A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sábado, 24 de dezembro de 2011
TRAPALHADA POLICIAL
A GÊNESE DE UMA TRAGÉDIA - FRANCISCO AMORIM | ENVIADO ESPECIAL/CURITIBA, ZERO HORA 24/12/2011
Uma investigação iniciada em Curitiba para apanhar uma quadrilha especializada em sequestros acabou em tragédia em Gravataí, a 700 quilômetros, na quarta-feira. ZH foi à capital paranaense reconstituir a operação fracassada, que resultou em duas mortes e em um estremecimento da relação entre os governos do Rio Grande do Sul e do Paraná.
O produtor rural Osmar Finkler e seu amigo Lírio Persch recebem a chave da F-1000 e os documentos do veículo. É a prova que esperavam de que o drama do cativeiro chegara ao fim, depois de 28 horas. Em instantes, estarão salvos. Para não reconhecer o local, recebem capuzes e são embarcados no Corsa que os conduzirá à liberdade. Os sequestradores abrem a porta da garagem e dão a partida no motor.
Nesse momento, três disparos espocam na garagem. Finkler grita por socorro. Persch mal consegue grunhir e, então, emudece. Quando a situação se acalma e o capuz do agricultor é retirado, ele descobre a razão do silêncio. Seu amigo está morto.
Terminou assim, com uma morte estúpida e desnecessária, às 14h de quarta-feira, no centro de Gravataí, uma operação policial desastrada que teve início no Paraná, envolveu as polícias Civil e Militar gaúchas em uma teia de trapalhadas e resultou na perda de duas vidas inocentes.
ZH teve acesso, ao longo desta semana, em Curitiba (PR), a relatórios e informações que permitem reconstituir os antecedentes da missão mal-executada que surpreendeu os gaúchos. É uma história que começa no dia 5 de setembro, quando um fazendeiro de Ivaiporã (PR) é atraído até um posto de combustíveis de Sapucaia do Sul, na Grande Porto Alegre. Ele vem para comprar uma colheitadeira a preço de ocasião. Quando chega, não encontra um vendedor, mas sequestradores. Encapuzado e colocado em cativeiro, só ganha a liberdade depois de pagar R$ 140 mil ao bando.
Um mês depois, no começo de outubro, o telefone toca no gabinete de Renato Figueiroa, chefe do Tático Integrado Grupo de Repressão Especial (Tigre), unidade antissequestro da polícia paranaense. Do outro lado da linha está um gerente de banco de Ivaiporã. Ele conta que um de seus clientes havia sido vítima de extorsão mediante sequestro.
Convidado a visitar a sede do Tigre, um prédio sem identificação na Vila Izabel, zona nobre de Curitiba, o agricultor lesado em R$ 140 mil confirma o sequestro e revela que fora atraído a Sapucaia do Sul por causa da máquina oferecida de barbada na internet.
– Eles me mandavam e-mail, e havia um site com fotos – contou a vítima.
Os agentes do Tigre descobrem que o site ainda está no ar, com imagens da colheitadeira. Também localizam outras duas vítimas do golpe, produtores rurais de Arapongas (PR) e Terra Roxa (PR). A partir desses elementos, os policiais levantam os números de telefone usados pelos bandidos e obtêm autorização judicial para monitorá-los.
A escuta é feita durante 24 horas por dia e comprova que a quadrilha tem sua base na Região Metropolitana de Porto Alegre, é formada por gaúchos e paranaenses e tem como líder Vladimir Aparecido Carvalho Grade, o Magrão, 45 anos. Apresentando-se como Edson de Oliveira Louzada, ele demonstra uma lábia de mestre ao convencer os agricultores paranaenses a viajar ao Rio Grande do Sul para fechar negócio.
– A gente não devia dizer isso, mas o cara é bom no que faz – comenta um policial do Tigre.
É dada a ordem para a viagem
A informação mais alarmante obtida com as interceptações é que pelo menos 10 fazendeiros estão em tratativas com os falsos negociantes para adquirir a colheitadeira fajuta. Como a quadrilha utiliza vários telefones e nem todos estão grampeados, o Tigre não dispõe de um retrato completo da situação.
Desconhece, por exemplo, que as conversas com o produtor Osmar Finkler, de Quatro Pontes (PR), estão avançadas. Nos dias 17 e 18 deste mês, ele recebe vários telefonemas de Magrão e decide viajar ao Rio Grande do Sul para ver a máquina. Como em outros casos apurados durante as escutas, Finkler é orientado a comparecer a um posto de combustíveis localizado na rodovia Gravataí-Sapucaia do Sul (ERS-118), em Gravataí. Ali, encontraria enviados do vendedor e seria levado até o maquinário.
Finkler e os policiais paranaenses não sabem, mas planejam ao mesmo tempo a viagem a Gravataí. No dia 16, Figueiroa, o chefe do Tigre, havia assinado uma ordem de serviço autorizando o envio de uma equipe. O ofício determina que três agentes, cujos nomes não foram revelados, se desloquem ao Rio Grande do Sul para “qualificar dois suspeitos”.
Esse é o jargão policial para uma operação de identificação de investigados, localização de esconderijos e descrição de rotinas. Além de Magrão, o Tigre estava atrás de seu braço direito, Claudemir Correa dos Santos, o Miro.
– Eles (os policiais) fariam o trabalho durante o tempo necessário. Não estavam engessados. Não tinham hotel reservado ou coisa assim – conta um dos policiais.
Enquanto isso, na última segunda-feira, o produtor rural Finkler telefona para Magrão e confirma o encontro para o dia seguinte, em Gravataí. Ele deixa Quatro Pontes naquela tarde, em sua F-1000. Está acompanhado do amigo Persch, que convidara a “descer pro Sul”. Naquele mesmo dia, os três agentes paranaenses reúnem-se com o chefe para receber instruções. São municiados com fotos dos suspeitos e descrições sobre os veículos da quadrilha.
Depois de pernoitar na estrada, Finkler e Persch chegam às 10h de terça-feira ao Posto Perdigão, de Gravataí, o mesmo indicado repetidas vezes como ponto de encontro nos telefonemas interceptados. Enquanto isso, em Curitiba, o trio de policiais enche o porta-malas da viatura discreta com mochilas e armamento de grosso calibre, incluindo uma submetralhadora Famae, de calibre .40.
No posto de combustíveis de Gravataí, a dupla de Quatro Pontes é abordada por Miro e mais dois comparsas, que se apresentam como os vendedores da colheitadeira. A farsa dura pouco. Os paranaenses são rendidos e colocados dentro de um Corsa com placas de Campo Largo (PR). A picape segue junto.
Quando os policiais partem de Curitiba, Finkler e Persch já são reféns em um sobrado de dois pisos no centro de Gravataí, perto da Câmara de Vereadores. A quadrilha os mantém em uma sala com janelas fechadas. A mando dos bandidos, o produtor telefona para a mulher e pede um depósito bancário de R$ 50 mil. Horas depois, é obrigado a ligar de novo, pedindo mais R$ 5 mil. No final da tarde, envia um torpedo solicitando confirmação do segundo depósito.
Essa movimentação repercute na sala de escutas do Tigre. São interceptadas conversas curtas entre membros da quadrilha que dão a entender que um sequestro está em andamento. À meia-noite, quando chegam a Gravataí, os três agentes recebem uma missão adicional. Além do levantamento do possível esconderijo na periferia da cidade, devem fazer buscas em outros pontos da cidade, onde antenas de celular apontam a presença de suspeitos.
Dois desfechos fatais em uma mesma quarta-feira
Classificada de “ilegal e irresponsável” pelo governador Tarso Genro, a operação clandestina dos policiais paranaenses em solo gaúcho produz seu primeiro desfecho trágico quando o trio de agentes do Tigre chega a Gravataí e recebe uma nova missão de seus superiores.
O veículo discreto com os três homens, que percorre as ruas da cidade metropolitana durante a madrugada de quarta-feira, desperta a atenção do sargento Ariel da Silva, da Brigada Militar. À paisana e de capacete, ele segue o carro com uma moto. Em um semáforo, os dois veículos param. Disparos da submetralhadora Famae atravessam o vidro traseiro do automóvel e atingem mortalmente o sargento. O automóvel é alvejado pela arma do PM. Ainda não está esclarecido o que aconteceu e quem atirou primeiro.
Os paranaenses chamam a Brigada Militar. Com a chegada de colegas de farda de Silva, descobrem que mataram um PM. Encaminhados à Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento, entregam as armas e acionam os superiores em Curitiba. Figueiroa, o chefe do grupo de elite Tigre, é acordado durante a madrugada. Só então, informa o Departamento Estadual de Investigações Criminais gaúcho e o delegado regional de Gravataí Leonel Carivali sobre o possível sequestro em solo gaúcho. O policial paranaense envia de avião um delegado a Porto Alegre, com mais dois agentes.
No final da manhã de quarta-feira, o reforço paranaense está em Gravataí para ajudar a polícia gaúcha nas buscas.
– Vamos à região onde o cativeiro pode estar, para fazer o levantamento – diz Carivali.
Agentes civis dos dois Estados deixam a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento e seguem para a região central de Gravataí. Apesar do desastre da madrugada, o problema da falta de comunicação entre as polícias ocorreria outras duas vezes, com novo desfecho trágico e fatal.
Às14h, a 10 quarteirões do cativeiro, um grupo de policiais civis é abordado por viaturas da Brigada Militar.
– Quem são vocês? O que fazem circulando por aqui? – questiona um PM.
Nesse momento, o restante do grupo, com os delegados gaúchos Leonel Carivali e Roland Short, estacionam na região suspeita. Por incrível que pareça, são abordados por outra guarnição da BM. Enquanto os policiais se identificam, os criminosos, que haviam instalado o cativeiro a poucos metros dali, abrem a porta da garagem. Percebem a presença da polícia. Os delegados, por sua vez, identificam a quadrilha
– Polícia! Polícia! Arma! Arma! – grita o delegado Carivali antes dos tiros fatais.
Três tiros acertam a garagem e o Corsa dos criminosos. Momentos antes de ser libertado, Persch é atingido. Os bandidos fecham a garagem. Segue-se uma negociação breve e a rendição. É então que Finkler, capuz removido, descobre que o amigo está morto.
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