FORA DA ROTA. Pelo menos 19 veículos, 14 deles discretos, foram empregados por delegados e agentes no aniversário do chefe da corporação - CARLOS ETCHICHURY, ZERO HORA 21/04/2012
Na noite de quinta-feira, o chefe de Polícia, Ranolfo Vieira Júnior, comemorou seu aniversário de 46 anos com uma festa em um clube da zona sul da Capital. Durante as cinco horas de duração do jantar, na sede de Associação Atlética Banco do Brasil (AABB), pelo menos 19 viaturas – cinco preto e branco e 14 discretas – foram empregadas por delegados e agentes.
O aniversário de Ranolfo, definido como “evento institucional” pelo Departamento de Comunicação Social da corporação, mereceu destaque no site oficial da Polícia Civil. Na capa, entre notícias de crimes e dados oficiais, constava:
“Ocorre nesta quinta-feira (19/04), com a presença do secretário da Segurança Pública, Airton Michels, entre outras autoridades, o jantar de comemoração do aniversário do chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Júnior”.
Mais adiante, o texto informava:
“Os ingressos custam R$ 45,00 e estão à venda, até as 18 horas de quinta-feira (19/04) na Divisão de Comunicação Social, localizada no Palácio da Polícia, na Av. João Pessoa, 2.050, 3º andar, sala 411”.
O jantar, que contou com a presença de desembargadores, magistrados, promotores e secretários de Estado, movimentou as autoridades gaúchas. Logo na entrada do clube, estava uma caminhonete Blazer, com sinalizador luminoso ligado. Dentro do estacionamento, havia outras duas caminhonetes com sinalizadores, ora ligados, ora desligados.
No salão de festas da AABB, os 350 convidados eram recepcionados por seis policiais fardados do Grupamento de Operações Especiais (GOE) – uma equipe de elite da Polícia Civil. A função dos agentes, fardados e armados com pistolas, era de “garantir a segurança dos convidados”, segundo a Comunicação Social da Polícia.
Também havia carros do Interior sem logotipo
À medida em que o tempo passava, viaturas entravam e saíam do estacionamento da AABB. Zero Hora apurou que delegados e agentes de cidades como Santa Maria, na Região Central, e Montenegro, no Vale do Caí, utilizaram veículos oficiais sem logotipo. A maior parte dos carros da corporação empregados nos deslocamentos era de Porto Alegre e da Região Metropolitana. Os veículos, a maioria Focus, estão lotados em delegacias como Roubos, Homicídios, Departamento de Investigação do Narcotráfico (Denarc). A festa se encerrou por volta da 1h.
ZH procurou o chefe de Polícia, Ranolfo Vieira Júnior, mas ele preferiu se manifestar apenas por meio da assessoria de Comunicação Social.
SUA SEGURANÇA | Humberto Trezzi. O público e o privado
Diferentemente do que muitos irados cidadãos pensam, é justificado que algumas vezes o agente da lei leve o veículo oficial para casa. Chefes de investigação, plantonistas e outros policiais civis costumam ser chamados fora de hora, para resolver assuntos urgentes ou, no mínimo, desagradáveis. Nessas ocasiões, o comando da corporação autoriza que o servidor se desloque com o carro até a casa ou quando está em meio a uma tarefa, para um contato com a família antes de nova missão. Fica tudo dentro do razoável e do combinado.
Não parece ser isso o que ocorreu na homenagem ao chefe de Polícia, o competente Ranolfo Vieira Júnior. Sem urgência, dezenas de policiais compareceram com suas viaturas a uma festa, como mostra a reportagem de Carlos Etchichury e Ronaldo Bernardi. Alguns até poderiam justificar que deram lá uma passada em meio a uma investigação noturna, mas todos eles? É possível supor que acharam não ser problema usar a viatura para uma visitinha de cortesia ao homem que comanda a Polícia Civil gaúcha. A questão é que confundiram o público e o privado. Carro governamental não deve ser usado para fins particulares, por melhores que sejam as intenções. Sem falar no fato de que grande parte dos agentes e delegados – talvez a maioria – possui automóvel. Para que usar viatura numa festa? Gestos assim em nada contribuem para melhorar a imagem da polícia junto à população.
O que diz a Chefia de Polícia - “A festa de aniversário do chefe de Polícia é tratada como uma evento institucional, que faz parte da história da corporação. Devido à grande presença de autoridades que eram esperadas, foi solicitado ao GOE que fizesse a segurança. Por isto, as viaturas ostensivas. Em relação às viaturas discretas, não temos a relação dos veículos presentes. Mas quem não estava em serviço, não deveria utilizar veículos oficiais. O critério é o seguinte: quem está de serviço ou de plantão de sobreaviso, que pode ser acionado urgentemente a qualquer momento, pode utilizar carro oficial em eventos sociais. É importante que fique claro que, embora seja um evento institucional, não há recursos públicos utilizados”.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sábado, 21 de abril de 2012
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