ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ATENTADO À JUSTIÇA - CABO SE DIZ ARREPENDIDO

Cabo diz que se arrependeu minutos depois de atirar em juíza - O GLOBO, 03/10/2011

Imagens exclusivas mostram a audácia dos assassinos da juíza Patrícia Acioli, morta em agosto passado no Rio. Na tarde do crime, os acusados passearam pelo condomínio onde ela morava. E estudaram as rotas de entrada e saída, que usariam poucas horas depois.

Os depoimentos de dois dos policiais envolvidos foram cruciais para as investigações. Um deles deu uma entrevista reveladora a Sônia Bridi. A reportagem é dela e de Tyndaro Menezes.

Onze de agosto, dia da morte da juíza Patrícia Acioli. São 15h45. Imagens inéditas mostram um homem caminhando na ponte de acesso ao condomínio onde a juíza será assassinada à noite. É o tenente Daniel Benitez, do Batalhão da Polícia Militar de São Gonçalo. Ele entra no condomínio, atravessa a rua principal e se dirige à Rua dos Corais, onde Patrícia morava. Benitez tem a cobertura do cabo Sérgio Costa Júnior, também do 7º Batalhão.

Às 16h10, a motocicleta pilotada por Sérgio faz o mesmo caminho. Cinco minutos depois, os dois deixam juntos o lugar. Benitez ainda está a pé. Sérgio, na moto, segue na frente. São esses dois que, dentro de sete horas, vão disparar 21 tiros contra a juíza.

Benitez usa calça jeans clara, casaco escuro e tênis branco. À noite, está vestido igual, como o Fantástico mostrou há duas semanas. Ao todo, os dois policiais passam meia hora estudando pela última vez o local onde planejam executar o crime.

A polícia chegou a estas imagens depois que o cabo da PM, que estava na garupa da motocicleta e foi um dos autores dos disparos que mataram a juíza, fez um acordo de delação premiada. Contou detalhes do crime em troca da redução da pena.

Pouco depois das 23h, a juíza deixa sua sala no Fórum de São Gonçalo e dirige 29 quilômetros sem perceber que está sendo seguida pela moto de Benitez e Sérgio. Agora, sabe-se que o esquema era ainda maior. Um carro também está no fórum, vigiando a saída da juíza.

A moto demora a pegar e é o carro que começa a seguir. Nele está o cabo Jovanis Falcão Júnior. O carro sai da perseguição quando é alcançado pela moto, onde estão o tenente Benitez e Sérgio, o cabo que fez a delação premiada.

Em entrevista exclusiva ao Fantástico, esse policial revelou que todos os detalhes foram revistos naquele dia porque, sem ter ideia do perigo que corria, a juíza havia escapado de duas emboscadas naquela semana. “Porque ela tinha cancelado uma reconstituição”, conta o cabo. “A outra tentativa, eu não me recordo, mas ela tinha saído mais cedo, dentro da mesma semana”.

Apesar de já ter tido sua imagem divulgada, o policial pediu para seu rosto não ser mostrado durante a entrevista.

Fantástico: A sua mulher sabia da sua participação?
Sérgio: Não. Só ficou sabendo no fórum, quando eu fui fazer o acordo.
Fantástico: Da delação premiada?
Sérgio: Sim.
Fantástico: Você teme pela segurança dela e da sua filha?
Sérgio: Temo.
Fantástico: Por quê?
Sérgio: Saiu nos jornais que foi por causa do meu depoimento que o coronel foi preso. Na verdade eu não citei o nome do coronel. Quem falou o nome do coronel foi o tenente Benitez.

O tenente Benitez é o condutor da moto. O coronel Cláudio Oliveira era comandante do 7º Batalhão. Esta semana ele foi preso, acusado de ser o mentor do crime.

Outro cabo – Jeferson de Araújo Miranda - que também fez acordo de delação premiada, disse, em depoimento, que ouviu do tenente que o coronel sabia do desejo dele de matar a juíza e ainda teria dito ao tenente: ‘Você me faria um grande favor’.

Fantástico: Quando foi a primeira vez que você ouviu falar sobre assassinar a juíza Patrícia Acioli?
Sérgio: Abril, maio, ele trouxe a ideia para dentro da...
Fantástico: Ele quem?
Sérgio: O tenente trouxe a ideia para dentro da equipe.
Fantástico: A equipe que você diz é o GAT?
Sérgio: Sim.

GAT é o Grupamento de Ações Táticas, uma espécie de tropa de elite em cada batalhão da PM no Rio. Todos os nove homens do GAT de São Gonçalo estão presos.

O cabo Sérgio confessou ser o homem que atirou com duas pistolas, calibres 40 e 45, e apontou o tenente como autor dos tiros de revólver 38.

Fantástico: Como é que você se sentiu quando saiu daquele condomínio depois de todos aqueles tiros no carro da juíza?
Sérgio: Muito arrependido, muito arrependido.
Fantástico: Você se arrependeu na hora ou se arrependeu quando foi preso?
Sérgio: Dois minutos depois já estava arrependido.

Logo depois do assassinato da juíza, o tenente, os dois cabos e cinco policiais foram presos por outro crime: a morte de um jovem em São Gonçalo. A prisão tinha sido determinada pela própria Patrícia Acioli minutos antes de morrer. De dentro da prisão militar, o tenente fazia ligações, que a polícia estava gravando, com autorização da Justiça.

Tenente Daniel Benitez: Sabe se alguém do batalhão vem me visitar aqui nesse final de semana, para eu organizar aqui as visitas?
Desconhecido: O zero-um falou que vai aí, cara, vai aí. E pediu para que os oficiais fossem também para poder dar um apoio moral a vocês, entendeu?
Benitez: Sempre bom receber os amigos, sempre bom receber os amigos. Tranquilo.

Zero-um era o coronel Cláudio.

Fantástico: O coronel esteve na prisão visitando vocês?
Sérgio: Ele fez uma reunião com todos, dando a palavra de conforto e que isso ia passar. Depois que todos saíram, só ficou o tenente conversando com ele, não sei quanto tempo.

No Batalhão Especial Prisional, a cadeia da PM, o tenente não se sentia preso, como mostra nesta conversa com a mãe.

Mãe: Corre o risco de vocês fugirem daí? Como é que você sai daí, meu filho?
Benitez: Isso aqui é a coisa mais fácil de fugir que tem no mundo, é que ninguém quer. Mas daqui a pouco, daqui a pouco, eu devo estar saindo. Mais umas feriazinhas.

Férias com festa e cerveja.

Desconhecido: Fala, cabeça.
Benitez: Arruma uma bolsa de viagem aí. Vê se consegue trazer uma seis caixas. Pode ser latão. Qualquer coisa.
Deconhecido: Você quer seis, oito caixas? Como é que eu vou botar isso numa bolsa de viagem, filho?
Benitez: Ah, bota o que der. Bota o que der. Bota duas garrafas de vodca, também.

Chefiando o GAT, o tenente estava acostumado a pegar o que queria. Os cabos confessaram que o grupo tinha um esquema de corrupção. Eles tomavam armas, drogas e dinheiro dos traficantes e chamavam isso de espólio de guerra.

Sérgio: Uma vez o tenente reservou uma parte do espólio para o coronel. Se entregou ou não, não tenho como te afirmar.
Fantástico: Mas ele disse que ia entregar paro coronel.
Sérgio: Separou, sim.
Fantástico: Você lembra quanto era?
Sérgio: Não me recordo.

O outro cabo disse que o movimento semanal era de entre R$ 10mil e R$ 12 mil. O que passava disso ia para o coronel.

“A Patrícia tinha um objetivo, que era pegar o comandante do batalhão por todo o comando de corrupção que ele fazia na comarca de São Gonçalo. Ele era o alvo da Patrícia. Por isso ela foi morta, porque ela colocou em risco o faturamento do batalhão”, explica o desembargador Antonio Siqueira, presidente da Associação de Magistrados/RJ.

Naquela noite, a juíza saiu sozinha do fórum. Sozinha, fez todo o percurso e sozinha estava quando caiu na emboscada em frente à casa dela. Como uma mulher que tinha mandado para a cadeia mais de 60 policiais e que estava ameaçada de morte estava andando sem escolta? Depoimentos e documentos reunidos pela polícia começam a esclarecer bem essa questão.

Em janeiro, o coronel Cláudio transferiu os últimos dois policiais que faziam a escolta da juíza. Um deles era o cabo Poubel, namorado de Patrícia Acioli. No boletim interno da Polícia Militar, uma observação: os dois só poderiam sair dos novos postos com autorização do comandante-geral da PM. O coronel Mário Sergio Duarte pediu demissão depois que o coronel Cláudio foi preso.

O coronel Mário Sérgio, que está se recuperando de uma cirurgia, disse por telefone que a responsabilidade pela segurança de magistrados é do Tribunal de Justiça, e que é o tribunal que escala PMs cedidos por convênio.

No caso dos dois seguranças da juíza, o coronel disse que foram transferidos de volta para a rua junto com outros PMs que estavam fazendo segurança de autoridades sem estarem formalizados por convênio. Sobre o fato de que a transferência destes dois praças só poderia ser feita com autorização expressa dele, o comandante-geral da PM, o coronel disse que isso era uma forma de protegê-los, para evitar que fossem transferidos para o interior do estado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário