Os recentes acontecimentos ocorridos envolvendo as atividades de nossas polícias militares periodicamente servem de motivação para que se discuta se o sistema há anos implantado no Brasil, esta dicotomia disfuncional entre polícia civil e militar, não estaria no limite, a ponto de ser abandonada, e pudesse ser substituída por um modelo mais inteligente, mais moderno e menos conflitante e que assim desse mais eficiência ao sistema da segurança pública como um todo.
Sem dúvida, este sistema, sem similar em nenhum país do mundo, resultou da confusão entre atividade policial e força militar, pela preocupação constitucional recorrente de manter as polícias militares como reservas do Exército, para atuarem como partícipes em revoluções e sublevações, como de fato têm acontecido nos momentos cruciais de nossa História.
Na evolução de nossas Constituições, firmou-se a doutrina de que às polícias militares fossem dados os encargos referentes ao policiamento ostensivo fardado, atribuindo à polícia civil as tarefas referentes à polícia judiciária ou de investigação. Ora, ocorre que, na prática, até hoje não foi possível fazer com que as duas corporações considerassem muito claramente estas atribuições, permanecendo ainda hoje a Polícia Militar preocupada em investigar, assim como a Polícia Civil em promover ações de polícia ostensiva.
Em função disso, colocam-se periodicamente duas opções: a criação de uma polícia única, em nível estadual, com a fusão das duas corporações; ou, mantendo-se o modelo atual, promover uma política funcional de integração entre as mesmas. Ora, a primeira opção, a primeira vista, seria a mais conveniente, tendo em vista as experiências já adquiridas em seus respectivos campos, o que seria funcional e economicamente bastante vantajoso para o governo e a população.
Não obstante, há dificuldades históricas e políticas a permear a hipótese de uma polícia única, a partir do fato de que em momentos de crise social, greves ou distúrbios entre elas, não restaria outra opção senão apelar para que as Forças Armadas tomassem a si a tarefa de manter a ordem, o que não deixaria de ser uma solução momentânea conveniente... Mas quem daria continuidade aos trabalhos policiais?
Face a essas circunstâncias, o governo federal, enquanto aguarda possíveis reformas constitucionais, tem optado por promover e incentivar uma política de integração entre as duas polícias, como a criação de academias policiais únicas e outras atividades conjuntas, condicionando verbas federais pari passu com essa integração, a ser promovida pelos governos estaduais.
Ocorre que não tem havido, por parte das Corporações, a suficiente vontade política para que esta integração se desenvolva, pela demonstração de má vontade tanto de delegados como de oficiais, que relutam em dar continuidade aos incentivos propostos, o que faz com que a pretendida integração permaneça em banho-maria. O que não deixa de ser lamentável, pelos prejuízos que causam à segurança preventiva e ostensiva da população.
Por isso, para atender situações emergenciais, a criação de uma Força Nacional de Segurança, como tropa de elite formada por segmentos de policiais militares de diferentes Corporações Estaduais e gerenciada pelo Ministério da Justiça, representa um bom começo na estratégia de constituir um Corpo Federal de Polícia, sem ferir as autonomias estaduais.
Depois de tudo que constatamos, cremos que a verdadeira solução para os problemas que afetam a segurança pública no Brasil pode ser resumida em quatro medidas essenciais:
1º) integrar a Polícia Civil no seio do Ministério Público, resumindo nela as funções de polícia judiciária, na investigação e na burocracia dos inquéritos;
2º) destinar exclusivamente às polícias militares todas as ações ostensivas de policiamento e manutenção da ordem pública nos estados, supervisionando as ações das guardas municipais e trabalhando intimamente com estas;
3º) transformar as atuais polícias militares dos estados em forças estaduais de Policiamento Ostensivo (FEPO), com base na hierarquia e disciplina, mas sem característica "militar";
4º) alterar, profundamente, a doutrina de formação dos novos policiais, dando ênfase especial ao policiamento preventivo, às ações comunitárias, direitos humanos, ética e cidadania.
Antônio Celso Mendes é professor da PUCPR, coronel da reserva da Polícia Militar e professor nos Cursos Superiores da PM do Paraná.
Artigo encaminhado por Claudio Bayerle, de Jean Pierre Lopes da Silva - 3/06/2011.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A proposta do Cel Mendes corresponde em parte às idéias que tenho e foram publicadas no meu livro "Ordem e Liberdade'e que aqui este blog defendemos:
- O item primeiro - integrar a Polícia Civil no seio do MP - fortalece o Ministério Público nas investigações de casos envolvendo autoridades públicas e desvios de dinheiro público. Nesta caso, os Delegados de Polícia seriam investidos como Promotores Públicos. Hoje o MP organiza forças tarefas investigatórias tirando efetivos da PM.
- O item segundo e terceiro - destinar às polícias militares...- concordo em parte, pois defendo que elas sejam transformadas em Polícias Estaduais assumindo o ciclo completo com segmentos investigativo, pericial e ostensivo, no exercício da preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, "supervisionando as ações das guardas municipais" que assumem o policiamento comunitário nos bairros e guardas de instalações e escolas municipais. Esta Polícia Estadual, paramilitar e fundada na hierarquia, antiguidade e disciplina, passaria ser uma força auxiliar da justiça, sendo supervisionada pelo Poder Judiciário e controlada externamente pelo MP que manteria um representante integrando a Corregedoria da Polícia Estadual.
- O item quatro já está sendo aplicado.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sexta-feira, 3 de junho de 2011
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Lutaram nossos antepassados brigadianos, por mais de 150 anos, pelo status "militar" que obtivemos em 1988. Não sei se tão veemente quanto nós, foi o interesse da PM do coronel autor desse texto a que me refiro. Mas, me parece que outras PMs tiveram e têm esse mesmo nosso alinhamento. Olha, talvez hoje, não se consiga avaliar os constrangimentos que houve nesse caminho de um lado do bacharelismo e do outro das próprias FFAA. Vencemos a ambos.
ResponderExcluirAgora para agradar os ventos socializantes que pairam sobre a Pátria, legítimos, nos tornamos vendilhões do templo.
Eu gostaria de evocar a Espanha. Lá tem a GUARDA CIVIL que é uma instituição MILITAR, constitucionalizada. Eles vivenciaram esta mesma situação que estamos vivendo. Idêntica do ponto de vista operacional e ideológico. Só que não abriram mão do processo histórico proposto pelos antepassados. Sobreviveram e tem o nome de instituição civil, sendo militares. Eles são primeiro mundo. Nós não sabemos o valor da expressão bíblica "honrar pai e mãe", pensamos que sermos importantes para que eles se orgulhem de nós. E no entanto é um pouco diferente. Nós fazemos o saudável crescimento na vida para nós mesmo. Honrar Pai e Mãe é reverenciá-los na forma mais profunda do nosso ser. Os nossos pais profissionais foram os legatários de nossas instituições militares estaduais. Aguardo a réplica.
Afetivo abraço
Ten Cel Pinheiro, jornal Correio Brigadiano