ARTIGOS
Marcos Rolim*
Esta semana, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 51) que reformula o atual modelo de polícia. A proposta é avançada e pretende corrigir destacadamente duas distorções: a absurda partição do ciclo de policiamento e a inexistência de carreiras únicas em cada instituição policial.
Explico: em todo o mundo civilizado, cada polícia atua desde os serviços de patrulhamento até as tarefas de investigação. Como regra, os patrulheiros atuam uniformizados e os policiais dos departamentos de investigação se dedicam ao esclarecimento de crimes. Estas duas dimensões básicas do trabalho policial conformam o chamado “ciclo de policiamento” e estão presentes em todas as polícias do mundo, menos no Brasil. Aqui, por razões históricas, optamos pela partição do ciclo, atribuindo à Polícia Militar (PM) o patrulhamento e à Polícia Civil (PC) a investigação, razão pela qual não temos duas polícias em cada Estado, mas duas metades de polícia. É essa divisão do ciclo a responsável pela persistente hostilidade entre as duas polícias, que, como regra, não dividem informações, não compartilham recursos e alimentam infinitas disputas de prerrogativas. Não satisfeito em criar estas metades de polícia, o modelo vigente ainda produziu um segundo “corte”, desta vez horizontalmente dentro de cada instituição. Nas PCs, o corte se dá entre delegados e não delegados e na PMs, entre oficiais e não oficiais. Cada uma dessas camadas se organiza a partir de interesses específicos e mecanismos de seleção diferentes e, entre elas, há enormes desigualdades salariais, de poder e prestígio. Como resultado, temos instituições fraturadas, que não oferecem aos policiais uma carreira de verdade; motivo pelo qual as polícias brasileiras nunca completam seus efetivos. Também aqui, nosso modelo é único. Em todo o mundo, há uma só carreira em cada polícia. Assim, nas democracias avançadas, todo chefe de polícia terá sido patrulheiro, porque todos os policiais iniciam no serviço rotineiro de patrulha. Depois, na medida em que dão mostras de suas capacidades, vão progredindo na carreira.
No Brasil, não temos, ainda, sequer um campo autônomo da segurança pública. Nossas duas metades de polícia se originam de outros dois “campos”: as PMs, do campo da Defesa, e as PCs, do campo da Justiça. As primeiras, espelhadas no Exército, foram vocacionadas para a guerra; as segundas, espelhadas no Judiciário, foram vocacionadas para os tribunais; o que faz com que, ainda hoje, muitos policiais se imaginem “guerreiros” ou “juízes”. Também por esses mitos, não avançamos na construção de polícias democráticas e eficientes.
Neste quadro, a PEC 51 desconstitucionaliza o modelo de polícia, permitindo que Estados e municípios sejam protagonistas na definição das polícias que desejam. Uma boa notícia, em síntese. Talvez o Brasil também tenha acordado para a gravidade do tema e se tenha criado a oportunidade de discutir o cesto ao invés das maçãs.
*JORNALISTA
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