Exclusivo: Disputa por mandados opõe polícias Civil e Militar em Caxias do Sul. Documento assinado por 16 delegados foi encaminhado ao Fórum solicitando que PMs. Guilherme A.Z. Pulita - O PIONEIRO, Segurança | 26/02/2011 | 08h14min
Um documento assinado por 16 delegados e encaminhado à Justiça no dia 14 de fevereiro pode sepultar o projeto da Secretaria da Segurança Pública (SSP) de transformar a cidade em modelo de integração das forças policiais.
A guerra institucional foi deflagrada depois de PMs terem cumprido um mandado de busca e apreensão autorizado pelo Judiciário. A ação teria causado prejuízo às investigações, segunda a Polícia Civil, e foi encarada como uma afronta. Delegados acusam PMs de invasão de atribuições e querem que a Justiça não autorize mais a execução de mandados por brigadianos. Na próxima semana, deve ocorrer uma reunião entre os representantes das duas corporações e juízes criminais de Caxias.
O mandado de busca que motivou o levante da Polícia Civil foi cumprido no dia seguinte à reunião entre o comandante-geral da BM, coronel Sérgio Roberto de Abreu, e o chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Junior. O encontro, quando se anunciou o plano de integração, aconteceu no dia 1º de fevereiro, na sede do Comando Regional de Policiamento Ostensivo (CRPO/Serra), em Caxias. O clima foi cordial e a promessa, de integração.
No final da tarde do dia seguinte, PMs do setor de inteligência da BM receberam a informação de que parte das 18 armas e munições roubadas no começo da manhã daquele dia da Javali Caça e Pesca, no bairro Lourdes, estaria na casa de um homem no bairro Arcobaleno. PMs relataram a descoberta ao Ministério Público — e não à Polícia Civil, responsável pelo inquérito do assalto —, que solicitou o mandado à Justiça. A ordem de busca foi autorizada pela juíza plantonista Milene Fróes Rodrigues Dal Bó.
Com o mandado em mãos, PMs foram à casa descrita na denúncia. O dono havia fugido, mas deixou para trás uma touca ninja, um radiocomunicador, um colete à prova de balas e um revólver calibre 38. Também foram apreendidas joias, celulares, chaves de veículos e equipamentos eletrônicos. Policiais civis mostraram insatisfação com a investigação paralela dos PMs, que não surtiu efeito na investigação sobre o roubo à loja.
De acordo com o documento que o Pioneiro teve acesso exclusivo, a Polícia Civil acusa a BM de ter agido para demonstrar eficiência à comunidade. Os delegados também questionam a forma como as informações chegaram ao Judiciário (via MP), uma vez que o mandado foi solicitado por um promotor de Justiça, mas com base em informações do setor de inteligência da BM. Os delegados alegam que o acompanhamento do cumprimento de mandados é prerrogativa da Polícia Civil.
Os representantes da Polícia Civil também solicitam providências para que PMs não cumpram mais buscas na casa de suspeitos.
"Não podemos compactuar com as medidas tomadas pela Brigada Militar quanto à invasão de atribuições", diz o documento.
O que diz a lei - A Constituição Federal diz que a investigação de crimes é função da Polícia Civil. A Brigada Militar, por sua vez, tem o dever de prevenir a criminalidade e garantir a ordem por meio do policiamento.
Policiais civis perdem espaço para brigadianos
O mandado de prisão cumprido na casa de um suspeito do roubo à loja de armas foi o episódio derradeiro para a reação da Polícia Civil. Desde que o coronel Nicomedes Barros Vieira Junior assumiu o comando do CRPO, no final de janeiro, policiais civis começaram a prestar atenção às mudanças de filosofia dentro da Brigada Militar e que se refletia nas delegacias. Na Era Nicomedes Barros, o número de prisões e de apreensões cresceu, provocando ciumeira na Polícia Civil.
O coronel determinou a união dos setores de inteligência do CRPO/Serra e do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM) e lotou todos os PMs na Agência Regional de Inteligência, a ARI, sediada no CRPO.
A fusão das P2 (como é chamada a divisão de PMs que trabalham de forma discreta) causou desconforto na Polícia Civil. Agentes começaram a perder terreno nas investigações. Isso porque a ARI conta com 22 PMs trabalhando em missões durante 24 horas, sete dias por semana. O número é maior do que o de policiais civis lotados nos setores de investigação. Com mais recursos humanos, PMs aumentaram o número de prisões. Somente de traficantes, foram 40 em fevereiro. Para alguns PMs, os agentes ficam com ciúmes. Mas a questão é mais ampla. A BM começou a ganhar visibilidade nos noticiários, o que daria, de acordo com um policial civil que tem o nome preservado, a impressão de que a Polícia Civil pouco faz pela segurança.
No documento entregue à Justiça, os delegados descrevem:
“Medidas dessa natureza podem causar considerável prejuízo à investigação policial, tendo reflexos no prejuízo à sociedade, a qual se depara com um serviço de polícia ostensiva precário, quando então, muitos policiais militares, os quais deveriam estar nas ruas garantindo a segurança dos cidadãos, estão envolvidos em atividades policiais que não lhe dizem respeito, alheios às suas funções”.
Assalto contra juiz – A BM está atuando na investigação sobre o assalto ocorrido na casa de um juiz nesta semana, em Caxias. Dois homens foram presos por PMs momentos após o roubo.
Na noite de sexta-feira, brigadianos prenderam um terceiro suspeito no bairro Jardelino Ramos. PMs estavam com mandados de busca de apreensão, encaminhados pelo Ministério Público, para entrar em nove casas onde estariam objetos roubados do juiz. Além do suspeito preso, um homem foi detido por porte ilegal de arma.
- A insatisfação da Polícia Civil em relação ao trabalho de PMs tem origem nas unidades conhecidas como serviço de inteligência da Brigada Militar ou P2.
- Quase todos os quartéis da BM no Estado mantêm brigadianos atuando como investigadores. Em tese, a divisão de inteligência serve para que a BM previna crimes, mapeando quais regiões de uma cidade são mais afetadas pela violência e onde ocorrem mais assaltos, entre outros.
- As informações coletadas podem indicar se criminosos estão planejando roubos a banco ou a carro-forte, por exemplo. Com isso, a BM planeja ações de prevenção e reforço no policiamento.
- O serviço de inteligência também recebe dados sobre a participação de suspeitos em crimes. Se as informações tratam de uma ocorrência do dia, os colegas de farda na rua são alertados para ficarem atentos a flagrantes.
- Em outros casos, quando não cabe mais flagrante, o serviço de inteligência costuma repassar as informações ao Ministério Público, que oficializa a investigação e solicita à Justiça mandados de busca, apreensão ou de prisão.
- A Justiça só expede mandados de busca, apreensão e de prisão por solicitação do Ministério Público ou da Polícia Civil. Os promotores oficializam o pedido a partir das investigações da Polícia Civil, de apurações próprias ou de pedidos da Brigada Militar.
- A partir do momento em que um mandado é expedido e colocado no sistema de consultas da Secretaria de Segurança Pública (SSP), qualquer policial militar ou civil pode efetuar a prisão.
- Tanto a Brigada Militar quanto a Polícia Civil podem fazer prisões ou buscas sem mandado. Porém, essa exceção vale somente para flagrantes. Por exemplo: um homem é visto traficando drogas na rua e se refugia em uma casa durante a abordagem. Os policiais podem entrar na moradia desde que se caracterize uma perseguição.
- Outro exemplo: a polícia recebe denúncia de que alguém escondeu produtos de um roubo ocorrido no mesmo dia ou em dias anteriores. Para entrar na moradia do suspeito, é necessário um mandado de busca e apreensão, porque não houve perseguição ou situação que caracterizasse o flagrante.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Esta disputa não é nova e isto ocorre por força da desordem do "sistema anárquico" de preservação da ordem publica vigente no Brasil, especialmente no aparado policial. Apesar de ainda não reconhecer a necessidade de um polícia de fronteiras, a União tem valorizado a polícia federal que entra neste século trabalhando com o ciclo completo policial - investigativo, pericial e ostensivo. Por outro lado, os Estados federados promovem e alimentam um conflito na política policial na sua natureza, dividindo este ciclo e distribuindo para duas e até três corporações muito diferentes em estrutura, regramento, formação e cultura organizacional, ocasionando as seguintes divergências e contradições:
Esta política falaciosa é que dá origem aos ocnflitos e queda de braço entre as polícias estaduais, pois a natureza do ciclo policial exige a integração dos três segmentos, pois um precisa do outro para funcionar com complementação e eficácia.
O QUE ESTÁ OCORRENDO
- Os policiais civis estão se fardando, tripulando viaturas caracterizadas e realizado operações típicas do policiamento ostensivo e militares nos espaços deixados pela ausência ostensiva. Patrulham as ruas com volantes ostensivas, fazem blitz e realizam operações de combate e cerco. A falta de experiência e capacidade técnica têm produzido vários erros. Infelizmente, não ofereceram tanta resistência quando lhes sequestraram a perícia, importante segmento de complementação e reforço investigativo.
- As polícias militares sempre contaram com grupos de policiais discretos para investigar ilícitos de natureza policial militar, dando suporte aos processos pertinentes aos assuntos internos e justiça militar. Porém, assim como a polícia civil nas suas necessidades periciais e ostensivas em razão do ciclo policial, a polícia militar é obrigada a ampliar seu aparato discreto para reforçar a inteligência na preservação da ordem pública e para apoiar o emprego do policiamento ostensivo nas ruas. As PMs sofrem com a falta de efetivos para a permanência do policiamento ostensivo nos bairros, especialmente nas periferias. Também aqui, a falta de experiência e capacidade técnica para investigar têm produzido vários erros.
- Os três segmentos policiais que constituem o ciclo policial - investigativo, pericial e ostensivo - jamais serão eficazes se continuarem sendo utilizados de forma isolada, burocrata e corporativa. O formato do aparato policial brasileiro é inoperante, burro e uma piada para quem conhece um pouco de polícia. Ou ocorre uma unificação, ou se distribua legalmente para cada polícia o ciclo completo, limitando apenas o espaço de competência sem dividir o ciclo.
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
domingo, 27 de fevereiro de 2011
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