OPINIÃO O Estado de S.Paulo - 12/04/2012
Cedendo a pressões dos delegados da Polícia Civil, o governador Geraldo Alckmin enviou para a Assembleia Legislativa uma Proposta de Emenda à Constituição do Estado de São Paulo (PEC n.º 19/2011), que inclui os membros da corporação nas chamadas carreiras jurídicas de Estado. Pela PEC, que acrescenta quatro parágrafos à Constituição, a carreira de delegado é definida como "atribuição essencial à função jurisdicional do Estado e à defesa da ordem jurídica".
Essa é uma antiga reivindicação da categoria. O que interessa aos delegados é aumentar sua autonomia, conquistando as mesmas prerrogativas dos promotores e juízes. Pela PEC, que foi já aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, os delegados passam a ter "independência funcional pela livre convicção nos atos de polícia judiciária". Com isso, se o plenário aprová-la, os delegados só poderão ser removidos do cargo a pedido ou por motivo de interesse público justificado pelo Colegiado Superior da Polícia Civil.
Ao justificar a ampliação das prerrogativas dos delegados, Alckmin alegou que a medida visa a "elevar o nível de qualificação dos delegados" e a promover "o aperfeiçoamento institucional da Polícia Civil". No mesmo tom, os integrantes da CCJ da Assembleia afirmaram que a aprovação da PEC "terá o salutar efeito de externar o empenho da Administração em continuar imprimindo maior e mais atualizada gestão à Polícia". E, para os delegados, o aumento das prerrogativas lhes permitiria trabalhar "livre de ingerências indevidas".
O que levou o governo a apresentar essa PEC não foi a preocupação com a reforma da máquina estadual, mas um acordo firmado com os líderes sindicais da Polícia Civil para evitar novas greves. Em 2011, os delegados só ameaçaram suspender suas atividades. Mas, em 2008, eles haviam cruzado os braços por 59 dias consecutivos e só voltaram ao trabalho depois que o ministro Gilmar Mendes, do STF, considerou o protesto inconstitucional. "É possível um poder de onde se emana soberania fazer greve? No caso da polícia, tem outro componente, inclusive para a ordem pública. Um órgão incumbido de manter a ordem pública passa, na verdade, a ser um elemento de eventual perturbação", disse ele.
Como era de esperar, a possibilidade de aprovação da PEC n.º 19/2011 estimulou os delegados da Polícia Federal (PF) a defender reivindicações semelhantes às dos delegados paulistas. Além da inamovibilidade, os delegados federais pedem vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos - o que, na prática, os coloca no mesmo patamar dos procuradores da República e da magistratura. Os delegados federais alegam que, sem essas prerrogativas, continuarão sofrendo interferências políticas no combate ao crime organizado. "A categoria precisa de garantias porque é comum a influência de outros poderes e mesmo da máquina governamental nos procedimentos conduzidos por delegados federais. É muito comum que as operações policiais passem a envolver altas autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário ", diz o presidente do Sindicato dos Delegados da PF em São Paulo, Amaury Portugal.
Que há pressões e tentativas de ingerência nas investigações policiais, disso ninguém duvida. Mas, para contê-las, bastam determinação e seriedade, por parte dos delegados. O que não se pode é dar à corporação uma independência e prerrogativas que a converteriam em Poder político. No Estado de Direito, a Polícia Civil é comandada pelo governo, cujos dirigentes são eleitos democraticamente e precisam de flexibilidade e discricionariedade para implementar políticas de segurança pública. Já as carreiras com as quais os delegados querem equiparação envolvem funções de Estado inerentes ao princípio da tripartição dos Poderes - e é por isso que seus integrantes precisam de autonomia funcional.
Preocupado em evitar greves dos delegados paulistas, Alckmin cometeu um grave erro político. Se, com as regras vigentes, muitos policiais já exorbitam, o que poderá acontecer se tiverem as mesmas prerrogativas de promotores e juízes?
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - O Governador Alckmin está certíssimo e dá um passo importante e exemplar rumo à valorização da carreira policial.. O equívoco neste caso é daqueles que não reconhecem a importância da função da polícia num Sistema de Justiça Criminal. Apesar de não constar na constituição, a função policial é essencial à justiça, pois é nela que o Estado dá início à contenção dos delitos que terão continuidade na justiça em forma de processo até a sentença final. Esquecer disto, é fomentar mazelas que estimulam a insegurança no Brasil e contaminam as organizações responsáveis pela preservação da paz social como a falta de comunicação, a separação de poderes, a desarmonia entre as instituições, as ligações burocráticas e o corporativismo.
A conclusão do editorial sobre prerrogativas é falaciosa, já que aqueles que hoje são considerados "carreira jurídica" não estão livres de exorbitâncias e falhas.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
quinta-feira, 12 de abril de 2012
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