ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

INDÍCIOS DE "FAXINA"

VIOLÊNCIA. Mais um desaparecido; e há indícios de mais uma 'faxina' da PM - JORGE ANTÔNIO BARROS, REPÓRTER DE CRIME, O GLOBO, 24.6.2011 | 14h01m.

Acabo de ler no site do GLOBO que a PM do Rio entrou em "estado de atenção" - na verdade é uma forma de estar alerta - para ameaças de ataques do tráfico em represália à morte de oito supostos traficantes no Engenho da Rainha e a busca aos traficantes foragidos da Mangueira. Os setores de inteligência garantem que as ameaças partiram do tráfico, mas há outros interesses em se responsabilizar o tráfico por tudo, assim como ocorreu nos ataques de novembro do ano passado. Não esqueçam que o foco todo no tráfico deixa os grupos de milícias livres de maior preocupação por parte do poder público e até da sociedade.

Apesar dos riscos de novos ataques, o que está me preocupando hoje é um cheiro de impunidade no caso do menino Juan de Moraes, de 11 anos, que desapareceu depois de ter sido baleado durante tiroteio entre traficantes e PMs do 20º Batalhão (Mesquita/Nova Iguaçu), na favela de Danon, na noite de segunda-feira passada. Foi a primeira vez em 30 anos lidando com a violência que ouço falar de um caso desses. Infelizmente as comunidades pobres do Rio tiveram que incorporar ao cotidiano os confrontos entre policiais e bandidos, entre facções rivais de bandidos, entre traficantes e milicianos, entre facções rivais de milicianos. Agora estão correndo o risco de ter que conviver com uma "nova" modalidade de crime: o desaparecimento do cadáver, vítima de bala perdida em tiroteios.

Esse novo tipo de desaparecimento tem forte indício da ação de policiais que participaram do confronto. PMs são suspeitos de ter varrido o corpo do menino pra baixo do tapete. Normalmente, o tráfico não perde tempo recolhendo corpos de vítimas de balas perdidas porque é muito mais fácil atribuir a morte aos agentes do Estado, no caso de confronto com a polícia. E frequentemente moradores de favelas fazem sua parte no teatro saindo às ruas e protestando contra a polícia. Os policiais do 20º já teriam lavado as mãos sobre o desaparecimento de Juan. Felizmente a Comissão de Direitos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio vai apurar o caso e o deputado Marcelo Freixo já pediu à secretaria de Segurança que providencie a proteção do irmão de Juan, Wesley, de 14 anos.

Vítima de bala perdida durante o confronto na favela Danon, o adolescente Wesley contou à mãe, Rosineia, que viu o irmãozinho cair também baleado. Segundo a mãe, os meninos voltavam para casa quando se viram no meio do fogo cruzado entre traficantes e policiais do 20º BPM. O batalhão tem um histórico de violência na Baixada, que já registrou a maior chacina do país, com a morte de 29 pessoas por uma quadrilha formada por PMs, em 2005. Daquele batalhão saíram também os policiais que sequestraram e mataram um acusado de assaltos, irmão da mulher que deu nome ao Caso Marli, na década de 70.

O Caso Juan é emblemático porque representa um degrau na escalada dos desaparecimentos - um crime crescente no estado, mas difícil de ser dimensionado, até porque sua origem está na principal causa desse tipo de violência: o objetivo de sumir com o corpo para que não seja caracterizado o homicídio. Os criminosos adquirem sabedoria jurídica baseada na premissa de que, sem corpo, não há crime de homicídio. Essa prática foi incentivada durante as ações de repressão do aparato policial-militar deflagradas no combate à subversão durante o regime militar. Houve 125 casos de desaparecidos políticos, cujos corpos até hoje não foram localizados. A grande maioria foi morta sob tortura, executada ou em confronto com agentes da repressão política.

O modelo de desaparecimento político foi reproduzido pelo aparelho policial no Rio. Essa prática atingiu seu ápice com o Caso Jorge Careli, o funcionário da Fiocruz que foi torturado e assassinado por policiais da Divisão Anti-Sequestro, em 1983. Seu corpo teria sido incinerado numa pilha de pneus - prática que acabou, por sua vez, sendo reproduzida pelo tráfico, onde ficou conhecida como "microondas". Vejam vocês o ciclo de um crime: começa tendo como autores agentes do Estado, com licença para matar subversivos; é assimilado pelo aparelho policial como método de "faxina"; e, por fim, acaba sendo banalizado por facínoras do tráfico, também como forma de apagar vestígios da eliminação de desafetos. Uma diligente operação nas áreas de mata de favelas pacificadas já deveria ter sido feita em busca de cemitérios clandestinos, onde certamente estão enterrados dezenas de desaparecidos produzidos pelo tráfico.

O Caso Juan nos remete a outro evento semelhante - o Caso Patrícia, a engenheira Patrícia Amiero, desaparecida há três anos, depois que apenas seu carro foi achado na Barra, com a suspeita de que tenha sido assassinada por policiais militares. Nesse episódio, a PM internamente já absolveu os suspeitos.

O poder público, portanto, não pode se omitir mais uma vez no caso do desaparecimento de Juan. A testemunha e seus pais - que já apareceram na TV - devem receber proteção do Estado, que deve cuidar para que eles não sofram sequer um arranhão. As corregedorias também deveriam ser imediatamente acionadas e o Ministério público estadual entrar em alerta máximo. O caso exige também averiguação por parte da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República - que concluiu investigações sobre denúncias de execuções na invasão do Complexo do Alemão, em maio de 2007, mas infelizmente as apurações não foram levadas adiante pelo Ministério Público federal.

Para cada desaparecido em "operação de limpeza" feita por bandidos ou policiais, a sociedade deve estar vigilante e cobrar das autoridades maior celeridade na investigação. Ou então correremos o risco de estarmos ingenuamente comemorando a redução de homicídios - indicada pelas estatísticas no estado -enquanto crescem na penumbra os números de desaparecidos, na verdade, assassinados.

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