais devem estar estruturados tanto financeiramente como funcionalmente para que possam atuar sem ingerências externas, condições necessárias para se reduzir o grave problema de criminalidade existente no Brasil.

Diante disso, a Proposta de Emenda Constitucional nº 51/2013 do Senado, que pretende unir a Polícia Miliar à Polícia Judiciária Civil é um equívoco que não atende ao interesse público e desconsidera a negativa experiência recente findada com a redemocratização, pois mudanças – quando necessárias – devem ser graduais, especialmente quando interferem em instituições tão sensíveis à manutenção da tranquilidade institucional de nosso juvenil estado democrático de direito.


Thiago Frederico de Souza Costa é delegado de polícia do Distrito Federal


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Quando afirma - "Tais garantias são essenciais à atividade de investigação criminal e ao fortalecimento e coesão do sistema de justiça criminal, que começa com a investigação pela Polícia Judiciária, passa pela promoção da ação penal pelo Ministério Público e se encerra com o julgamento pelo Judiciário." - na realidade se encerra na execução penal com participação das guardas prisionais e da supervisão judicial.


Matéria indicada pelo amigo Jose Andersen via face.

A POLÍCIA QUE MATA


ZERO HORA 30 de outubro de 2013 | N° 17599

EDITORIAIS


Fatos ocorridos em São Paulo são representativos da violência exacerbada nas ruas do país. Os assassinatos de dois jovens por policiais militares, em bairros da capital paulista, devem ser repudiados, assim como a agressão covarde sofrida por um oficial da corporação, durante protestos na mesma cidade. As mortes, domingo e ontem, podem ter ocorrido em abordagens desastradas, expondo o despreparo combinado com a prepotência de setores das forças de segurança, que tem exemplos também em outros Estados. O primeiro episódio mereceu o repúdio público da presidente da República. Disse textualmente a senhora Dilma Rousseff, em postagem no Twitter, que a violência contra a periferia é a manifestação mais forte da desigualdade social no Brasil.

É elogiável que a presidente procure reforçar um sentimento de todos, mas isso certamente não basta, ou todos ficaremos apenas lamentando casos como esses. A indignação é tanta, que moradores do Jaçanã e do Parque Novo Mundo, bairros em que os rapazes residiam, também reagiram com violência, queimando ônibus, bloqueando rodovias e depredando bens públicos. São atos igualmente condenáveis, mas que devem ser compreendidos em seu contexto, ou as autoridades e a sociedade estarão ignorando o fato de que expressam desesperança. Há na reação dos moradores a repetição de outras ações articuladas emocionalmente com o mesmo objetivo de dizer à polícia, aos governos, à Justiça e a todas as instituições que o sentimento generalizado, em especial entre as camadas mais pobres da população, é de que fracassarão todas as tentativas de punição e de reparação.

Por dia, morrem no Brasil mais de 20 crianças e adolescentes, nas mais variadas formas de violência, entre as quais as operações policiais. E a grande maioria das vítimas são moradores das periferias. As autoridades têm a missão de oferecer respostas a esse e a tantos outros episódios semelhantes, para que a violência não continue gerando mais violência.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - NÃO É A POLÍCIA QUE MATA!. De um lado,  policiais se defendem no enfrentamento do crime e matam para não morreram num combate mortal. Do outro lado, em menor proporção há os que matam por despreparo técnico (caso do jovem em SP), pelo perfil não adequado à polícia (caso do tenista), por estresse, pelo embrutecimento e por alto grau de intolerância no enfrentamento do crime (caso Amarildo). No primeiro caso, os policiais são heróis da sociedade e no segundo caso são criminosos que devem ser punidos individualmente e excluídos do serviço público. Não se pode generalizar a punição à Instituição Policial e à grande maioria dos policiais onde estão os qualificados tecnicamente, os preparados e os solidários e todos que arriscam a vida para defender a população contra bandidos organizados, bem armados, com potencial financeiro e motivações determinadas pelos interesses de sobrevivência e das facções a que pertencem.

ALGUÉM ESCREVE AO CORONEL



ZERO HORA 30 de outubro de 2013 | N° 17599

ARTIGOS


Celso Gutfreind*


Não sou fã de coronéis. Nem de outros militares. Até hoje, só pude gostar deles na ficção. Tive empatia pelo coronel a quem ninguém escrevia, do García Márquez. E mais aquele do lobisomem, do Cândido de Carvalho. Pelos de verdade, nunca alimentei simpatia. Pelo contrário...

Sei que defendem a soberania de um país, que podem ser imprescindíveis para a segurança. E que são fortes, embora desconhecidos, nos países escandinavos. Mas nada do que sei prevalece quando sinto que estão inseridos numa hierarquia abusiva ou quando penso em uso excessivo da força. Pior ainda, nos regimes militares e seus atentados contra as liberdades individuais.

O coronel Reynaldo Simões Rossi estava trabalhando no recente protesto em São Paulo. Tratava-se de mais uma manifestação a favor do passe livre. Como de hábito, chegaram os vândalos, membros do black bloc. O coronel foi cercado e agredido covardemente pelo grupo. Ele teve a clavícula quebrada, sofreu vários cortes no rosto, tomou pauladas na cabeça e nas costas com uma barra de ferro. Levantou-se a custo e só não foi linchado até a morte porque o acudiu um companheiro que sacou a arma.

A arma não foi disparada. E o coronel, ao ser socorrido, cambaleante, não abandonou o posto. Pelo contrário; ordenou calma a seus subordinados. A cena foi mesmo impressionante. O coronel vinha de ver a morte. Sangrava, tinha as duas omoplatas fraturadas. Não lhe faltavam motivos para reagir com a mesma violência com que seus agressores haviam danificado orelhões, caixas eletrônicos, terminais de ônibus e, pior, o próprio coronel.

No entanto, alheio à própria dor e humilhação, não arredou um centímetro de seu trabalho. E não sossegava enquanto não via os ânimos apaziguados. Adiou a ida ao hospital e o alívio da dor intensa a fim de evitar a deflagração de um caos maior. Lembrava o equilibrista, morto em plena queda, que inspirou um poema sublime do Quintana, louvando a força e a honestidade de uma profissão que não se encolhia para nada, nem mesmo para morrer, se fosse o caso.

Já sem a farda, o coronel Reynaldo ainda mantinha o olhar um palmo acima da tristeza que o mesmo olhar expressava. Atento, persistente, acima do medo. E comandava, porque era este o seu trabalho. Evitar a proliferação da violência de que acabava de ser uma vítima quase fatal. E seguir batalhando pela calma.

Aprendi muito com ele. E, porque também não posso deixar de fazer o meu trabalho, escrevo ao coronel para cumprimentá-lo. Sem que nada possa deter-me, nem vândalos nem violência externa nem preconceitos dentro de mim.

*PSICANALISTA E ESCRITOR

terça-feira, 29 de outubro de 2013

MOCHILA COM CABEÇA DO MARIDO DE PM DE UPP É DEIXADA NA PORTA DA CASA DELA


Polícia Civil está investigando o crime, mas ainda não sabe as motivações. Vítima era comerciante e jogador de futebol. Esposa faz trabalho administrativo e social na UPP de São Carlos

ANA CAROLINA TORRES E GIULLIANE VIÊGAS, DO EXTRA
ELENILCE BOTTARI
O GLOBO
Atualizado:29/10/13 - 13h36


Mochila é deixada na porta da casa de família de policial em Realengo Guilherme Pinto / Agência O Globo


RIO — Uma mochila com a cabeça do marido de uma soldado da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro de São Carlos, na Zona Norte do Rio, foi deixada na porta da casa da família, em Realengo, na Zona Oeste. De acordo com policiais militares do 14º BPM (Bangu), a vítima é o comerciante João Rodrigo Silva Santos, de 35 anos. Equipes da Divisão de Homicídios (DH) foram acionadas pela PM e investigam o crime. A cabeça foi levada para o Instituto Médico-Legal (IML).

A mochila foi encontrada por parentes da vítima quando saíam para trabalhar. A área no entorno da casa foi isolada. As motivações do crime ainda são desconhecidas. Policiais do Batalhão de Bangu fazem buscas na região à procura do corpo de João Rodrigo. Eles não descartam a hipótese de o crime ter sido praticado por traficantes de drogas.

A Divisão de Homicídios investiga o sequestro e execução do comerciante João Rodrigo Silva Santos. A polícia tenta levantar a quem pertenceria o veículo usado para acobertar o crime. Segundo testemunhas, João teria fechado sua loja por volta de 19h30, ido a academia ao lado - como de hábito - e foi rendido na hora que saía por dois homens que o levaram no próprio carro, às 19h45.

Imagens de uma câmera de segurança na Rua Piraquara, em Realengo, já estão sendo analisadas pelos investigadores. Segundo o chefe de investigação da DH, Rafael Rangel, o caso está sendo investigado como execução. A mulher da vítima, a soldado Geísa Silva, ele não sofria nenhum tipo de ameaça. Ela disse que trabalha administrativamente fazendo um trabalho social na comunidade da UPP de São Carlos.

O carro dele, um Hyundai i30, foi levado pelos bandidos e ainda está desaparecido. Ao ver que o marido demorava para chegar em casa e sem conseguir contato com ele, Geísa ligou para o 14º BPM às 21h de segunda-feira. Uma hora depois, procurou a 33ª DP (Realengo) para registrar o desaparecimento de João. Segundo Afonso Silva, irmão da policial, o casal estava junto havia 11 anos.

— Nós agora só queremos saber onde está o corpo do meu cunhado. Não temos ideia do que motivou o assassinato. Queremos Justiça e também que Realengo melhore. A região está muito violenta — disse Afonso.

Vizinhos que moram em frente à casa da PM contaram que ouviram a mulher gritando, por volta das 5h30m: "Meu Deus, é o João! É a cabeça do João!".

— Era um casal feliz, uma família tranquila. Não dá para saber o que pode ter motivado um crime estúpido como esse — disse um vizinho, que pediu para não ser identificado.

Policiais da Corregedoria da PM foram à casa da soldado para conversar com ela. A policial foi levada para a DH para prestar depoimento. De acordo com a perícia, João sofreu decapitação e teve língua e olhos arrancadados. A polícia interpreta que ele pode ter sido testemunha de alguma coisa.

Considerado uma pessoa amiga e divertida, João Rodrigo faria aniversário no próximo dia 8 e era casado há 11 anos com Geísa Silva, de 31 anos. Ele tinha um filho menor de idade de um relacionamento anterior, mas a idade não foi informada.

- Ele era uma excelente pessoa, brincalhona. É difícil acreditar no que aconteceu. Estaria com ele amanhã numa festa de amigos nossos - disse um homem que é amigo do morto há dez anos, mas pediu para não ser identificado.

Jogador de futebol

João Rodrigo era jogador de futebol e vestiu a camisa de Bangu, Madureira e Boavista - times que disputam o Campeonato Carioca -, além de clubes de Honduras e Suécia. Mineiro de Cataguases, João Rodrigo começou sua carreira no futebol nos juvenis do Bangu, quando tinha 16 anos, e foi promovido aos profissionais com 19. Seu último clube foi o Sampaio Corrêa, de Saquarema, que disputa a série B do Estadual.

Em 2000, foi artilheiro do Bangu no Campeonato Brasileiro da 2ª Divisão e ganhou o apelido em "Herói Humilde" em uma partida do Torneio Rio-São Paulo. Em 103 partidas disputadas pelo clube da Teixeira de Castro, marcou 33 gols. Atualmente, ele jogava no time do Sampaio Corrêa, de Saquarema, que disputou a Série B do Campeonato Carioca deste ano, mas também se dedicava ao comércio.

Em nota, o Bangu Atlético Clube disse que a morte está"cortando os corações dos dirigentes, funcionários e da torcida banguense. Neste momento de muita dor, o Bangu se solidariza com a família e pede a Deus que os console".

AS RAZÕES DA COVARDIA


FOLHA.COM 29/10/2013 - 03h30


Benedito Roberto Meira


O coronel Reynaldo Rossi, um dos melhores homens da Polícia Militar, um negociador por natureza e obrigação, foi agredido covardemente por um bando na noite de sexta-feira. Para evitar o pior, deixou de usar sua arma. Os selvagens o teriam linchado se ele não tivesse recebido ajuda de colegas policiais.

E por que esses ditos manifestantes, adeptos do que eles e parte da imprensa afirmam ser "uma tática de protesto", cometeram mais esse crime? Em primeiro lugar, porque é isto que eles são, criminosos, covardes e violentos. Não são manifestantes coisa nenhuma. Os manifestantes verdadeiros são aqueles que têm uma causa e usam o protesto legítimo para fazer pressão. Esse é um direito que lhes é garantido pela Constituição e que a Polícia Militar tem agido para proteger.

Mas os vândalos nem mesmo têm um objetivo. Ou melhor, seu objetivo é pura e simplesmente a depredação de patrimônio público e privado. Sua causa, portanto, é o crime.

Em segundo lugar, eles são violentos porque a lei permite -na verdade, obriga- que os arruaceiros não fiquem detidos, mesmo que tenham sido presos em flagrante. Suas ações são classificadas como crime de dano, artigo 163 do Código Penal. A pena prevista é de detenção, de um a seis meses, ou multa. Os que destroem patrimônio público e usam de violência contra pessoas em seus atos de vandalismo estão sujeitos a uma pena de seis meses a três anos.

Ora, com essa pena, as pessoas, quando detidas, se veem livres depois de prestar esclarecimentos numa delegacia e assinar um "termo circunstanciado de ocorrência", registro de uma "infração de menor potencial ofensivo". Alguns delegados, corretamente, têm aberto inquéritos contra vândalos por formação de quadrilha ou bando, o que permite pedir prisão preventiva.

Mas é preciso provar uma "associação estável ou permanente" entre os indivíduos acusados.

Trata-se de uma investigação complexa, pois esses bandidos não são bobos. Para isso, foi criada uma força-tarefa da Polícia Civil, Polícia Militar e Ministério Público, e está em andamento um inquérito sob o comando do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).

Pela lei, a Polícia Militar não pode agir preventivamente contra os mascarados antes que eles cometam seus crimes. Até o momento em que eles fingem ser manifestantes, infelizmente, nada pode ser feito -a não ser que se tenha uma acusação ou medida cautelar contra eles; daí a importância desse inquérito e da compreensão do Judiciário.

Há uma terceira razão que explica o destemor desses covardes que agrediram o coronel Reynaldo Rossi. Pela lei, atacar um policial é equivalente a participar de uma briga de rua. Em muitos países, agredir um agente da lei é um crime grave.

Herman Tacasey



Falta à legislação brasileira reconhecer que policial, em sua função, personifica o Estado, ao qual a sociedade atribuiu o dever de fazer uso legítimo da força na defesa da lei e na prevenção ao crime. Isso precisa mudar, como defendeu o governador Geraldo Alckmin.

Tenho certeza de que o inquérito em andamento chegará a bom termo e muitos vândalos vão ser presos. Mas não serão todos, pois eles são muitos. Certamente seu ímpeto deve diminuir.

Mas eles não sumirão simplesmente.

A Polícia Militar continuará agindo para garantir o direito de manifestação, atuando para restabelecer a ordem. Quando e se algum de seus membros errar, a Polícia Militar, como tem feito, continuará a investigar os fatos e punir os responsáveis. Enfim, continuará cumprindo a lei.

É importante, porém, que a sociedade, inclusive os legítimos manifestantes, por meio de seus representantes e suas instituições, mostre claramente que não aceita a violência dessa minoria de baderneiros, que não vê neles manifestantes legítimos, que não considera seus atos o exercício de um direito.


BENEDITO ROBERTO MEIRA, 51, é coronel e comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo

*

DECAPITAÇÃO E GRANADA

O ESTADO DE S.PAULO, 29 de outubro de 2013 | 9h 01

AE - Agência Estado

Marido de policial é decapitado no Rio. Mochila com a cabeça foi deixada na frente da casa da família em Realengo, zona oeste da cidade

A Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio investiga um homicídio brutal ocorrido em Realengo, zona oeste da cidade. Uma mochila contendo a cabeça decapitada do marido de uma policial militar que atua na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Mangueira, na zona norte, foi deixada diante da casa dela na madrugada desta terça-feira, 29, na esquina das ruas Laura Dias e Rosa Martins.

Segundo os policiais militares do 14º BPM, em Bangu, o homem foi assaltado na porta de seu estabelecimento, próximo à Comunidade Minha Deusa, em Realengo, na noite de segunda-feira, 28. Ele foi levado em seu carro, um I30. Sua mulher foi à delegacia da região para registrar o desaparecimento do marido.

Na manhã desta terça-feira, por volta das 6h, ela ouviu uma movimentação na frente de sua residência e foi até o portão. Na calçada ela reconheceu a mochila do marido e, ao abrir, se deparou com a cabeça dele. Policiais militares realizam buscas na região para localizar o carro e o corpo. Até o momento, não há pistas da motivação do crime.


Adriano Barcelos - O Estado de S. Paulo

No Rio, bando lança granada contra PMs em assalto frustrado na Lapa. Um policial ficou ferido, sem gravidade; os três homens, que tentavam roubar lotérica, foram detidos

RIO - Assaltantes lançaram uma granada contra policiais militares em uma tentativa de assalto a uma casa lotérica da Lapa, na zona central do Rio, na manhã desta terça-feira, 29.

Três homens praticavam o assalto na Rua Gomes Freire, por volta de 9h40, e foram surpreendidos pelos PMs. Na tentativa de fuga, o trio lançou uma granada. O artefato feriu um dos PMs, que não corre risco de morrer. Os bandidos foram alcançados na Rua dos Inválidos, ainda na Lapa, e conduzidos até a delegacia de polícia que fica em outro ponto da Gomes Freire.


LARANJAS CORTADAS NÃO PARAM EM PÉ

PORTAL FENAPEF, 25/02/2012

CICLO COMPLETO

Por: Marcos Rolim




As recentes greves e mobilizações de policiais em vários Estados são um reflexo tardio de uma crise profunda que ultrapassa em muito as reivindicações salariais. Para se compreender a natureza dos fenômenos em curso, é preciso, primeiramente, observar que as duas polícias que atuam nos Estados (Civil e Militar) possuem suas origens respectivas em “campos” (no sentido de Bourdieu) determinados – que não representam especificamente os desafios da segurança pública: as Polícias Civis emergiram do campo do Direito, e as Polícias Militares, do campo da Defesa. Suas origens remontam à criação, em 1808, da Intendência Geral de Polícia da Corte e, um ano após, da Guarda Real da Polícia da Corte, por Dom João VI.

Essas estruturas, é oportuno lembrar, não surgiram para o enfrentamento das dinâmicas criminais ou para a garantia dos direitos da cidadania, mas – como ocorreu também na grande maioria dos Estados modernos – para atender à necessidade de contenção de distúrbios sociais antes enfrentados diretamente pelas Forças Armadas. Por conta desse pertencimento original, as instituições policiais foram “mimetizando” os campos da Defesa e da Justiça. Assim, durante muito tempo, as polícias estaduais atuaram como se exércitos fossem. A Força Pública de São Paulo contou com artilharia aérea e esteve envolvida em conflitos em vários Estados. Em 1905, essa polícia contratou a Missão Francesa, recebendo dela instrução militar, 12 anos antes do Exército. Em 1932, travou guerra contra o Exército, disputa que Getúlio Vargas só venceu por contar com o apoio da polícia mineira. Isso estimulou a Constituição de 1934 a declarar as forças públicas estaduais como “forças auxiliares e de reserva do Exército”, disposição que permanece até hoje.

De outra parte, as polícias civis transformam-se em “filtros” do Poder Judiciário, selecionando os fatos que mereceriam apreciação dos magistrados. De novo, a força mimética, com o inquérito policial operando como um “pré-processo” penal, em que se forma a culpa sem as garantias do contraditório e da ampla defesa – em desrespeito, portanto, à ordem igualitária que segue sendo declarada pela lei, mas violada pelo modelo. O inquérito policial, assinale-se, é outra característica do nosso modelo que se afasta da experiência internacional e que é, sabidamente, contraproducente.

Praças das PMs identificam no espelhamento de sua corporação com as Forças Armadas um dos problemas mais sérios da instituição. A maioria deles, inclusive, desejaria uma polícia desmilitarizada. Já a maioria dos oficiais preza o reflexo e atribui destacada importância às noções de disciplina e hierarquia típicas do Exército. De outra parte, os integrantes das carreiras iniciais das PCs não se identificam como “operadores do Direito”; o que demarca uma diferença plena de repercussões com a autoimagem dos delegados, bacharéis em Direito, que lutam pela equiparação funcional com as chamadas “carreiras jurídicas”.

Importa perceber, então, que – em contraste com as nações modernas – os esforços pela “policialização” das polícias (conforme a expressão de Karnikowski) e pela formação de um “campo da segurança pública” ainda não foram concluídos no Brasil. Como assinala Mateus Afonso Medeiros, “está incompleta a conquista democrática da separação institucional Polícia-Justiça e Polícia-Exército”.

O que há de mais notável no modelo de polícia construído no Brasil, entretanto, deriva da opção pela repartição do ciclo de policiamento. A instituição policial moderna em todo o mundo desempenha suas funções a partir do que se denomina “Ciclo Completo de Policiamento”; em outras palavras: as polícias modernas são instituições profissionais cujo mandato envolve as tarefas de 1) manutenção da paz pública, 2) garantia dos direitos elementares da cidadania, 3) prevenção do crime e 4) apuração das responsabilidades penais. Mas, no Brasil, se entendeu que uma das polícias – a Militar – seria encarregada da “prevenção”, pela presença ostensiva do patrulhamento fardado e outra – a Civil – seria encarregada da investigação criminal. Assim, a especialização entre patrulheiros e investigadores, em todo o mundo feita dentro das polícias, foi aqui dividida entre duas instituições com culturas e estruturas completamente distintas. O resultado é que nunca tivemos duas polícias nos Estados, mas duas “metades de polícia”, cada uma responsável por metade do ciclo de policiamento.

A bipartição do ciclo impede que os policiais encarregados da investigação tenham acesso às informações coletadas pelos patrulheiros. Sem profissionais no policiamento ostensivo, as Polícias Civis não podem contar com um competente sistema de coleta de informações. Não por outra razão, recorrem com tanta frequência aos “informantes” – quase sempre pessoas que mantêm ligações com o mundo do crime, condição que empresta à investigação limitações estruturais e, com frequência, dilemas éticos de difícil solução. As Polícias Militares, por seu turno, impedidas de apurar responsabilidades criminais, não conseguem atuar efetivamente na prevenção, vez que a ostensividade – ao contrário do que imagina o senso comum – não previne a ocorrência do crime, mas o desloca (potenciais infratores não costumam praticar delitos na presença de policiais; mas não mudam de ideia, mudam de local).

Patrulhamento e investigação são, na verdade, faces de um mesmo trabalho que deve integrar as fases do planejamento da ação policial, desde o diagnóstico das tendências criminais até a formulação de planos de ação, monitoramento e avaliação de resultados. No Brasil, isso se tornou inviável. Mas, como laranjas cortadas ao meio não permanecem em pé, as polícias intuem que precisam do ciclo completo (da outra metade). Por isso, historicamente, ambas procuram incorporar as “prerrogativas de função” que lhes faltam, o que tem estimulado a conhecida e disfuncional hostilidade entre elas, traduzida pela ausência de colaboração e, não raro, por iniciativas de boicote. Não satisfeito com a bipartição do ciclo, nosso modelo de polícia – também de forma inédita – ainda estabeleceu diferentes “portas de entrada” para cada polícia, o que gerou novo “corte” – agora horizontal – dentro das corporações: nas PMs temos duas partes, oficiais e não oficiais, e nas PCs, delegados e não delegados. Entre estas “partes” de polícia há um abismo de prestígio, poder, formação e remuneração que é, cada vez mais, insuportável. A ausência de carreira única em cada polícia, com efeito, inviabiliza a instituição policial brasileira, porque reafirma a desigualdade, estimula o autoritarismo e consagra privilégios; promovendo, muito compreensivelmente, uma “guerra” não declarada dentro das corporações. Também por isto, nossas polícias não conseguem completar seus efetivos e parcelas expressivas de policiais apenas aguardam oportunidade para deixar suas instituições. O problema da evasão, é claro, vincula-se também aos baixos salários. Esta realidade, por sua vez, agencia outras distorções, entre elas o “bico” e a formatação de jornadas absolutamente irracionais para a lógica do serviço público, mas funcionais para a prevalência do segundo emprego. Assim, por exemplo, jornadas de 24 por 72 horas (ou seja: plantões de 24h seguidos por três dias de folga) tornaram-se comuns nas polícias civis no Brasil, oferecendo exemplo de como se impedir que uma instituição funcione minimamente.

Policiais com um segundo emprego, entretanto, assumem vários riscos. Um estudo de Maria Cecília de Souza Minayo e Edinilsa Ramos Souza revelou que, dos 4.518 policiais mortos e feridos por todas as causas, de 2000 a 2004, no Estado do RJ, 56,1% foram vitimados durante as folgas. O “bico”, entretanto, é só a ponta de um iceberg de distorções que tendem a se avolumar e cujo desfecho aponta para a formação das milícias – de longe o mais sério problema de segurança pública em alguns Estados, com destaque para o Rio.

Mas a violência sofrida pelos policiais não lhes ameaça apenas desde o “exterior”. O amplo estudo que realizamos com Silvia Ramos e Luiz Eduardo Soares (disponível em http://bit.ly/x4PWnf) chamou atenção para o fato de que parte expressiva da violência sofrida pelos profissionais da segurança pública ocorre no interior das suas corporações. Assim, por exemplo, 20% dos policiais brasileiros são vítimas de tortura em seus processos de “formação”; 53,9% deles já foram humilhados pelos superiores hierárquicos e mais de um quarto dos policiais entende que sua corporação já lhes negou ou cerceou o direito de defesa. Além disso, 61,1% deles afirmaram já terem sofrido tratamentos discriminatórios pelo fato de serem policiais civis ou militares, bombeiros, guardas municipais ou agentes penitenciários e pelo menos 16% das mulheres que atuam nestas instituições já foram vítimas de assédio sexual em suas corporações.



Desrespeitados como cidadãos, obrigados a um cotidiano embrutecedor e sem qualquer apoio psicossocial, desvalorizados profissionalmente, desestimulados ao estudo e à reflexão e, não raro, “adestrados” pelo autoritarismo, estes policiais irão para as ruas nas piores condições, tendendo a reproduzir a mesma desconsideração em suas relações com o público, destacadamente quando tratarem com pobres e marginalizados. O círculo de estupidez e ineficiência, então, se completa com os resultados conhecidos.



No passado, alguns dos críticos do modelo levantaram a bandeira da unificação das polícias. Uma sugestão plena de boas intenções, mas completamente equivocada. Múltiplas estruturas de policiamento conformam uma das características mais importantes dos modelos contemporâneos de segurança pública na grande maioria dos países democráticos. Inglaterra e País de Gales possuem 43 forças policiais autônomas; a Noruega possui 54 polícias distritais; a Escócia, oito polícias regionais; os Estados Unidos possuem pelo menos 25 mil polícias autônomas; a Bélgica, 2.359; o Canadá tem 450 polícias municipais, além de várias forças provinciais e da Royal Canadian Mounted Police. Poucas nações possuem polícia única (Sri Lanka, Cingapura, Polônia, Irlanda e Israel). Polícias menores são mais facilmente administradas e avaliadas. São também mais ágeis e tendem à especialização. Instituições policiais enormes, pelo contrário, são de difícil manejo e supervisão. Também por isso, eventual unificação das polícias no Brasil tenderia a somar os defeitos das instituições que temos, subtraindo suas virtudes. Por fim, a unificação agregaria risco considerável à democracia, incluindo a possibilidade de “emparedamento” do Estado por demandas corporativas.



O caminho da reforma, pelo contrário, deve estimular o surgimento de novas instituições policiais, além de integral autonomia aos Bombeiros e às perícias; tendência que – apesar dos limites constitucionais – já se impõe no Brasil, que formou uma Guarda Nacional e cujos municípios têm constituído Agências de Fiscalização de Trânsito e Guardas Municipais (que, embora sem este nome, polícias são). O fundamental é que todas elas tenham o ciclo completo de policiamento (o que no Brasil só a Polícia Federal possui) e carreiras únicas (uma única porta de entrada em cada polícia) como no resto do mundo. Esta é a base para que possamos ter polícias eficazes e para que as noções de segurança sejam fundadas em evidências científicas e não na cultura institucional do atraso e do preconceito. Este é também o caminho para que tenhamos polícias comunitárias acostumadas ao controle social e aos processos de prestação de contas e responsabilização pública (accountability).

Para que a existência de várias polícias com ciclo completo não seja redundante e não implique novas disputas, deve-se optar por um dos seguintes caminhos: ou se estabelece uma base distrital para cada polícia (modelo britânico) ou definimos responsabilidades distintas para as polícias de acordo com tipos criminais (o que caracteriza, em grande parte, a experiência americana). Tendo presente a história centenária das polícias militares e civis no Brasil, seria de todo desaconselhável que elas fossem reorganizadas para atuar a partir de bases distritais exclusivas. O mais adequado seria a divisão de vocações por tipos penais. Assim, por exemplo, as Polícias Civis poderiam tratar de crimes contra a vida, sequestros, crimes sexuais, tráfico de drogas e crimes do “colarinho branco”, enquanto as Polícias Militares poderiam cuidar dos delitos patrimoniais (furtos e roubos) e da manutenção da paz pública. Em um sistema do tipo, as Guardas Municipais poderiam responder aos conflitos de “baixa densidade” como arruaça, vandalismo, disputas entre vizinhos, importunação ao sossego, violência doméstica etc. Uma divisão do tipo tornaria possível que tivéssemos um sistema de segurança pública no Brasil, encerrando a pré-história das polícias brasileiras.

Reformas desta natureza exigem, por óbvio, um amplo esforço político, vez que nosso modelo de polícia foi, inacreditavelmente, inserido na Constituição Federal, notadamente em seu art. 144. Tendo em conta a destacada inaptidão do Congresso Nacional para reformar o que quer que seja e o notório desinteresse do governo federal sobre este tema, deve-se reconhecer que as perspectivas não são alentadoras. Os governadores poderiam constituir esta agenda. Afinal, é nos Estados que a crise se instala e – observados princípios gerais – se deveria permitir margem de autonomia aos entes da federação para que pudessem reformar e/ou instituir suas próprias polícias. Seja como for, nunca a crise do modelo de polícia no Brasil foi tão evidente. O que não nos garante qualquer solução. Afinal, convivemos com uma realidade política na qual tem sido preferível não pensar, não discutir e não fazer. Só por isso, as greves e protestos dos policiais têm um sentido histórico. Em seus acertos e em seus erros, as mobilizações introduziram um dado novo: os policiais exigem mudanças. Resta saber se alguém saberá interpretar este sentimento.


Marcos Rolim é Professor da cátedra de Direitos Humanos do IPA, autor de “A Síndrome da Rainha Vermelha” (Zahar/Oxford University, 2006)


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -O Marcos Rolim é mais dos "especialistas" que "esquecem" a perícia, importante segmento do ciclo completo, e desprezam a interação da polícia num sistema de justiça criminal que fundamenta a existência dos três segmentos do ciclo completo. Outro ponto é diabolizar o militarismo das PM como inibidor do ofício policial, quando na verdade as melhores polícias do mundo são militarizadas (paramilitares), inclusive as consideradas civis, justamente pela necessidade de atuação em algumas funções onde a hierarquia, a disciplina e a obediência devida são essenciais para e execução da ação policial.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

NÃO MUDAREMOS A NOSSA POSTURA, DIZ CMT AGREDIDO

O Estado de S. Paulo 28 de outubro de 2013 | 10h 04

'Não mudaremos a nossa postura', diz coronel agredido sobre diálogo com manifestantes. O oficial Reynaldo Simões Rossi, atacado durante o protesto de sexta-feira em São Paulo, defendeu a negociação com organizadores dos atos, mas pregou endurecimento com radicais

SÃO PAULO - O coronel Reynaldo Simões Rossi, agredido durante a manifestação do Movimento Passe Livre na sexta-feira, 25, afirmou à Rádio Estadão nesta segunda-feira, 28, que não mudará a prática de dialogar com os organizadores dos atos. Ele defendeu a estratégia de tentar afastar a minoria de 'criminosos e vândalos', nas suas palavras, do restante da massa que participa dos protestos. "Nós não mudaremos a nossa postura", disse. "Há um conjunto de procedimentos operacionais que são adotados. Se, infelizmente, esses episódios de depredação e agressão acontecem, é justamente porque esses grupos se apropriam das manifestações legítimas".


Alex Silva/Estadão
Coronel Rossi: fratura na escápula após espancamento

Em meio à invasão do Terminal Parque D. Pedro II na sexta à noite, o coronel Rossi, chefe do Comando de Policiamento de Área Metropolitana 1 (CPAM1), foi cercado, espancado e acabou perdendo a arma e o rádio. Atingido por uma placa de ferro por manifestantes mascarados, o oficial sofreu fratura na escápula e submetido a uma tomografia no Hospital das Clínicas, de onde saiu no sábado após receber alta.

Integrantes da Polícia Militar chegaram a chamar os agressores de "bando de criminosos". O governador Geraldo Alckmin e a presidente Dilma Rousseff também repudiaram as agressões e os atos de vandalismo. Após a entrada a invasão, o Terminal Parque D. Pedro II ficou completamente destruído: ônibus, lojas, caixas eletrônicos e catracas foram depredados.

Sobre a responsabilidade de manter a tropa sob controle após ataques a PMs, o coronel Rossi disse que apenas seguiu normas da corporação. "Em todas as manifestações, independente do tema, os nosso pressupostos são garantir o livre direito de manifestação, tentar impedir ou minimizar o dano ao patrimônio e agressões a pessoas."

Recuperação. O coronel disse que seu diagnóstico 'foi favorável' e que deve se recuperar antes de alguns policiais que foram feridos em outros atos. "Quero frisar que quem foi ferido na sexta-feira não era um coronel, e sim mais um policial militar que estava representando o Estado".

Um dos acusados de agredi-lo, Paulo Henrique Santiago dos Santos, de 24 anos, foi identificado nas imagens feitas durante a agressão. Ele foi autuado e enviado ao Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém. A ação causou revolta na cúpula da PM, que prometeu uma "resposta dura" aos black blocs.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, afirmou deste domingo, 27, que a lei deveria ser mais rígida com quem agride policiais. "Precisamos aperfeiçoar a legislação. Quem agride policial, que é um agente do Estado e está ali para trabalhar e defender a sociedade, deve ter a pena agravada. É inadmissível isso."

O coronel Rossi também defendeu o endurecimento das pena contra agressores de policiais. Ele propôs que os flagrados cometendo atos de vandalismo ou agressões sejam impedidos de participar de novos atos enquanto não são julgados. "Acho que temos que aperfeiçoar o conjunto legislativo atual. As agressões a policial militar, representante do Estado, bem como os episódios de depredação, têm uma punição extremamente branda, que poderia ser cumulada com algumas medidas restritivas."


26 de outubro de 2013 | 21h 53

‘Este ano, 70 colegas já foram feridos’, diz coronel da PM agredido. Com a escápula quebrada, Reynaldo Rossi diz que fim da violência nas manifestações depende da ajuda dos próprios manifestantes

Bruno Ribeiro - O Estado de S. Paulo



O coronel da Polícia Militar Reynaldo Simões Rossi disse ao Estado que o vandalismo é o maior inimigo dos protestos. “As pessoas que participam de manifestações devem entender que a polícia sempre estará presente. E elas devem ver a polícia como parceira.”

O que houve de errado? O que deve mudar?

O direito de se manifestar será sempre garantido pela polícia. Mas permitir que as manifestações ocorram de forma livre não depende apenas da polícia. Os manifestantes precisam ter responsabilidade e se separarem dos criminosos. E nos ajudar a identificá-los. O silêncio dos bons é muito pior do que o ruído dos ruins. Neste ano, já atuamos em 200 manifestações. Tenho certeza de que é a minoria de pessoas que está disposta ao vandalismo. Há os que não querem negociação. Atacam a PM porque é o Estado ali. É o Big Brother deles, a hora de aparecer.

As punições precisam ser diferentes?

É a sociedade que tem de discutir isso. Quem é preso sistematicamente nesses atos poderia ter de se apresentar na delegacia nos dias de protesto (como ocorre com integrantes de torcidas organizadas).

Por que o senhor estava naquele ponto onde foi agredido?

O comando da operação não era meu, mas costumo acompanhar os atos a distância para fazer a análise crítica depois (para corrigir erros de planejamento). Segui o ato todo. Estava na Praça da Sé, onde ele deveria terminar, mas o MPL achou por bem terminar no Parque D. Pedro. Seguia para lá quando eu e meu motorista, que foi um herói, vimos um grupo destruindo pontos de ônibus e os detivemos. Nisso, os criminosos que já fugiam do terminal nos cercaram. Mas é importante dizer que não foi um coronel que foi agredido. Foi um policial fardado. Fui só mais um policial ferido. Neste ano, só na minha região, 70 policiais já ficaram feridos trabalhando em manifestações. Alguns deles ainda estão convalescendo.

O senhor viu o vídeo com as cenas da sua agressão?

Vi algumas partes, mas penso que o que passou, passou. Ser policial é sempre correr riscos.

PM FORAM OBRIGADOS A OCULTAR PROVAS NO CASO AMARILDO



FOLHA.COM, 28/10/2013 - 12h49

PMs contam que foram obrigadas a ocultar provas no caso Amarildo

DO RIO


Quatro soldados, todas mulheres, contaram ao Ministério Público estadual do Rio que receberam ordens de policiais superiores para ocultar provas da tortura a que foi submetido o ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, em 14 de julho passado. As revelações foram feitas pela TV Globo e exibidas na manhã desta segunda-feira (28).

Até o momento, 25 policiais, lotados na UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha foram denunciados pelo desaparecimento de Amarildo. Deste total, 13 estão presos e outros 12 respondem em liberdade. Todos os presos negam as acusações de que teriam torturado o ajudante de pedreiro e ocultado o seu cadáver.

Demorou pouco mais de três meses para que as quatro policiais prestassem depoimento contra os PMs da UPP. Um delas disse que a tortura durou cerca de 40 minutos. Essa policial revelou ter ouvido gritos de socorro atrás da unidade. Então, neste momento foi até a frente da sala e colocou as mãos sobre os ouvidos para não ouvir o que estava acontecendo.

"Isso não se faz nem com um animal", teria dito na ocasião. Ela revelou que após as agressões praticadas pelos policiais, tudo ficou em silêncio. Então, ela disse ter ouvido risos. A policial está denunciada por omissão à tortura. Segundo entendimento do Ministério Público estadual, a policial era uma entre os 12 PMs que estavam no local e que poderiam ter evitado a tortura contra o ajudante de pedreiro.

As soldados disseram que foram obrigadas pelos superiores a ficar dentro da sede da UPP, junto com outros colegas de farda. "Todo mundo ouvindo o que estava acontecendo, uma óbvia tortura ali. E aí uma das policiais fala: 'Com esse barulho não dá pra trabalhar'. Não é assim: 'O que está acontecendo? Alguém está sendo torturado?' É 'com esse barulho não dá pra trabalhar'.

O depoimento teria sido prestado pela policial Rachel de Souza Peixoto. Ela pertence ao grupo de 25 PMs que se tornaram réus no caso.

Após reclamar da situação, o major Edson Santos, então comandante da unidade, manda o tenente Luiz Felipe de Medeiros resolver a situação. Segundo o depoimento da policial, nenhum dos dois PMs demonstrou estar surpreso com o que acontecia atrás do contêiner da UPP onde estaria acontecendo a tortura.

Com os depoimentos, os promotores do Gaeco (Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado) entendem que após a tortura à Amarildo de Souza o seu corpo foi enrolado em um plástico preto e retirado pelo teto de uma cobertura montada atrás do contêiner e levado para a mata.

O que foi feito com o corpo do ajudante de pedreiro ainda não foi revelado pelas investigações. Policiais da Divisão de Homicídios realizaram perícias no local em busca de indícios que apontassem o que pode ter acontecido com o corpo de Amarildo de Souza. No local onde o ajudante de pedreiro foi torturado, os policiais da UPP lavaram e criaram um depósito de equipamentos para dificultar as investigações.


23/10/2013 - 20h09
Justiça mantém transferência de major preso pela morte de Amarildo

DO RIO



A 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio determinou que o ex-comandante da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, o major da Polícia Militar Edson dos Santos e o tenente Luiz Felipe de Medeiros permaneçam detidos na penitenciária de Bangu 8, zona oeste da cidade.

Eles são acusados de envolvimento no desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, 43, em 14 de julho passado.

Tanto o major como o tenente foram levados inicialmente para o Batalhão Especial Prisional --cadeia onde ficam os policiais militares detidos no Rio--, em Benfica, na zona norte do Rio, juntamente com outros oito denunciados, mas, a pedido do Ministério Público estadual, os oficiais foram transferidos para Bangu 8.

Os promotores do Ministério Público informaram ter recebido denúncias anônimas de que o major e o tenente estariam exercendo influência sobre os demais réus do processo.

O advogado Saulo Salles que defende os dois policiais alegou que a transferência aconteceu baseado em provas sem consistência. Salles ainda apresentou ao desembargador Marcus Quaresma declarações dos outros oito presos informando que nunca foram coagidos pelo major Edson Santos.

O argumento não convenceu ao desembargador que tomou a decisão de mantê-los em Bangu. O caso será levado ao colegiado da Câmara Criminal para que se decida definitivamente sobre a situação. A data ainda não foi definida.

PRESOS

Os três PMs que tiveram as prisões decretadas pela Justiça ontem se apresentaram nesta quarta-feira e seguiram para o Batalhão Especial Prisional. Eles são os sargentos Reinaldo Gonçalves e Lourival Moreira, e o soldado Wagner Soares.

Até o momento, 25 PMs foram denunciados por envolvimento no desaparecimento do ajudante de pedreiro. Destes, dez estão presos há 20 dias. Com a apresentação dos três PMs na tarde de ontem, outros 12 vão responder em liberdade. Eles são acusados de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.

Amarildo de Souza desapareceu após ser levado para a sede da UPP há pouco mais de três meses.

Após depoimentos, durante as duas últimas semanas no Ministério Público estadual foram identificados quatro policiais militares que participaram ativamente da sessão de tortura a que Amarildo foi submetido ao lado do contêiner da UPP da Rocinha.

De acordo com a promotora Carmem Elisa Bastos, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado), o tenente Luiz Medeiros, o sargento Reinaldo Gonçalves e os soldados Anderson Maia e Douglas Roberto Vital torturaram Amarildo depois que ele foi levado para uma averiguação na base da UPP.

Os promotores do MP ainda suspeitam que outros PMs tenham participado da tortura contra o ajudante de pedreiro.

CRIMINALIZAÇÃO DOS PROTESTOS E VIOLÊNCIA POLICIAL NO BRASIL

CARTA CAPITAL, 26/10/2013 - Copyleft

Criminalização dos protestos e violência policial no Brasil ameaçam princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Segundo a organização, criminalização dos protestos e violência policial no Brasil ameaçam princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito





A Anistia Internacional vê com grande preocupação a crescente criminalização dos protestos e de seus manifestantes no país. Fatos recentes sugerem a intenção por parte das autoridades públicas de utilizarem diversos tipos penais severos e que não se aplicam no contexto de protestos populares como forma de criminalizar e inibir os manifestantes.

Em São Paulo, no início de outubro, um casal que participava de uma manifestação foi preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, de caráter repressivo e aprovada durante a ditadura militar, sob a suposta acusação de vandalismo.

No Rio de Janeiro, a repressão e a criminalização dos manifestantes tem ficado mais evidente.

Desde junho de 2013, a violência e arbitrariedade policial, assim como as tentativas de criminalização dos manifestantes pela polícia civil e militar fluminense, tem se intensificado. Há evidências da realização de prisões ilegais ou com base em flagrantes forjados pelos próprios policiais.

No protesto do último dia 15 de outubro, no Rio de Janeiro, dezenas de pessoas foram detidas de forma arbitrária e encaminhadas para delegacias de polícia. A polícia utilizou alguns ônibus para levar de forma aleatória pessoas que ocupavam pacificamente a Câmara Municipal ou estavam nas imediações do Teatro Municipal para as delegacias, onde ficaram detidas por toda a noite. Cerca de 80 acabaram presas e indiciadas, incluindo adolescentes, em diversos crimes como formação de quadrilha, dano ao patrimônio público, incêndio e corrupção de menores.

A polícia civil tem enquadrado a maioria dos manifestantes no crime de formação de quadrilha e começa a aplicar recente Lei sobre Organizações Criminosas (Lei 12850 de 02/08/2013) que prevê penas de 3 a 8 anos de reclusão. Segundo a Lei considera-se “organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”. Essa lei seria aplicada em casos que incluem crimes relacionados a organizações terroristas internacionais e, assim como a Lei de Segurança Nacional, não deveria ser utilizada nos contextos de protestos e manifestações.

Muitos dos manifestantes presos relatam que sofreram terror psicológico e ameaças, sendo que alguns foram levados para o presídio de segurança máxima de Bangu. Passados alguns dias do protesto, a maior parte dos presos foram liberados e alguns tiveram o indiciamento desqualificado pelo poder judiciário, em um claro indicativo da natureza arbitrária dessas prisões.

Estas práticas das forças de segurança tem violado o inciso LXI, do artigo 5º da Constituição Federal, que determina que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, assim como o artigo 9º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

A Anistia Internacional clama para que o Estado brasileiro, em especial o governo do estado do Rio de Janeiro, respeite os direitos dos cidadãos de protestarem e se manifestarem pacificamente, assim como interrompa as prisões arbitrárias e o processo de criminalização desses manifestantes, que tem se dado em clara violação à Constituição Federal, colocando em risco os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.


Créditos da foto: Mídia NINJA

domingo, 27 de outubro de 2013

O ESPÍRITO DA TORTURA



















ZERO HORA 27 de outubro de 2013 | N° 17596

EDITORIAL INTERATIVO


Depois de quatro meses de uma investigação policial respaldada por intensa campanha nas redes sociais, o país finalmente conheceu os detalhes do sequestro, da tortura e da morte do ajudante de pedreiro carioca Amarildo de Souza, por policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha, no Rio de Janeiro. Com base nos depoimentos de testemunhas, no relato dos envolvidos e em mais de 32 mil ligações telefônicas interceptadas, além de provas periciais, o Ministério Público daquele Estado denunciou nesta semana mais 15 PMs, totalizando 25 acusados pelo assassinato. São pessoas que, de alguma forma, por ação ou omissão, contribuíram com um crime inominável, que ressuscita o fantasma da tortura como método de confissão, expediente abominável dos regimes ditatoriais que, infelizmente, sobrevive em plena democracia brasileira.

A apuração mostrou que foram quatro soldados os autores diretos da atrocidade, mas vários outros colaboraram tanto para a prática do delito quanto para sua ocultação. Isso não significa que todos os envolvidos compactuam com os métodos medievais empregados pelos torturadores. O que está por trás dessa conivência é o corporativismo imposto por um comando autoritário e pelo poder de intimidação dos delinquentes fardados, que amea-çam colegas para contar com o seu silêncio e para torná-los cúmplices de seus atos. Trata-se, portanto, do espírito da tortura mantido vivo por agentes policiais armados para defender os cidadãos – e não para descarregar seus maus instintos sobre culpados e inocentes.

Mesmo que Amarildo fosse um criminoso, não poderia ter sido submetido ao tratamento desumano que causou sua morte. Segundo o relato de testemunhas ouvidas pelo MP, ele foi preso arbitrariamente num bar da comunidade, arrastado por oito policiais apesar dos protestos de sua mulher e levado para o interrogatório. Ao chegar à sede da UPP, foi colocado num depósito, submetido a choques elétricos, asfixiado com saco plástico na cabeça, afogado num balde e agredido até morrer. Então, os criminosos trataram de se desfazer do cadáver, que não foi encontrado até agora. Para isso, contaram com a proteção e o silêncio de outros policiais.

O deplorável episódio não desmerece o projeto das UPPs, que vem reduzindo a criminalidade e confortando a população em áreas até então dominadas pelo tráfico de drogas. Nem pode ser utilizado para deslustrar a imagem das polícias militares do país, majoritariamente reconhecidas pela população. Mas evidencia a permanência nessas corporações de focos de uma mentalidade incompatível com os direitos mais elementares do ser humano, que precisa ser repudiada e combatida até sua extinção.

O editorial acima foi publicado antecipadamente no site de Zero Hora, na quinta-feira, com links para Twitter e Facebook. Os comentários para a edição impressa foram selecionados até as 18h de sexta-feira. A questão proposta foi: Editorial condena o uso de tortura em interrogatórios policiais. O que você acha?

O Leitor Concorda:

Concordo plenamente. Acho que a forma mais covarde de se obter a verdade é por meio da violência, e mais covardes ainda são esses policiais despreparados que usam o nome da corporação para tirar vantagem.

Alda Pegoraro Roeder – Nova Prata (RS)

Não concordo com o método de tortura para conseguir confissões em interrogatórios. Não podemos retroceder no tempo. Sabe-se que o ser humano, quando levado ao limite da dor física ou psicológica, pode entrar em confusão mental. Motivo este que em nosso país a pena de morte não pode vigorar porque, com o uso de tais métodos, pessoas inocentes, para não sofrer, certamente assumiriam crimes que não cometeram. A polícia está para proteger o cidadão e não para se tornar mais um algoz.

Jefferson Brasil Freitas – Cachoeirinha (RS)

Que fiquem as torturas para o período da ditadura militar. Em tempos de democracia, existem melhores formas de se fazer justiça, sem ter a dor como pano de fundo.

O Leitor Discorda

Aline Santos – Canoas (RS)

Desculpem-me, senhores editores, mas não concordo com o editorial. Penso que, se o “marginal” não quer falar espontaneamente, algumas pressões físicas e psicológicas podem ser úteis na busca de desvendar crimes ou encontrar vítimas de sequestro. Claro que não precisam ser torturas medievais do tipo que eles, “os bandidos”, aplicam em suas vítimas, como jogar álcool e pôr fogo.

Sérgio Luiz Ribeiro – Capão da Canoa (RS)

O editorial não poderia induzir a opinião contra a polícia, como o fez, uma vez que, se houve tortura e morte do pedreiro, nada poderá ser afirmado porque não há o corpo, o que seria a prova cabal contra os agentes da lei. Aí diz que, mesmo sendo criminoso, não poderia ser torturado para confessar. O editorial está cheio de compaixão por quê? Já falaram com família de alguma vítima desses assassinos que os senhores estão defendendo para ver o que eles pensam a respeito? Claro que não! Mas deveriam pelo menos uma vez fazê-lo e depois publiquem e peçam novamente a opinião do povo. Assim fica mais bonitinho perante a sociedade, pois quem não sentiu na pele a violência da marginália não pode avaliar nada perante uma opinião simpática aos olhos da sociedade, como esse editorial. Os que defendem são porque têm medo!

Milton Ubiratan Rodrigues Jardim – Torres (RS)

LUIZ SOARES: O BRASIL TEM QUE ACABAR COM AS PMS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2293 | 25.Out.13


Luiz Eduardo Soares - "O Brasil tem que acabar com as PMs"

Uma das maiores autoridades do País em segurança pública, o professor diz que a transição democrática precisa chegar à polícia


por Wilson Aquino e Michel Alecrim



PESQUISA
“A massa policial está insatisfeita. Mais de 70% das
polícias consideram o modelo atual equivocado”, diz ele

Doutor em antropologia, filosofia e ciências políticas, além de professor e autor de 20 livros, Luiz Eduardo Soares é conhecido, mesmo, por duas obras: “A Elite da Tropa 1 e 2”, que inspiraram dois dos maiores sucessos de bilheteria do cinema nacional: “Tropa de Elite 1 e 2”. Considerado um dos maiores especialistas brasileiros em segurança, Soares, 59 anos, travou polêmicas em suas experiências na administração pública. Foi coordenador estadual de Segurança, Justiça e Cidadania do Rio de Janeiro entre 1999 e 2000, no governo Antony Garotinho, e Secretário Nacional de Segurança do governo Lula, em 2003. Bateu de frente com os dois e foi demitido. Nos últimos 15 anos, dedicou-se, junto com outros cientistas sociais, à elaboração de um projeto para modificar a arquitetura institucional da segurança pública brasileira, que, no entender do professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), passa necessariamente pela desmilitarização das polícias e o fim da PM – como gritam manifestantes em passeatas. O trabalho virou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51, apresentada no Congresso Nacional pelo senador Lindbergh Faria (PT-RJ).


"A PM vê o manifestante como inimigo. Para a grande massa, a
polícia tem um comportamento abusivo, violador, racista, brutal”



“A resistência de Geraldo Alckmin em enfrentar a brutalidade letal da
polícia está no coração da dinâmica terrível de ascensão do PCC"



ISTOÉ - Por que o sr. defende a desmilitarização da polícia?

LUIZ EDUARDO SOARES - Porque já passou da hora de estender a transição democrática à segurança pública. A Polícia Militar é mais do que uma herança da ditadura, é a pata da ditadura plantada com suas garras no coração da democracia. A polícia é uma instituição central para a democracia. E é preciso que haja um projeto democrático de reforma das polícias comprometido com o novo Brasil, com a nova etapa que a sociedade está vivendo. O Brasil tem que acabar com as PMs. 

ISTOÉ - Deixar de ser militar torna a polícia mais democrática? 

LUIZ EDUARDO SOARES - A cultura militar é muito problemática para a democracia porque ela traz consigo a ideia da guerra e do inimigo. A polícia, por definição, não faz a guerra e não defende a soberania nacional. O novo modelo de polícia tem que defender a cidadania e garantir direitos, impedindo que haja violações às leis. Ao atender à cidadania, a polícia se torna democrática. 

ISTOÉ - Mas o comportamento da polícia seria diferente nas manifestações se a polícia não fosse militar?

LUIZ EDUARDO SOARES - Se a concepção policial não fosse a guerra, teríamos mais chances. Assim como a PM vê o manifestante como inimigo, a população vê o braço policial do Estado que lhe é mais próximo, porque está na esquina da sua casa, como grande fonte de ameaça. Então, esse colapso da representação política nas ruas não tem a ver apenas com corrupção política nem com incompetência política ou falta de compromisso dos políticos e autoridades com as grandes causas sociais. Tem a ver também com o cinismo que impera lá na base da relação do Estado com a sociedade, que se dá pelo policial uniformizado na esquina. É a face mais tangível do Estado para a grande massa da população e, em geral, tem um comportamento abusivo, violador, racista, preconceituoso, brutal.

ISTOÉ - Mas no confronto com traficantes, por exemplo, o policial se vê no meio de uma guerra, não é?

LUIZ EDUARDO SOARES - Correto. Mas esses combates bélicos correspondem a 1% das ações policiais no Brasil. Não se pode organizar 99% de atividades para atender a 1% das ações. 

ISTOÉ - Como desmilitarizar uma instituição de 200 anos, como a PM do Rio?

LUIZ EDUARDO SOARES - Setenta por cento dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes querem a desmilitarização e a mudança de modelo. Entre os oficiais, o placar é mais apertado: 54%. Mas a desmilitarização não é instantânea. Precisa de um prazo que vai de cinco a seis anos e que depois pode se estender. É um processo muito longo, que exige muita cautela, evitando precipitações e preservando direitos. 

ISTOÉ - Como poderia ser organizada uma nova polícia?

LUIZ EDUARDO SOARES - Os Estados é que vão decidir que tipos de polícia vão formar. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51 define dois critérios de organização: territorial e de tipo criminal. Isso porque a realidade do Brasil é muito diversa. O melhor modelo policial para o Amazonas não precisa ser o do Rio. São realidades demográficas, sociológicas, topográficas e geográficas distintas. 

ISTOÉ - Como funcionaria o modelo territorial?

LUIZ EDUARDO SOARES - Seriam corporações com circunscrição dentro dos municípios, regiões metropolitanas, distritos e o próprio Estado. Poderíamos ter polícia municipal ou na capital, o Estado é que definirá. São Paulo, por exemplo, tem tantas regiões distintas, com características diversas, que poderia ter várias polícias. Essa seria uma possibilidade. Muitos países têm polícias pequenas a partir de certas circunscrições. Então poderíamos ter desde uma polícia só, porque a unificação das polícias é possível, até várias dentro do mesmo Estado. 

ISTOÉ - E o tipo criminal?

LUIZ EDUARDO SOARES - Teríamos uma polícia só para crime organizado, outra só para delitos de pequeno potencial ofensivo. Mas todas são polícias de ciclo completo, fazem investigação e trabalho ostensivo. Poderia ter polícia estadual unificada para delitos mais graves, que não envolvam crime organizado. E pode ter uma polícia pequena só para crime organizado, como se fosse uma Polícia Federal do Estado. São muitas possibilidades. 

ISTOÉ - Como fica a União?

LUIZ EDUARDO SOARES - Poderia ter atuação destacada na educação policial. No Rio, para ingressar na UPP o policial é treinado em um mês. Em outros Estados, são oito meses. O Brasil é uma babel. Tem algo errado. Tem que ter regras básicas universais. Na polícia, a bagunça, a desordem e a irresponsabilidade nacional, consagradas nesse modelo, são de tal ordem que formamos policiais em um mês, que têm o mesmo título de outro profissional formado em um ano. É necessário que haja um Conselho Federal de Educação Policial, como existe Conselho Federal de Educação. E o Conselho tinha que estar subordinado ao Ministério da Educação, não no da Justiça. 

ISTOÉ - Os policiais foram consultados sobre esses novos modelos?

LUIZ EDUARDO SOARES - Fiz uma pesquisa sobre opinião policial, junto com os cientistas sociais Silvia Ramos e Marcos Rolim. Ouvimos 64.120 profissionais da segurança pública no Brasil todo. Policiais, guardas municipais, agentes penitenciários. A massa policial está insatisfeita, se sente alvo de discriminação, de preconceito, recebe salários indignos, se sente abusada, sente os direitos humanos desrespeitados. Mais de 70% de todas as polícias consideram esse modelo policial completamente equivocado, um obstáculo à eficiência. E os militares se sentem agredidos, humilhados, maltratados pelos oficiais. Acham que os regimentos disciplinares são inconstitucionais. Pode-se prender sem que haja direito à defesa, até por um coturno sujo! 

ISTOÉ - Mas isso não ajuda a manter a disciplina?

LUIZ EDUARDO SOARES - De jeito nenhum. Mesmo com toda essa arbitrariedade não se evita a corrupção e a brutalidade. Estamos no pior dos mundos: policiais maltratados, mal pagos, se sentindo desrespeitados, não funcionando bem. E a população se sentindo mal com essa problemática toda. E os números são absurdos: 50 mil homicídios dolosos por ano e, desses, em média, apenas 8% de casos desvendados com sucesso. Ou seja: 92% dos crimes mais graves não são nem sequer investigados. 

ISTOÉ - É o país da impunidade?

LUIZ EDUARDO SOARES - Somente em relação ao homicídio doloso. Estamos longe de ser o país da impunidade. O Brasil tem a quarta população carcerária do mundo. Temos 550 mil presos, eram 140 mil em 1995. 

ISTOÉ - O que mais é necessário para democratizar a segurança pública?

LUIZ EDUARDO SOARES - Precisamos de uma polícia de ciclo completo, que faça o patrulhamento ostensivo e o trabalho investigativo. Hoje temos duas polícias (civil e militar), e cada uma faz metade do serviço. Nosso modelo policial é uma invenção brasileira que não deu certo. Até porque quando você vai à rua só para prender no flagrante, talvez esteja perdendo o mais importante. Pega o peixe pequeno e perde o tubarão. Tem que ter integração. O policiamento ostensivo e a investigação se complementam. 

ISTOÉ - O que mais é importante?

LUIZ EDUARDO SOARES - É fundamental o estabelecimento de carreira única. Em qualquer polícia do mundo, se você entra na porteira pode vir a comandar a instituição, menos no Brasil. Hoje temos nas instituições estaduais quatro polícias de verdade. Na PM são os praças e oficiais. Na civil, delegados e agentes. São mundos à parte. Você nunca vai ascender, mesmo que faça o melhor trabalho do mundo, sendo praça. Mas para quem entra na Escola de Oficiais, o céu é o limite. Isso gera animosidades internas. Isso separa, gera hostilidade. E esse modelo tem que acabar na polícia. Isso é o pleito da massa policial.

ISTOÉ - O sr. foi secretário de Segurança e não fez as reformas. Por quê?

LUIZ EDUARDO SOARES - Por causa da camisa de força constitucional. Não podíamos mudar as polícias. Mas dentro dos arranjos possíveis fizemos o projeto das Delegacias Legais, que é uma das únicas políticas públicas do Brasil a atravessar governos de adversários políticos. São 15 anos desse projeto, apesar da resistência monstruosa que enfrentei. Fui demitido pelo (Anthony) Garotinho porque entrei em confronto com a banda podre da polícia. Após minha queda, policiais festejavam e o novo chefe de polícia dizia: agora estamos livres para trabalhar. Foi uma explosão de autos de resistência. 

ISTOÉ - O crescimento do PCC se deve ao modelo policial vigente?

LUIZ EDUARDO SOARES - Acho que a resistência do governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) em enfrentar a brutalidade letal da polícia, sua dificuldade em enfrentar a banda podre, de confrontar a máquina de morte, com a bênção de setores da Justiça e do Ministério Público, está no coração da dinâmica terrível de ascensão do PCC. Durante os primeiros anos, o PCC foi um instrumento de defesa dos presos, de organização que falava em nome da legalidade que era desrespeitada pelo Estado. Depois se dissociou das finalidades iniciais. Como já existia como máquina, poderia servir a outros propósitos, inclusive criminais. E foi o que começou a acontecer. O PCC deixou de ser instrumento de defesa para ser de ataque. Aí eles começaram a funcionar como uma organização criminosa.


COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Eu, na ativa, fui um dos que ficaram encantados com as ideias visionárias do Sr. Luiz Eduardo Soares pelo direcionamento de uma segurança pública mais aproximada e em contato com o cidadão, filosofia de policiamento que trabalhava desde 1985 nos tempos do policiamento de bairro, incentivado por oficiais mais antigos, matérias, relatório e artigos sobre esta estratégias baseadas nos Koobans japoneses e posteriormente no relatório Lee Brown do NYPD.

Ao ler e analisar seus livros e artigos verifiquei que eram apenas oratória e focada nos aparatos policiais estaduais enfraquecidos, sucateados, mal pagos, abandonados pelos governadores e discriminados na justiça criminal. Uma visão fora de uma realidade e do cenário onde a segurança pública está envolvida e tratada no mundo todo, menos no Brasil. Quando teve nas suas mãos, a oportunidade de mudar e aproximar a sua visão da prática, nada fez, justamente por serem pontuais, superficiais e inoperantes os resultados.

Assim, seria importante o nobre "especialista" (que não é "uma das maiores autoridades do País em segurança pública"como afirma a revista), retomasse seus estudos partindo para uma visão mais holística sem confundir a segurança pública polícia com segurança pública finalidade e objetivo da justiça criminal. Esta nova visão lhe daria a consciência de que o mais importante é construir um sistema de justiça criminal para então começar a tratar as questões pontuais das polícias, do judiciário, do MP, das defensorias, so setor prisional e das leis que vão dar o suporte ao sistema. O resto é balela.