16 Outubro 2013
Diante de uma polícia acuada, os arruaceiros se fortalecem e surgem mais violentos e destemidos do que no início dos protestos.
Daniela Lima e Bela Megale
Horas depois da ação coordenada de black blocs que deixou destruídas lojas de São Paulo e do Rio de Janeiro e espalhou o pânico nas duas cidades, o comandante-geral da PM paulista, coronel Benedito Meira, pediu licença para mostrar um vídeo ao governador Geraldo Alckmin. Além de oficiais da PM, estava presente à reunião toda a cúpula da Secretaria de Segurança do Estado. No filme, gravado na segunda-feira em frente à Secretaria Estadual de Educação, no centro da capital, o que se via era uma fileira de mascarados vestidos de preto avançando na direção de uma acuada tropa de policiais militares. Provocando os homens com gritos como "não estudou, tem que estudar, para não virar polícia militar", os mascarados começam lançando pedras na direção da tropa. "Calma. calma", orienta o oficial responsável pelo agrupamento. Em seguida, vêm as bombas. São três estouros. Os policiais permanecem no lugar, tentando se defender atrás dos escudos. No fundo, a voz do comandante desestimula qualquer outra reação. "Mantenham a calma, mantenham a calma", insiste.
Ao ver o filme, um dos oficiais afirmou: "Eu não entro em favela com um 38 para combater traficante armado de fuzil. Também não posso reagir com um cassetete contra quem vem para cima com coquetéis molotov". No mesmo dia, Alckmin decidiu revogar a proibição do uso de balas de borracha, suspenso desde 17 de junho. Quatro dias antes, uma atuação descontrolada da Tropa de Choque da PM atingiu com balas de borracha dezenas de manifestantes e jornalistas que cobriam protestos na região central de São Paulo. Desde então, as balas foram banidas no estado—junto com a autoridade da polícia, que passou a atuar intimidada, incerta de seus limites e receosa do julgamento da opinião pública. No Rio de Janeiro, uma situação parecida ocorreu. Depois dos primeiros protestos de junho, dos quais dezenas de pessoas saíram feridas, os policiais não só pararam de impedir as depredações como se deixaram encurralar por arruaceiros que invadiram a Assembleia Legislativa.
Além da hesitação das polícias, nas duas cidades, afrouxaram-se os protocolos para lidar com as manifestações. Em vez de cumprirem a regra de informar previamente às autoridades horário e itinerário dos protestos, os manifestantes passaram a improvisar livremente seus atos. A polícia tinha de descobrir onde eles ocorreriam por meio das redes sociais ou à medida que aconteciam.
Tudo isso fortaleceu os black blocs. Na semana passada, eles mostraram que estão mais organizados e mais bem armados. Os pedaços de pau e pedras deram lugar a esferas de aço e coquetéis molotov, agora lançados com estilingues. Os rojões passaram a vir reforçados com bolas de gude e outros objetos, de forma a se transformarem em morteiros lançados contra a polícia. "Houve um aumento da ousadia desses grupos que se infiltram nas manifestações e atuam para desmoralizar o estado. Eles estão mais predispostos a partir para o enfrentamento", afirma o coronel Reynaldo Simões Rossi, comandante do batalhão que monitora a região central de São Paulo. "Tenho policiais afastados há mais de sessenta dias, homens com fratura de face, mandíbula e risco de perder a visão", afirma. Um desses feridos foi atingido na segunda por um rolamento lançado por estilingue. O lado esquerdo de sua face terá de ser reconstituído, e ele corre o risco de perder a visão. Não há dúvida de que a escalada da violência dos black blocs se deu no vácuo da atuação da polícia. "Ficamos entre a prevaricação e o abuso de autoridade", reconheceu o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame.
Investigações da inteligência policial paulista mostram uma coordenação inédita entre os grupos de várias cidades, como se viu na segunda passada. Eles se provocam uns aos outros, numa competição para ver quem vai ser o mais violento. "Quando é que São Paulo vai dar um "salve"?, cutucaram cariocas, usando a gíria comum entre criminosos de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) para designar uma ordem de ação criminosa. A comunicação se dá sobretudo por meio de redes sociais como o Facebook e a N-l. mais difícil de ser rastreada.
Na reunião de segunda-feira com a cúpula da segurança, o governador Alckmin recebeu das mãos do delegado-geral da Polícia Civil, Luiz Mauricio Blazeck, um relatório preparado pela equipe de inteligência que revelava, entre outras coisas, que para organizar protestos nas redes sociais os black blocs criam vários perfis falsos, de maneira a dificultar o rastreamento da polícia. A peça, com mais de 200 páginas, reúne informações trocadas pelos jovens que a polícia acredita serem os cabeças da violência.
Embora tardia, a contraofensiva do estado à ação dos black blocs parece que começa finalmente a ser traçada. Desde o início dos protestos, já foram abertos cerca de 100 inquéritos relacionados a vandalismo e agressões. Mas, como as investigações são dispersas, os casos não andavam. Agora, todas as informações sobre as lideranças dos black blocs serão organizadas em um único inquérito. A tática, espera-se. facilitará o enquadramento dos culpados em crimes como associação criminosa e formação de quadrilha, o primeiro passo para impedir que os presos de hoje de manhã estejam na rua à tarde.
"Hoje. na maioria dos casos, o policial leva o indivíduo para a delegacia e ele não passa nem uma noite lá", diz o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella. "Será que isso é suficiente para inibir e punir esses comportamentos que, mais do que causar dano, ofendem a paz pública, geram intranquilidade e afetam diretamente o direito de manifestação?", pergunta ele. Para quem não anda por aí de cara tapada e molotov na mão, a resposta certamente é não.
Daniela Lima e Bela Megale
Horas depois da ação coordenada de black blocs que deixou destruídas lojas de São Paulo e do Rio de Janeiro e espalhou o pânico nas duas cidades, o comandante-geral da PM paulista, coronel Benedito Meira, pediu licença para mostrar um vídeo ao governador Geraldo Alckmin. Além de oficiais da PM, estava presente à reunião toda a cúpula da Secretaria de Segurança do Estado. No filme, gravado na segunda-feira em frente à Secretaria Estadual de Educação, no centro da capital, o que se via era uma fileira de mascarados vestidos de preto avançando na direção de uma acuada tropa de policiais militares. Provocando os homens com gritos como "não estudou, tem que estudar, para não virar polícia militar", os mascarados começam lançando pedras na direção da tropa. "Calma. calma", orienta o oficial responsável pelo agrupamento. Em seguida, vêm as bombas. São três estouros. Os policiais permanecem no lugar, tentando se defender atrás dos escudos. No fundo, a voz do comandante desestimula qualquer outra reação. "Mantenham a calma, mantenham a calma", insiste.
Ao ver o filme, um dos oficiais afirmou: "Eu não entro em favela com um 38 para combater traficante armado de fuzil. Também não posso reagir com um cassetete contra quem vem para cima com coquetéis molotov". No mesmo dia, Alckmin decidiu revogar a proibição do uso de balas de borracha, suspenso desde 17 de junho. Quatro dias antes, uma atuação descontrolada da Tropa de Choque da PM atingiu com balas de borracha dezenas de manifestantes e jornalistas que cobriam protestos na região central de São Paulo. Desde então, as balas foram banidas no estado—junto com a autoridade da polícia, que passou a atuar intimidada, incerta de seus limites e receosa do julgamento da opinião pública. No Rio de Janeiro, uma situação parecida ocorreu. Depois dos primeiros protestos de junho, dos quais dezenas de pessoas saíram feridas, os policiais não só pararam de impedir as depredações como se deixaram encurralar por arruaceiros que invadiram a Assembleia Legislativa.
Além da hesitação das polícias, nas duas cidades, afrouxaram-se os protocolos para lidar com as manifestações. Em vez de cumprirem a regra de informar previamente às autoridades horário e itinerário dos protestos, os manifestantes passaram a improvisar livremente seus atos. A polícia tinha de descobrir onde eles ocorreriam por meio das redes sociais ou à medida que aconteciam.
Tudo isso fortaleceu os black blocs. Na semana passada, eles mostraram que estão mais organizados e mais bem armados. Os pedaços de pau e pedras deram lugar a esferas de aço e coquetéis molotov, agora lançados com estilingues. Os rojões passaram a vir reforçados com bolas de gude e outros objetos, de forma a se transformarem em morteiros lançados contra a polícia. "Houve um aumento da ousadia desses grupos que se infiltram nas manifestações e atuam para desmoralizar o estado. Eles estão mais predispostos a partir para o enfrentamento", afirma o coronel Reynaldo Simões Rossi, comandante do batalhão que monitora a região central de São Paulo. "Tenho policiais afastados há mais de sessenta dias, homens com fratura de face, mandíbula e risco de perder a visão", afirma. Um desses feridos foi atingido na segunda por um rolamento lançado por estilingue. O lado esquerdo de sua face terá de ser reconstituído, e ele corre o risco de perder a visão. Não há dúvida de que a escalada da violência dos black blocs se deu no vácuo da atuação da polícia. "Ficamos entre a prevaricação e o abuso de autoridade", reconheceu o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame.
Investigações da inteligência policial paulista mostram uma coordenação inédita entre os grupos de várias cidades, como se viu na segunda passada. Eles se provocam uns aos outros, numa competição para ver quem vai ser o mais violento. "Quando é que São Paulo vai dar um "salve"?, cutucaram cariocas, usando a gíria comum entre criminosos de facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) para designar uma ordem de ação criminosa. A comunicação se dá sobretudo por meio de redes sociais como o Facebook e a N-l. mais difícil de ser rastreada.
Na reunião de segunda-feira com a cúpula da segurança, o governador Alckmin recebeu das mãos do delegado-geral da Polícia Civil, Luiz Mauricio Blazeck, um relatório preparado pela equipe de inteligência que revelava, entre outras coisas, que para organizar protestos nas redes sociais os black blocs criam vários perfis falsos, de maneira a dificultar o rastreamento da polícia. A peça, com mais de 200 páginas, reúne informações trocadas pelos jovens que a polícia acredita serem os cabeças da violência.
Embora tardia, a contraofensiva do estado à ação dos black blocs parece que começa finalmente a ser traçada. Desde o início dos protestos, já foram abertos cerca de 100 inquéritos relacionados a vandalismo e agressões. Mas, como as investigações são dispersas, os casos não andavam. Agora, todas as informações sobre as lideranças dos black blocs serão organizadas em um único inquérito. A tática, espera-se. facilitará o enquadramento dos culpados em crimes como associação criminosa e formação de quadrilha, o primeiro passo para impedir que os presos de hoje de manhã estejam na rua à tarde.
"Hoje. na maioria dos casos, o policial leva o indivíduo para a delegacia e ele não passa nem uma noite lá", diz o secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella. "Será que isso é suficiente para inibir e punir esses comportamentos que, mais do que causar dano, ofendem a paz pública, geram intranquilidade e afetam diretamente o direito de manifestação?", pergunta ele. Para quem não anda por aí de cara tapada e molotov na mão, a resposta certamente é não.
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