ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

INVESTIGAÇÃO SELETIVA


Relatório expõe a impunidade - CARLOS ETCHICHURY. Colaborou Francisco Amorim. zero hora 23/04/2012

Após revelar, na edição de domingo, o descontrole em relação a armas apreendidas, ZH mostra o quadro preocupante esmiuçado pelo Ministério Público sobre as investigações nas delegacias de Porto Alegre
A regra nas delegacias distritais da Polícia Civil em Porto Alegre é investigar crimes com “autoria conhecida” ou “delitos que dão repercussão na mídia”.

É o que revela o relatório do Controle Externo da Atividade Policial, referente ao ano de 2010, encaminhado à cúpula de segurança pública ao qual Zero Hora teve acesso com exclusividade. O documento atesta:

A fragilidade das investigações policiais é assunto recorrente. Em 2008, em uma série de reportagens, Zero Hora mostrou que apenas 16% dos inquéritos geravam denúncia. O restante (84%) era devolvido para investigações ou pedido o arquivamento.

O documento de 81 páginas, que sintetiza um ano de visitas dos promotores a delegacias, sinaliza que, quatro anos depois, o problema permanece sem solução:

Dois terços ignorados

Dos 2.366 crimes registrados entre janeiro e outubro de 2010 na 7ª Delegacia da Polícia Civil, zona sul da Capital, 1.521 (64,2%) sequer foram investigados. Entre eles, há crimes graves como assaltos a residências, roubos de veículos, ataques ao comércio, cujos autores provavelmente permanecem impunes.

Proprietário de um Centro de Formação de Condutores, um empresário de 51 anos é uma das vítimas que procurou a 7ª DP. No final de janeiro, às vésperas do feriado de Nossa Senhora dos Navegantes, o homem foi rendido quando chegava em casa, no bairro Ponta Grossa.

– Entrei rápido na garagem, mas nem consegui sair do carro. Dois caras me surpreenderam apontando uma arma – conta.

Os criminosos invadiram o imóvel de três pisos, vasculharam todos os 12 cômodos, acordaram a mulher da vítima, uma comerciante de 44 anos, aterrorizaram os três filhos do casal – dois adolescentes com 11 e 15 anos e um jovem de 19 anos.

– Chegaram a colocar a arma na cabeça do mais novo – recorda.

Fugiram levando R$ 1,3 mil em dinheiro, documentos, cartões de crédito, três celulares e um Ka da família – além de um Golf vermelho, conduzido por um terceiro comparsa.

– Sequer cobriram os rostos – pondera a vítima, que pede para não ser identificada na reportagem.

Um policial para investigar

Com o efetivo disponível, é improvável que algo fosse investigado na 7ª DP. No dia 9 de março, data em que promotores realizaram uma das visitas à repartição, havia sete servidores trabalhando, distribuídos da seguinte forma:

Surpreso ao saber que o inquérito policial nem chegou a ser instaurado, o empresário desabafa:

– Eu esperava que alguém investigasse, que fosse atrás dos bandidos. É um absurdo.

Três dias após a residência ser devassada, o empresário soube que, no mesmo bairro, criminosos, também a bordo de um Golf vermelho, assaltaram uma padaria.

– Talvez não fosse tão complicado prendê-los – complementa.

À espera desde 2003

Nos armários empoeirados da repartição da 20ª DP, no bairro Cristal, ocorrências policiais repousam desde 2003 à espera de alguém para investigá-las.

Uma delas foi registrada pelo gerente de projetos Alexandre Faria Silva, 46 anos. Morador do bairro Cristal, ele foi rendido quando chegava em casa, na Rua Butuí, às 19h do dia 3 de agosto de 2010. Antes que os bandidos fugissem levando um 307, Silva teve tempo apenas para retirar o filho de seis anos, sentado numa cadeira infantil no banco traseiro. Surpreso com a inépcia policial, Silva pondera:

– Eu imagino que por trás de um assalto, atuem quadrilhas organizadas. Se não houver investigações, os roubos continuarão acontecendo e as consequências serão cada vez mais graves. Não vou entrar no mérito das deficiências da polícia, da falta de efetivo, mas a sociedade espera soluções concretas.

O carro foi recuperado no início da madrugada seguinte, seis horas mais tarde. No porta-malas, Silva encontrou papéis e documentos de outras vítimas, supostamente atacadas na mesma noite.

– Quantas pessoas mais foram assaltadas por aquele grupo? – questiona.

A interpretação do MP é de que não há método para decidir o que deve ser investigado:


Próximos passos

“Os demais (crimes) permanecem estagnados nas dependências dos órgãos policiais onde se vê um serviço de investigação pouco efetivo.”

“Para que se tenha uma ideia, no mais das vezes, nem crimes graves, como, por exemplo, roubo e extorsão, têm os seus respectivos cadernos policiais instaurados se a autoria não é conhecida”.

“...dois no cartório, três no plantão, um em outros setores e um na investigação”.

“...deixou-se de formalizar e instaurar inquéritos policiais que passaram a atender não o princípio da obrigatoriedade, mas o princípio da conveniência, ligado ao entendimento pessoal de cada delegado de polícia no que respeita à viabilidade investigatória e relevância”.

- Todas as informações obtidas nas fiscalizações do Controle Externo da Atividade Policial, como atas de inspeção e o relatório final, são encaminhadas pelos promotores de Justiça aos titulares e aos delegados regionais. O material também é entregue ao Corregedor-Geral da Polícia Civil. Caso não sejam tomadas providências para corrigir as irregularidades apontadas, o MP pode ingressar com medida judicial. O controle externo é realizado no Estado desde 2003.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - A polícia civil é a menos culpada disto. Ela se desdobra para cumprir o seu papel com recurso escasso e sistema falho. Três fatores fomentam esta realidade na Polícia Civil: descaso do Poder Executivo Estadual para com suas forças policiais, inoperância do MP no controle externo e inexistência de um Sistema de Justiça Criminal supervisionado pelo Poder Judiciário. No Brasil, os poderes trabalham isolados, separados do Estado e longe dos anseios da sociedade.

Eu venho defendendo a criação de um Sistema de Justiça Criminal onde os órgãos de prevenção, coação, justiça e cidadania trabalhariam em conjunto com ligações ágeis e desprendidas da soberba do corporativismo. Um sistema com comunicações e ligações desburocratizadas e sem a necessidade do arcaico e assessório inquérito policial que prejudica as investigações e emperra o andamento dos autos até a justiça, hoje prejudicada pela insuficiência de juizes e servidores, longos prazos e vários recursos que obstruem o andamento dos processos, o julgamento e o transitado em julgado. O Brasil precisa deixar o papel de lado criando suporte legal que submeta o direito do indivíduo ao interesse público, investindo em audiências judiciais para ouvir as partes, provas técnicas, gravações com aval da perícia. Um sistema que possa envolver os Poderes de Estado, estabelecer controles de Estado, pensar em estratégias comuns e desenvolver ações proativas e integradas para dar uma resposta célere à sociedade contra a violência e contra a criminalidade.

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