Del. Pol. Roger Spode Brutti - 01/10/2008, Portal da ASDEP.
Os governos passam, as sociedades morrem, mas a Polícia é eterna.(Honoré de Balsac).
Observação preliminar: após mais um dia de estafante trabalho na Fronteira deste Estado gaúcho, neta Cidade de Uruguaiana/RS, onde respondo por várias Delegacias, resolvi sentar-me à frente do computador e, degustando calmamente um bom vinho, escrever um pouco acerca do assunto “subsídios”, tema tão palpitante nos últimos dias por todos os bastidores policiais deste Estado, inclusive nesta Região da fronteira. O interesse que me despertou a escrever foi a atitude esperançosa e eufórica que observei em uns, o ar curioso e perplexo sobre o assunto que observei em outros e o pessimismo estampado nas palavras e nas faces de muitos outros. Assim, antes de firmarmos um entendimento a respeito, não custa nada refletirmos um pouco mais sobre esse tópico. Aliás, conforme outrora nos disse Thomas Arnold, o verdadeiro conhecimento, como qualquer outra coisa de valor, não é para ser obtido facilmente. Deve-se trabalhar por ele, estudar por ele, e, mais que tudo, rezar por ele.
O QUE É, AFINAL, SUBSÍDIO?!
Bem, o subsídio é uma forma de retribuição pecuniária que está perfeitamente prevista na nossa Constituição Federal. Quando se fala em servidores públicos, é a chamada contraprestação pelo serviço que este presta, ou seja, é a sua remuneração.
Ocorre que a Emenda Constitucional nº 19/1998 trouxe-nos algumas modificações na sistemática de remuneração dos agentes políticos e dos agentes públicos, procurando moralizar o sistema remuneratório e desfazer disparidades que ainda existem.
Tudo isso ocorreria por meio de uma parcela única, nos exatos termos da redação conferida ao artigo 39, § 4º, da CF, qual seja: § 4º. O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.
O interessante é que não são apenas os cargos expressos acima que podem receber o subsídio, porquanto a Constituição Federal impõe o pagamento, na forma de subsídio, além dos membros de Poder, detentores de mandato eletivo, Ministros de Estado e Secretários Estaduais e Municipais, também aos membros da Magistratura e do Ministério Público, da Advocacia Pública, da Defensoria Pública e das carreiras Policiais (vide art. 144, § 9º, da CF, o qual dispõe que a remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados, dentre eles as “polícias civis”, será fixada na forma do § 4º do art. 39), bem como facultada aos demais servidores públicos o mesmo regime remuneratório, desde que organizados em carreira (CF, art. 39, § 8º).
POR MEIO DE UM SINGELO COLOQUIALISMO, QUAIS SÃO, ENTÃO, OS ENTRAVES PARA A IMPLEMENTAÇÃO DOS SUBSÍDIOS ÀS CARREIRAS POLICIAIS?!
Não pretendendo escrever uma redação jurídica neste momento, mas apenas estampar alguns pensamentos francos e diretos ao leitor, muitos destes, frise-se, agentes policiais interessados diretamente no assunto, prefiro aqui discorrer como se estivesse falando pessoal e informalmente com um amigo.
De plano, então, afirmo, desde já, que, de acordo com o pensamento suso de Honoré de Balsac, desde os primórdios da sociedade, a polícia é uma constante, sendo que suas nuances sempre foram relativas apenas à cultura específica de cada povo.
Dentre os homens, quem nunca brincou um dia de ser polícia, quando ainda era infante?!
Sem polícia, estejam disso certos, não há sociedade!
A ordem é o marco de qualquer estruturação social. Polícia exprime a faceta governamental que, fardada ou não, estruturada de um jeito ou de outro, tem o desígnio precípuo de manter a ordem.
A ordem social pode viver, sim, e assim já viveu, sem a figura do Ministério Público, sem a figura do Defensor Público, Sem a figura do Procurador de Justiça, sem a figura do Procurador da República, enfim. Já viveu, até, sem a figura do Juiz.
Não obstante, nunca se ouviu dizer que, a partir do momento em que o homo sapiens passou a existir em aglomerados, na própria gênese da sociedade tal qual a concebemos hoje, houvesse subsistido sem a polícia, ainda que fosse ela constituída apenas da figura de um líder natural do grupo, o qual impusesse a ordem pela sua força, ancorado, é claro, na subserviência dos demais.
Contudo, ainda assim, esse papel precípuo das polícias como expressão estatal vital à estruturação e manutenção das sociedades nem sempre foi tratado com o devido respeito e reconhecimento.
E é claro, a razão disso não é difícil de compreender.
Todo déspota que liderava todo e qualquer grupo social, precisava de longa manus seus que efetivassem seus comandos. Utilizava-se para tanto, pois, das suas polícias.
Não podia ele, no entanto, por razões óbvias, conceder acentuada faculdade de discernimento, de escolha, de liberdade, enfim, de poder às suas polícias, pois, caso contrário, subjugado poderia ser, um dia, por ela mesma.
Assim, o governante concedia força às suas polícias até aquele limite que lhe apetecesse, ou, em outras palavras, que não lhe causasse perigo.
Em havendo, por ventura, algum ou alguns integrantes das suas polícias que se sublevassem contra o seu governo, eram eles exemplarmente punidos, como metodologia tendente a frear futuras sublevações. É o que alguns denominam, no regime militar, por exemplo, como anúncio do exercício de poder de quem lidera e demonstra estar descontente, utilizando-se, para tanto, da expressão indicativa de que “cabeças vão rolar”.
Desta forma, os déspotas sempre controlaram as suas polícias, transformando-as, em verdade, em simples instrumentos dos seus interesses, não em mecanismos indispensáveis aos interesses legítimos da sociedade.
E em nossos tempos modernos?!
Bem, surgiram as assembléias, as câmaras, os senados, enfim, o Legislativo. Com ele, e os jornais diariamente confirmam isso, os maiores corruptos da nossa sociedade disseminaram-se, geralmente camuflados em seus ternos de colarinho branco, elaborando as Leis que nos regem e que disciplinam os mais variados interesses, muitos deles dos próprios legisladores.
A pergunta que exsurge, neste momento, é: seria do interesse do legislador, que faz a Lei, conceder, por meio dela mesma, tal poder à Polícia que esta pudesse, se assim entendesse justo e perfeito, retirá-lo do poder, pelos crimes que praticou, e levá-lo ao cárcere?
Talvez por desatenção, vejam bem, o Governo concedeu um certo “poder”, ainda que da forma mais básica possível, qual seja ele, por meio de recursos materiais à Polícia Federal nos últimos anos. E os Senhores perceberam o resultado de tudo isso? Foram desembargadores, procuradores, líderes de governo, etc. que conheceram, in loco, o que nem em um devaneio poder-se-ia outrora imaginar: o cárcere.
Mas é claro, atentando-se para o fato de que não é essa a polícia que “eles” desejavam, já começaram, inclusive por meio dos Tribunais Superiores (que são tribunais políticos, com provimentos políticos, a bem da verdade) a castrar novamente o poder das polícias, propagando que houve banalização de prisões preventivas na primeira instância, cassando muitas delas, restringindo a utilização das algemas, revoltando-se (e nisso o Legislativo federal também participa com projeto de Lei) contra a execração pública de presos provisórios, etc.
Interessante é que, enquanto eram apenas os ladrões de galinha os algemados e execrados publicamente, nos folhetins, nos jornalecos, nos programas de rádio e de televisão sensacionalistas, tudo andava bem, mas, quando isso passou, como em um sonho surreal noutrora inimaginável, a atingir os próprios detentores do poder, anunciou-se: BASTA!
Vergonhoso!
Algum dos Senhores já pensou sobre o porquê de o Poder Judiciário SEMPRE ganhar o que pede (e com ele o Ministério Público também)? Simples: porque o Judiciário PODE decidir contra os interesses do Governo e o Ministério Público PODE propor as ações que entender contra o mesmo Governo. Trata-se, pois, de um “jogo” de poder.
Os Senhores sabem por que os Procuradores de Justiça GANHARÃO, mais cedo ou mais tarde, os subsídios pelos quais também reclamam? Porque, nas disputas judiciais em que o Estado participa, são eles que representam os interesses do governante, podendo-se empenhar ferrenhamente, ou não, para defendê-lo!
E quanto à Polícia?!
Bem, será que o Governo está realmente preocupado com ela, se os cargos de gestão dessa mesma Polícia são preenchidos e desocupados com o aval do próprio Governo? Se os integrantes dessa Polícia não dispõe de prerrogativas tão essenciais às suas nobres funções, como a inamovibilidade, há muito já conquistada pelos integrantes de outros poderes? Não seria crucial ao líder de uma instituição, na luta pelos direitos da sua classe, dispor de inamovibilidade no cargo, durante certo período de tempo pré-estabelecido, ao menos, para que se amplificassem suas forças contra um governo tirano ou apático, por exemplo, para com os direitos dos seus subordinados?
Essas reflexões básicas, ditas aqui com um linguajar simples, são, ao meu ver, elementares à compreensão da problemática e das barreiras que se mostram à vista para a implementação dos subsídios às carreiras policiais.
Realmente, parece-me ser dificílima a implantação dos referidos subsídios às polícias, as quais sempre foram tratadas pelos governantes como cães os quais jogados deveriam ser, com toda ferocidade, nas favelas que rodeavam os viçosos condomínios de luxo ocupados pelos próprios governantes.
Estejamos, e é isso o que desejo neste simplicíssimo redigido, atentos para o óbvio: a dificuldade que há em se obter a implementação dos subsídios às polícias.
Todavia, isso não é impossível. Há pouco tempo, e este é apenas um exemplo, a Polícia Rodoviária Federal recebia salários baixíssimos e incondizentes com a importância dos seus misteres, mas, com muita luta, recebe hoje, qualquer agente seu, mais do que Delegados de Polícia Civil em classe inicial de muitos estados do Brasil, gestores de Polícia Judiciária que são.
É dificílima referida conquista, portanto, mas não impossível!
Um ponto valiosíssimo que se percebe, não obstante, a todo momento, é a união inexorável que está ocorrendo entre as autoridades policiais e os agentes da Policia Civil em prol do mesmo objetivo, bem como a harmonia uníssona, nesse mesmo sentido, entre as Polícias Civil e Militar.
Isso é, de fato, essencial!
Em assim não sendo, olvidando-se de uma imprescindível união, insistência absoluta e contundente ao encalço de um mesmo desígnio, não se alcançará o que muito se tem sonhado, o que indiscutivelmente é justo, o que, estampadamente, a Constituição Federal reclama.
Dessa arte toda, portanto, finalizando este simplório texto e parafraseando Karl Marx e Friedrich Engels em seu “Manifesto Comunista”: UNI-VOS!
AUTOR: Roger Spode Brutti. Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA) de Buenos Aires/Ar. Mestrando em Integração Latino-Americana pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Universidade Franciscana do Brasil (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA). Graduado em Direito pela Universidade de Cruz Alta/RS (UNICRUZ). Professor Designado de Direito Constitucional, Direito Processual Penal e Direito Penal da Academia de Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (ACADEPOL/RS). Membro do Conselho Editorial da Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
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