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sábado, 12 de outubro de 2013

DELEGADA VENCE MEDO E PRENDE MATADOR



Em Pacatuba, interior do Ceará, Milena de Moraes investiga morte de vereador, sofre pressões, evita políticos e chega aos criminosos

12 de outubro de 2013 | 16h 00

O Estado de S. Paulo



Manhã de 30 de janeiro de 2013. "Procuro agulha no palheiro", diz a delegada Milena de Moraes, 40 anos de idade e 13 de polícia, na delegacia de Pacatuba, região metropolitana de Fortaleza. Cinco dias antes, o vereador eleito Valdomiro Nascimento de Souza, de 35 anos, havia sido assassinado com seis tiros. O Estado passou a acompanhar diariamente as investigações do caso.

Até aquela manhã, a delegada tinha interrogado 40 pessoas, segundo suas próprias contas. Nenhum assessor político, funcionário da Câmara, vereador ou representante de partido foi ouvido. Chegou ao conhecimento dos investigadores que o vereador havia recebido ameaças quando assumiu o mandato. "José Cleudon Rodrigues Costa, suplente do vereador Valdomiro, chegou a avisar que daria um depoimento, mas até agora não veio", diz Milena. Procurado pela reportagem, Costa não aceitou conversar.

O modelo usado na investigação da morte de Valdomiro é o da rotina da delegada, o do crime comum. São três assassinatos por mês na área, quase sempre motivados por brigas de bar, tráfico de drogas e crimes passionais. Há três anos na cidade, Milena diz que esta é a primeira morte de um político que investiga.

Sem estrutura, a delegada sabe que a investigação do assassinato de poder é a entrada numa seara que ela não domina, teme e da qual desconfia. A simples convocação de um presidente de Câmara ou de um prefeito pode lhe causar problemas, avalia um investigador da equipe. Milena relata que a chefia da Polícia Civil do Ceará mandou um delegado para ajudar nas investigações. "Ontem mataram um garçom. Mas até agora não conseguimos abrir a investigação. Só demos atenção para o caso Valdomiro", afirma.

Manhã de 21 de fevereiro. A delegada Milena informa que nenhuma das hipóteses de crime comum no caso Valdomiro foi confirmada. "Agora, trabalhamos com a possibilidade de crime político", afirma. Ela espera a produção do retrato falado do matador e o início de uma nova ação de inteligência. Admite que acha estranho que o suplente José Cleudon Costa ainda não tenha aparecido para falar de forma espontânea.

Dez dias. O Código de Processo Penal estabelece que a delegada tem dez dias para enviar o inquérito de homicídio para o Fórum no caso de citado preso em flagrante e 30 dias quando o citado está solto. Na vida real, os inquéritos são abertos nas delegacias e passam anos indo e voltando da mesa do delegado para o Fórum.

Valdomiro estava no primeiro mandato de vereador. Dono de um ferro-velho e de uma loja de rações, ele se tornou popular na Vila das Flores, um bairro pobre e violento de Pacatuba, quando transformou o carro numa ambulância. Levava mulheres e idosos para o hospital, e distribuía balas para as crianças nos feriados.

O crime ocorreu na manhã de 25 de janeiro. Às 6 horas, Valdomiro levou um morador para o hospital. Voltou para casa às 6h30 e tornou a sair às 8h30. Valdomiro parou o Uno vermelho no portão da sucata, a dois quilômetros de casa. Foi abordado por um homem de aproximadamente 25 anos que havia chegado num carro branco e disparou seis tiros - três atingiram a cabeça do vereador.

Valdomiro era um dos nove filhos de um retirante da seca em Quixadá, interior cearense. Na Vila das Flores, ele entrou para a Igreja Adventista da Promessa, onde conheceu Kézia. "A vida entre os dois era maravilhosa. Ele era doente por ela e ela era doente por ele", diz Celene de Souza, irmã de Valdomiro, rejeitando especulações de que o assassinato teria motivos passionais. Cilene assegura que o irmão não tinha dívidas.

Valdomiro sempre sonhou ser vereador. No ano passado, se filiou ao PTB e lançou a candidatura. Ele tinha o perfil que Beto Ribeiro, presidente do diretório municipal do partido, buscava: sem chance de ganhar, arrancaria votos para a legenda e para os candidatos fortes da sigla.

‘Gente do povo’. Com a música Danza Kuduro, tema da telenovela Avenida Brasil, no som da caminhonete da sucata e o slogan "Valdomiro, esse é gente do povo", o comerciante saiu às ruas. A loja de rações virou comitê de campanha. Gastou cerca de mil reais em santinhos e panfletos. Ele recebeu 626 votos. Logo após a eleição, Valdomiro se aproximou do prefeito eleito, Alexandre Furtado (PSB), que tinha sido adversário durante a campanha. Kézia lembra que o marido participou de apenas quatro sessões na Câmara. "Não deu tempo de mexer com ninguém grande. Ele não tinha inimigos políticos", afirma.

Em meados de fevereiro, moradores da Vila das Flores apedrejaram a casa do vereador José Cleudo Costa (PTB), suplente que assumiu a cadeira de Valdomiro. Ainda naquele mês, a delegada recebeu o retrato falado do matador produzido por meio de informações de uma mulher que disse ter presenciado o crime. Com o retrato nas ruas de Pacatuba, vieram as primeiras denúncias contra Natan da Silva Modesto, 28 anos. Natan foi preso no dia 14 de março, em Cascavel, cidade do interior do Ceará, com sete cápsulas de revólver no bolso. Na delegacia, ele disse que era primo de Beto Ribeiro, presidente do PTB.

Tarde de 21 de março. A equipe da delegada Milena e homens da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) entram na Câmara Municipal de Pacatuba. Os agentes prendem o vereador José Cleudon. Beto Ribeiro, presidente do PTB e que filiou Valdomiro, e o segundo suplente, Bezaliel Rodrigues da Costa, também são presos. As investigações apontam que os três formaram um consórcio para assassinar o vereador.

A delegada relata que a trama para matar Valdomiro começou a ser montada após as eleições, quando ele se aproximou do prefeito eleito Furtado, contrariando parte do PTB. Com sua simplicidade, Milena admite que a elucidação de um crime político é algo raro. "Foi a força do Senhor que abriu tudo", diz a delegada.

No caso Valdomiro não ocorreram situações típicas de uma investigação que envolve o crime organizado. Não apareceram advogados famosos para tomar café com a delegada e embaralhar a apuração. Autoridades não telefonaram para encerrar o inquérito e começar outro, com uma versão diferente - no Espírito Santo, onde o crime organizado dá as cartas há quatro décadas, assassinatos políticos têm, em média, três inquéritos.

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