A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
A UNIFICAÇÃO POR HÉLIO BICUDO
No final do século passado e no início deste, com a República e o modelo federativo adotado, as antigas províncias, que se constituíram em estados autonômos, trataram desde logo de organizar-se para preservar aquele modelo e a independência conquistada. Afinal, as Forças Armadas, então representadas pelo Exército e pela Marinha, eram corporações nacionais a serviço da União. Contra elas era preciso antepor dispositivos de dissuasão, capazes de dificultar ou mesmo impedir que o poder central se tornasse incontestável, anulando dessa forma a autonomia das unidades federadas.
Foi assim que se constituíram pequenos exércitos estaduais chamados “Forças Públicas”, “Brigadas”, ou qualquer outra designação que ainda tenham.
Em São Paulo, o governo Jorge Tibiriçá organizava, já em 1891, a Força Pública Estadual, com o objetivo de defesa do poder instituído em nível estadual, da preservação das relações existentes com os Estados membros e da defesa dos interesses regionais. Na verdade, porém, se no plano federal as Forças Armadas serviam aos interesses dos grupos oligárquicos hegemônicos, no plano estadual as “forças públicas” representavam os mesmos interesses, que correspondiam, nesse caso, aos partidos políticos regionais. A sua missão era, num primeiro plano, defender o governo local contra os excessos da União, e as classes dominantes contra eventuais manifestações de protesto das classes populares.
Contra a organização estritamente militar da Força Pública e de sua utilização limitada aos problemas relativos à manutenção das instituições ou à defesa da dignidade da Pátria, encontram-se interessantes manifestações como a que se lê em carta endereçada por um leitor ao jornal O Estado de S.Paulo, publicada a1 9 de março de 1898, na qual o missivista, mesmo não se
dizendo contrário à organização militar dos batalhões da Força Pública, porque “a organização militar pressupõe disciplina, sem a qual não há polícia”, sentia-se, entretanto um contribuinte ludibriado, não compreendendo e não admitindo “que toda a Força Pública esteja por aí aquartelada, como se fosse um exército em tempo de paz, enquanto nós, cá fora, andamos expostos à sanha dos assassinos e à ousadia sempre crescente dos ladrões”.
Tendo em consideração que se fazia necessária uma organização realmente funcional dessas corporações, providenciou-se, em São Paulo, a vinda de uma missão do Exército francês, para dar instrução adequada aos seus componentes.
Em relatório apresentado pelo mesmo Jorge Tibiriçá, em1907, salienta-se o fato, por solicitação do governo do estado de São Paulo, de terem vindo distintos oficiais do Exército francês – cujo trabalho foi enaltecido, posteriormente, por vários presidentes do estado – para elevar o nível moral e intelectual da Força Pública e ministrar-lhe os mais modernos ensinamentos da arte militar em ordem a tornar essa força um órgão de defesa social, eficiente e poderoso.
A Força Pública de São Paulo, cujos efetivos atingiram níveis superio- res ao do próprio Exército – em1930 a Força Pública contava com 14.224 homens, ao passo que o Exército dispunha apenas de3.675 – chegando a ter artilharia de campo e até mesmo a dispor de aviões de combate. Serviu ela de núcleo de base aos movimentos contra o poder central deflagrados em 1924e 1932.
A partir deste último, com a vitória do governo central, começa o seu declínio, pois, diante do Estado unitário que se ia formando e que encontrou sua definição em1937 com o estabelecimento do que se chamou o “Estado novo” – à feição totalitária dos Estados nazifascistas – não havia mais como falar em autonomia dos estados e, portanto, em forças dissuasórias do poder central.
Se a Força Pública era ainda útil como instrumento de contenção popular, ela ia perdendo para as Forças Armadas, e para o Exército em especial, a posição antes desfrutada. Para evitar rebeliões contra o poder central, ela foi se despindo de sua autonomia no que respeita ao armamento à sua disposição e às dimensões de sua organização. Em pouco tempo, o seu efetivo não passava de uma fração no conjunto das Forças Armadas, agora mais poderosas, acrescidas de uma nova e depois ativa força aérea.
Cedendo funções, ela buscava outras, que encontrava ocupadas pela polícia civil: a guarda civil e a polícia civil propriamente dita, esta sem uniforme.
A questão que começava então a ser posta, das funções policiais da Força Pública, foi objeto de intensos debates que se travaram segundo a atuação propriamente policial da milícia.
Desde que ela perdera o fundamento mesmo de sua existência, era óbvio que o próprio governo do estado tomasse a iniciativa de buscar uma solução para o problema. Afinal, eram milhares de homens que participavam de grande fatia do orçamento e que não tinham funções. Mas o seu equacionamento nem sempre encontrou, das próprias autoridades gover- namentais, o melhor enfoque.
Em 1956, na gestão Jânio Quadros no governo de São Paulo, nomearam-se tenentes e capitães da Força Pública para o desempenho de funções precípuas da polícia civil. A esse propósito, saía a campo o jornal O Estado de S. Paulo a profligar a medida. Acentuando o caráter militar da Força
Pública, editorial desse jornal de 21 de novembro de 1956 salientava que a milícia estava sem funções e acrescentava: “inerte como se acha, não so- mente causa inquietação entre seus integrantes, que desejam trabalhar, como ainda absorve60% do orçamento destinado à Secretaria de Segurança Pública”. E “enquanto isso, o policiamento de São Paulo se revela precário, muito longe das necessidades de uma cidade que é mais do que isso, porque é uma grande metrópole cosmopolita, e que exige rigor no serviço de vigi- lância por causa do número elevado de maus elementos que aqui pululam”.
Essa luta se acirrou em mais de um episódio. Daí a tentativa de reunir- se num corpo só, de características eminentemente civis, a Força Pública e a Guarda civil, permanecendo a polícia civil com seus delegados e investigadores nas tarefas da chamada polícia judiciária, de caráter repressivo, pois sua ação viria após as práticas delituosas, oferecendo as provas necessárias aos procedimentos judiciais.
Foi ainda no governo Jânio Quadros que se chegou a constituir um grupo de trabalho que, sob a coordenação de um membro do Ministério Público, esteve na Inglaterra, estagiando por vários meses na Scotland Yard. Esse grupo de trabalho ofereceu extenso relatório sobre as observações feitas e apresentou uma proposta de unificação das polícias a qual, por questões corporativas, não pôde prosperar.
O golpe de1964 resolveu o problema, segundo as concepções da ideologia da segurança nacional, buscando a criação de uma força militar auxiliar, adestrada para responder aos atos da guerrilha desencadeada por organizações que contestavam, pela via da luta armada, a ditadura então estabelecida.
Em São Paulo fundiram-se a Guarda Civil e a Força Pública e o resul- tado foi a sua Polícia Militar, guardando a mesma feição de suas congêneres nos demais estados da Federação, onde aconteceram fusões semelhantes.
A Polícia Militar substituiu, digamos, as “Forças Públicas” e as “Guardas Civis”, aquelas nos enfrentamentos populares e estas no policiamento preventivo, sob controle direto do Exército.
É assim que o decreto-lei667, de 2 de julho de 1969, atribuiu ao Ministério do Exército o controle e a coordenação das Polícias Militares por intermédio do Estado Maior do Exército em todo o território nacional, pelos exércitos e comandos militares de áreas nas respectivas jurisdições (sic) pelas regiões militares nos territórios nacionais, sendo o cargo de inspetor geral das Polícias Militares desempenhado por um general de brigada, em serviço ativo.
A centralização das Polícias Militares, com sua subordinação direta ao Exército, foi uma decisão diretamente ligada às dificuldades das Polícias Civis em lidarem com as tarefas impostas pela consolidação do regime autoritário, bem como ao desempenho das antigas forças policiais estaduais – Forças Públicas ou Brigadas – na luta armada posta em cena por alguns setores da oposição.
O governo militar, a partir do golpe de 1964, tratou, como se viu, de transformar as antigas milícias em forças auxiliares do Exército, em obediência mesmo, repita-se, aos preceitos insertos na ideologia da segurança nacional.
Assim, o comando geral das Polícias Militares passou a ser exercido por oficiais superiores do Exército e só excepcionalmente, desde que hou- vesse anuência do Ministro do Exército, por oficial da própria tropa, conforme dispõe o parágrafo 5ºdo artigo 6º,do decreto-lei 667de 2 de julho de 1969, ainda em vigor. E o regulamento200, aprovado pelo decreto 66.862, de 8 de julho de 1970, determina que as Polícias Militares, “para emprego em suas atribuições específicas ou como participantes da defesa interna ou da defesa territorial, ficarão diretamente subordinadas aos comandantes do Exército ou comandantes militares da área (artigo 4º).
Aliás, toda a legislação posterior ao golpe de64 teve como tônica a preocupação de subordinar as milícias estaduais ao comando geral e central das Forças Armadas, donde se pode concluir, ainda hoje, que as Polícias Militares não são corporações subordinadas aos governos estaduais, mas diretamente sujeitas, hierárquica e operacionalmente, ao Exército; que o Estado Maior do Exército exerce, ainda, fiscalização administrativa sobre as Polícias Militares, mediante a atuação da Inspetoria Geral das Polícias Militares (artigo23 e parágrafo 3º do regulamento 200); e mais, que esses vínculos de subordinação hierárquica, operacional e administrativa são permanentes.
As novas Polícias Militares, além de intervirem especificamente na luta armada dos anos60e 70 não deixaram, entretanto, de exercer o seu papel de força de contenção das manifestações de descontentamento nas cidades e no campo, de dissenso civil – como assinala Paulo Sérgio Pinheiro em Polícia e crise política: o caso das polícias militares – enquadrado ou não por organizações políticas, como passeatas, greves, comícios, protestos, ocupações de terra etc.
As Polícias Militares passam, no momento em que se interrompe a guerrilha, ao enfrentamento do crime convencional. Vão desenvolver, então, sua guerra contra o crime, utilizando as mesmas práticas e valendo-se da mesma impunidade. Os métodos e o equipamento utilizado nas operações policiais apagaram a linha de separação que havia entre operações militares e operações policiais. Como as políticas públicas não têm tido condições de encontrar soluções para a criminalidade, o crime é resolvido mediante a utilização de métodos militares, sob a inteira responsabilidade do aparelho militar central.
O papel das Polícias Militares aparece portanto bastante claro, quali- ficando as populações marginalizadas, as mais expostas a essa guerra, com o conceito – advindo ainda da ideologia da segurança nacional – de inimigo interno, que cumpre eliminar.
É bem de ver que oquantum de violência que se contém nessa atitu- de – a extravasar nas prisões ilegais, nas torturas e nos homicídios desde então praticados – não poderia encontrar limites na atuação do Poder Judiciário comum ao aplicar, pelos seus juízes e tribunais, o Código Penal, quando tipifica as lesões corporais, o homicídio, o seqüestro, a tortura, a corrupção e o arbítrio das autoridades públicas.
A violência como método aparece no número sempre crescente das
eliminações indiscriminadas nas cidades e no campo.
Em São Paulo, numa curva ascendente, passamos de três centenas de homicídios, no início dos anos80, para mais de mil em 92, dados esses divulgados pela própria Polícia Militar em outubro desse mesmo ano. Nesses totais não foram computados os111 mortos no massacre do Carandirú e, por igual, aqueles que não constam dos registros do Instituto Médico Legal porque foram assassinados e enterrados nas quebradas da periferia da cidade.
Isto aconteceu e ainda acontece, como assinala pesquisa recente leva- da a efeito pela Ouvidoria da polícia sobre o uso da força letal por policiais de São Paulo no ano de1999, pela qual se verifica um aumento significativo, como adiante se demonstrará, da quantidade de mortes provocadas pela atuação policial nesse ano, a maior desde1992, porque além do fato de que, ao exercerem uma atividade essencialmente civil, o fazem segundo concepções militares – na guerra vale tudo – estão os policiais militares sujeitos a uma justiça especial, rigorosa quando se trata de infrações disciplinares, mas complacente quando julga os chamados crimes decorrentes das atividades de policiamento.
Quando damos os primeiros passos para a democratização do Brasil, é sem dúvida ponto importante a democratização de sua polícia, para que ela sirva ao povo e não ao Estado.
Desmilitarizadas – e além disso não pode ir ao legislador federal, como os Estados não podem manter forças militares autônomas – a solução será a unificação das polícias, sem o desperdício de meios materiais e de recursos humanos como hoje acontece: duplicidade de imóveis, de meios de trans- porte e, sobretudo, de comunicações, de pessoal burocrático etc.
A nova polícia deverá ser hierarquizada e terá disciplina, aliás como acontece com o funcionalismo em geral. Terá um ramo uniformizado para as tarefas de policiamento preventivo e outro, em trajes civis, para os trabalhos de investigação criminal. Terá um grupo treinado para, sem apelar para a violência, atuar como força de dissuasão de distúrbios ocorrentes. Será uma polícia que, ademais, deverá conhecer as pessoas às quais atende e ser por elas conhecida. Enfim, uma polícia democrática, voltada para os reais interesses do povo no que respeita à segurança, para que esse povo tão sofrido possa trabalhar e ter lazer, ir à escola, reunir-se e participar politica- mente do processo de seu aperfeiçoamento.
O artigo 144, §§ 4º, 5ºe 6ºda Constituição Federal institucionalizou o modelo imposto pelo decreto1.072, de 3 0 de dezembro de 1969, que extinguiu as guardas civis em todo o país, anexando-as às força militares estaduais existentes, então chamadas genericamente de “Forças Públicas”.
A partir daí, criadas as Polícias Militares, sujeitas em sua organização, planejamento, armamento e comando à Inspetoria das Polícias Militares, órgão do Estado Maior do Exército, atuaram decididamente na luta contra quantos, pessoalmente ou participando de organizações extralegais, se opu- nham à ditadura militar e almejavam uma opção democrática para o Brasil. A Polícia Militar, treinada e organizada para o combate a essas pessoas ou grupos, constituía uma polícia do Estado, na defesa da chamada segurança nacional, segundo a concepção imposta pelos embates entreEUA e União Soviética às ditaduras que se foram instituindo na América Latina sob inspiração norte-americana, qualificada pela oposição Leste/Oeste.
À medida que o país se foi democratizando, as Polícias Militares guar- daram, contudo, sua qualificação estritamente militar. E o Congresso Constitucional, eleito em1 9 8 6, não soube inovar e institucionalizou as corporações militares dos estados como um dos organismos responsáveis pelo policiamento preventivo; e fez mais, pois manteve um sistema judiciá- rio corporativo, responsável, em larga medida, pela impunidade que ainda acoroçoa a violência que deles emana na sua atuação enquanto polícia ostensiva.
Sob esse aspecto, os constituintes de1986não quiseram ou, pr ovavelmente, não puderam enfrentar o desafio de desmontar por inteiro os funda- mentos de uma ditadura que então se desfazia. Ao invés, consolidaram a existência de uma Polícia Militar autoritária e arbitrária, cuja atuação contava com a complacência de uma justiça corporativa que tornava impunes as violações das normas de direitos humanos contempladas, explicitamente, no pórtico da Constituição promulgada em1988, como o fundamento mesmo do Estado Democrático de Direito.
A propósito da atuação dessa justiça das Polícias Militares, o Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos, da Arquidiocese de São Paulo, realizou uma pesquisa sobre os primeiros dez anos de atuação da Justiça militar da Polícia Militar de São Paulo, quando constatou que não havia, por esse órgão, julgamentos imparciais, mas decisões que resvalavam para a mais absoluta impunidade. Os índices de impunidade então apurados che- gavam ao patamar dos95% dos casos examinados. Pois bem, não obstante os dados que vêm sendo divulgados a respeito, por esse e por outros estu- dos, teima-se, como veremos mais adiante, em manter a mesma estrutura de responsabilização pelos crimes praticados por policiais militares em suas atividades de policiamento, estrutura essa montada pelos interesses, hoje ultrapassados, de uma polícia que, insista-se, fora instituída sob a inspiração da ideologia da segurança nacional.
E, deixando de ir a fundo na questão, busca-se disfarçar a inoperância do sistema atual, apelando-se para argumentos que vão na linha de deixar tudo como está: não faz muito tempo, o general Alberto Cardoso, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, dizia que “não se deve correr o risco de soluções afastadas da realidade nacional, inspiradas apenas em modelos de outros países ou carentes da devida discussão em fórum apropriado como o Congresso Nacional” (cf. Pobreza, cidadania e segurança, editora José Olímpio).
Ora, o que é a realidade nacional, perguntamos nós? Aquela da dita- dura a qual o general serviu, onde a vontade do chefe se sobrepunha à verdade da comunidade, ou a maré montante de violência que se avoluma na medida que o Brasil mais e mais se atrela à política imperialista do Fundo Monetário e do Banco Mundial e, em conseqüência, vê o aumento pro- gressivo da fome e da miséria de tantos e o enriquecimento de tão poucos, às custas dos maiores sacrifícios de uma classe trabalhadora que se desespera na busca de sua sobrevivência?
A verdade é que os modelos adotados pelos países do primeiro mundo aconselham uma polícia civil a serviço do povo. Mas o general-ministro prefere, sem dúvida, a militarização das polícias. É o que se lê, ainda, no seu pronunciamento no fórum nacional, organizado por João Paulo dos Reis Veloso e Roberto Cavalcanti de Albuquerque. À pergunta “se a atividade de segurança pública é atividade
militar” ele responde que, segundo a doutrina de diversos países, as polícias podem ser militares e cita como exemplo França, Itália, Portugal e Chile, onde existem corporações militares com atribuições policiais. Tenha-se em vista que a pergunta deveria ter sido outra: a função policial é civil ou militar? E, depois: os militares devem exercer funções policiais civis?
Ademais, os exemplos citados não abonam a tese do general-ministro, porque, na França, agendar merie é apenas um resquício tradicional, pois a polícia que conta é a polícia nacional, que é civil, e tanto na França quanto na Itália, ou em Portugal, os policiais são julgados nos crimes de função pela Justiça Comum. Quanto ao Chile e outros países da América Latina – que mantêm a “Polícia Militar” –, ressalte-se que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem feito reiteradas recomendações no sentido de que entreguem, com exclusividade, as atividades de policia- mento às autoridades civis. Isto porque tal Comissão tem constatado que os índices de violações de direitos humanos se avolumam e restam, todavia, impunes quando se entrega a segurança pública ao mando militar. Nesse sentido, advirta-se que as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos devem ser cumpridas pelos países que firmaram e ratificaram a Convenção Americana de Direitos Humanos, como é o caso do Brasil, pois, segundo a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, os Estados não se podem esquivar daquilo que convencionaram em nível internacional, devendo cumpri-lo de “boa-fé”.
O ministro Alberto Cardoso declara, ainda, que o fórum apropriado para a discussão dessa problemática é o Congresso Nacional. Sem dúvida que o é, mas em última instância, pois o lugar e o momento apropriados são os da sociedade civil, que procura encontrar caminhos para sua segurança, independentemente dos interesses corporativos que se instalam no próprio governo, seja no Executivo, seja no Parlamento. Neste último, os lobbies, alimentados pela complacência do Executivo ou até mesmo pelos interesses daqueles que nele se sobrepõem aos interesses populares, têm sistematicamente impedido que se avance no sentido da construção de uma polícia realmente próxima do povo e que atenda às suas demandas. Países do primeiro mundo aconselham uma polícia civil a serviço do povo...
O resultado dessa atitude, ao esquecer os interesses maiores da comu- nidade dos brasileiros, aí está, com o crescimento, quase sem peias, da vio- lência policial em todo o país. Como já pontuou o ouvidor da polícia de São Paulo, o sociólogo Benedito Domingos Mariano, por força de um regimen- to disciplinar que segue as linhas doR D E (Regulamento Disciplinar do Exército), as infrações interna corporis são punidas com rigor, deixando-se impu- nes os delitos cometidos contra o povo, fora dos muros dos quartéis.
A pesquisa já referida, realizada pelo Centro Santo Dias de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo, quando dos10 anos de justiça militar das Polícias Militares neste estado, constatou uma impunidade de cerca de95% dos delitos cometidos nas ruas, contra civis, pelos milicianos.
Essa espantosa impunidade, mola da violência, como já se acentuou, determinou a apresentação de projetos de lei com o objetivo de obter a transferência da competência do processo e julgamento de crimes cometidos pela Polícia Militar em funções de policiamento à Justiça Comum. Entretanto, nesse campo muito pouco se avançou: apenas o julgamento dos crimes dolosos contra a vida passaram à alçada da Justiça Comum. Todo o mais, inclusive as investigações sobre aqueles delitos, permanece nas mãos dos órgãos policiais militares: os conselhos de justificação e as auditorias. E isto se deve a que os órgãos do Poder Executivo Federal não se dispõem a abrir mão do poder que detêm sobre um efetivo militar muito próximo e até mesmo superior aos das Forças Armadas. Oslobbies nesse sentido para- lisaram, no Senado Federal, projeto aprovado na Câmara dos Deputados, que busca alcançar a maior abrangência da competência da Justiça Comum na elucidação e no julgamento dos crimes praticados por policiais militares em suas atividades de policiamento, aliás, na forma do decidido pelo Supre- mo Tribunal Federal, cristalizado em súmula, que determinava a submissão de todos os crimes cometidos porPMs no exercício de suas atribuições policiais à Justiça Comum.
A esse propósito convém lembrar que a CPI que investigou, em 1991, a eliminação de crianças e jovens em todo o país, constatou que a responsabilidade por todo esse extermínio cabia, na sua maior parte, às Polícias Militares e que a violência crescia na mesma proporção da impunidade que beneficiava os milicianos, pois o processo investigativo e o julgamento desses casos cabiam a uma justiça especial das próprias corporações policiais militares. Não foi por outro motivo que aCPI
resolveu oferecer projeto para que se retornasse ao sistema que vigorara até
a violência crescia na mesma proporção da impunidade.
Abril de 1979, quando, por reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal, o processo e julgamento dos crimes cometidos por oficiais e praças das Polícias Militares, nas atividades de policiamento, que são consideradas atividades eminentemente civis, eram da competência da Justiça Comum. Foi, aliás, a partir daquela data, com a edição do chamado “pacote de abril”, que se ampliou a competência da Justiça militar das PMs, para abranger também esses delitos.
Diante desse quadro, para sujeitar asP Ms, na prática de crimes contra civis, à Justiça Comum apresentou, aquelaCPI, projeto de lei à consideração da Câmara dos Deputados. Esse projeto recebeu emendas e substitutivos, que visavam a aperfeiçoá-lo. A Câmara, entretanto, por proposta do então deputado Genebaldo Corrêa, líder doPMDB, aprovou emenda aglutinativa, amplamente defendida pelo então deputado Ibsen Pinheiro, gozando à época de grande prestígio por ter comandado a batalha doimpeachment do ex- presidente Fernando Collor, a qual ampliava a competência da Justiça Co- mum apenas para o julgamento dos “crimes dolosos contra a vida” cometi- dos por policiais militares. Sem qualquer justificativa mais racional, perma- neceriam sob a jurisdição da Justiça militar das PMs os espancamentos, as lesões corporais, os homicídios culposos, as prisões ilegais, a tortura, a ex- torsão e o estupro, pois o que se pretendia era apenas camuflar a permanên- cia do regime então vigorante de impunidade. Talvez, também, na expectativa de que o homicídio doloso obtivesse dos tribunais do juri a costumeira benevolência.
Apreciando o projeto, já no Senado, o então senador Cid Sabóia, que primeiro relatou a proposição, considerou sem maior sentido a restrição nele contida de apenas atribuir à competência da Justiça Comum o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, mas submeteu-se à fórmula aprovada na Câmara dos Deputados, pela urgência, segundo dizia, em retirar-se, desde logo, da competência da Justiça militar os homicídios dolosos. Mas em seu parecer, já admitia a necessidade de complementar-se essa decisão mediante a apresentação de novo projeto que viesse a ampliar a proposta
que então submetia à Casa. Contudo, o projeto não teve andamento até que se nomeou o senador Roberto Freire para novo parecer. Este senador tentou restabelecer a idéia original contida no substitutivo apresentado na Câmara dos Deputados, que delatava os limites da competência da Justiça Comum, mas foi mais uma vez vencido na Comissão de Constituição e Justiça, pelo poderosolobby das Polícias Militares...
Diante disso, apresentou-se ainda à Câmara um novo projeto, com a necessária abrangência, buscando solucionar outros problemas na equação civil-militar, não só os que desembocavam na impunidade, mas também considerados relevantes no equacionamento da matéria. A esse projeto as lideranças partidárias determinaram a urgência na sua tramitação, oportunidade em que o próprio Executivo federal procurou dar sua contribuição, surgindo dessa intervenção a redação final aprovada em votação nominal nos últimos dias de janeiro de1995.
No Senado, a nova proposta teve tramitação urgente por solicitação da presidência da República. Aproveitou-se, contudo, da urgência para re- cusar o projeto e reativar o anterior, que acabou sendo aprovado, referendado pela Câmara e promulgado, transformando-se na lei nº.9.299 de7 de agosto de1996.
O então senador Élcio Álvares, líder do governo, manobrou no sentido de abortar o projeto em questão para aprovar o anterior, retirado da gaveta onde então se encontrava. Esse projeto foi aprovado com alterações inaceitáveis, recusadas, afinal, pela Câmara, que aprovou, para evitar o mal maior, o projeto anterior, como subira ao Senado.
Posteriormente, apresentou-se um novo projeto na tentativa de racio- nalizar, ainda uma vez, essa questão de competência para o processo e julgamento dos crimes chamados de policiamento. Esse projeto teria passado tranqüilamente na Câmara dos Deputados não fosse a interferência do então assessor jurídico da presidência da República, o procurador federal Gilmar Mendes, ao formular proposta que ressuscitaria a Justiça militar dasP Ms na sua maior amplitude. Diante disso, as lideranças da Câmara acordaram num substitutivo que, parcialmente, atendia ao interesse público, mas permaneciam ainda no âmbito das Polícias Militares as apurações dos fatos delitivos praticados por milicianos. Com uma redação bastante defeituosa, o projeto foi aprovado na Câmara e remetido ao Senado. Neste, o então senador Josaphat Marinho ofereceu substitutivo, recuperando a idéia inicial de maior abrangência da justiça comum na investigação e no processo e julgamento dos crimes em questão. Não se sabe bem por que, mas é possível imaginar o que aconteceu: o senador Josaphat Marinho perdeu a relatoria na Comissão de Constituição e Justiça e o projeto foi entregue ao senador Edson Lobão que, pura e simplesmente, o engavetou. Redistribuído ao senador Iris Rezende, até hoje não se tem notícia do que aconteceu...
Este é apenas um dos aspectos da questão, quando se nota, o que depois se confirmou, o pouco ou nenhum interesse do governo federal em alterar o sistema policial, como um todo. Ora, tendo em vista que o modelo de segurança pública oriundo da
ditadura militar está inteiramente esgotado e não se sabe mesmo como a Constituição cidadã de 1988 o encampou, ofereceu-se, em 1992, à Câmara dos Deputados, projeto de emenda com o devido apoiamento legal, unifi- cando as polícias num só organismo civil, com um segmento uniformizado para as funções de policiamento ostensivo e outro em trajes civis, para a problemática investigativa, com unidade de comando e carreira única, ensejando ao policial que deve iniciar suas atividades na rua, a possibilidade de alcançar – o que hoje não acontece – os postos mais altos da corporação policial, naturalmente depois de capacitar-se em cursos intermediários oferecidos pela própria polícia.
Esse projeto de emenda, que recebeu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, não prosperou na Comissão Especial encarregada, segundo o Regimento Interno daquela Casa, de estudá-la, aprovando ou não, para, em conseqüência, submetê-la à vota- ção no Plenário. Isto se deveu, substancialmente aolobby mistoPM/Exér- cito, que impôs, primeiro, nomes comprometidos com a recusa do projeto, e depois o parecer do relator para rejeitá-lo. Para se constatar o que se acaba de afirmar, basta verificar os nomes que fizeram parte da aludida Comissão, a maioria comprometida com a estrutura atual da polícia. Recusada a emen- da na Comissão, não foi levada a Plenário.
Posteriormente, o presidente da República, tendo em vista ante-projeto oferecido pelo governo do estado de São Paulo (Mário Covas), encaminhou nova emenda unificadora, entretanto, sem revelar por ela maior interesse, essa emenda caiu no esquecimento. Chegou-se a criar uma espécie de comissão especial, sem as qualificações legais indispensáveis para o normal andamento da emenda. As conclusões a que se chegou, apenas num exercício especulativo, caíram, também, no esquecimento. A situação permaneceu, pois, inalterada.
Não obstante, ultimamente, com a iniciativa das ouvidorias de polí- cia, juristas de São Paulo ofereceram à consideração dos Poderes Executivo e Legislativo um fundamentado projeto de emenda criando uma polícia única, com unidade de comando de caráter civil, emenda que contém os passos necessários à sua organização, determinando a instituição de uma verdadeira carreira unificada, com acesso condicionado ao permanente aper- feiçoamento do policial.
Vejamos. O projeto põe fim à dualidade na função policial, extinguin- do as Polícias Civis e Militares dos estados, criando uma Polícia Estadual, instituída no prazo de dois anos a partir da extinção dos atuais corpos policiais. Em conseqüência, extinguem-se os tribunais e auditorias militares estaduais, submetendo-se, todos os policiais, à competência da Justiça Comum.
A nova polícia na conformidade proposta terá cinco graus hierárqui- cos, com um teto salarial máximo e mínimo, respeitando a diferença máxima de quatro vezes o menor salário.
Extingue-se, por outro lado, a fase inquisitorial do procedimento pe- nal, ou seja, o inquérito policial, passando a investigação criminal a ser de responsabilidade do Ministério Público, que irá orientá-la, deixando porém o deslinde de crimes e a identificação de seus autores aos técnicos da polícia e aos setores científicos da criminalística, estes organizados em carreiras enquadradas no corpo funcional do Poder Judiciário.
Os corpos de bombeiros passarão a fazer parte do sistema de defesa civil, como, aliás, já acontece em vários estados da Federação.
O projeto permitirá que se aumente o número de policiais nas ruas, com melhor utilização de seu efetivo, instalações e equipamentos, tendo como conseqüência um melhor resultado na relação custo/benefício.
Com uma única escola de formação, com a realização de cursos de aperfeiçoamento e reciclagem de pessoal, a nova polícia será especificamente civil, pondo-se um ponto final à sua formação autoritária. Com esse modelo, encerrar-se-á aquele concebido para atuar no controle social da população mais pobre, excluída ou marginalizada, para uma polícia democrática, subordinada ao Poder civil.
Entretanto, não obstante o lançamento do Plano Federal de Segurança Pública, em maio deste ano(2000), não se fez a menor alusão à proposta. Prevaleceu o comodismo que, no caso, é o grande culpado pela permanência de um órgão público responsável por parcela apreciável da violência no país, seja pela impropriedade de sua atuação, seja pelas distorções geradoras dessa mesma violência.
Uma polícia criada para o enfrentamento bélico não poderia trazer senão índices cada vez maiores de violência contra os segmentos mais discriminados da sociedade, como os meninos e meninas de rua, os pobres, os negros, os homossexuais e toda a sorte de excluídos.
A recente pesquisa realizada em São Paulo, pela sua ouvidoria de po- lícia mostra o seguinte quadro: as eliminações pela Polícia Militar chegaram a1.421em 1992. Decresceram a partir daí, caindo para seu número mais baixo em 1993 (377). Daí em diante, oscilou entre 592 (1995)e 577 (1999), o que talvez se deva aos movimentos pela reforma do aparelho de segurança que ocorreram nesse período. Explico-me: diante das alterações propostas nesses quadros, a retirar o poder que os transformaram em verdadeiros “poderes paralelos” aos próprios governos estaduais, arrefeceu-se o seu ímpeto, para aparentar a aceitação de uma nova política que valoriza os direitos humanos. Todavia, a partir do instante em que novas perspectivas de mu- dança não ocorriam, pois o projeto sobre a ampliação da competência da Justiça Comum, para o julgamento de policiais militares que tivessem co- metido crimes de policiamento estava e está engavetado no Senado Federal – e a chamada reforma do Poder Judiciário incorpora a Justiça Militar das Polícias Militares dos estados como órgão desse Poder e com isso anula os avanços obtidos na supressão da competência da Justiça militar dasPMs para o processo e julgamento dos crimes de policiamento –, os números pularam para489, somente no primeiro semestre deste ano (2000), o que indica um crescimento de77% com relação à mesma época do ano anterior. Dessas mortes,449 são de autoria da Polícia Militar e 40 imputadas à Polí- cia Civil.
Permanecendo a média, poderemos chegar, ao final do ano com cerca de mil mortos, marca que não tínhamos em São Paulo, desde 1992.
Por outro lado, as estatísticas nacionais demonstram a “preferência” da polícia pelos excluídos: em1997foram eliminados 1.396marginalizados no país, número que cresceu para2.986, no ano seguinte.
Meninos e meninas entre 10e 19 anos também compõem um contingente apreciável. De 457 homicídios nessa faixa etária em 1997, passaram para 737em 1998. (*) primeiro semestre. Fonte: Ouvidoria das polícias civil e militar, publicado no jornal Folha de S. Paulo, Caderno Cotidiano, 17 jul. 2000.
Os negros ganharam longe nessa macabra competição: de290, em 1997, vão para 614 no ano seguinte. Os homens compõem o maior contingente: de2.028 eliminados em 1997, passam para 3.157em 1998. Quanto às mulheres, os índices são bem mais baixos: em1997 são eliminadas 1.054 mulheres, número que vai para 1.327em 1998.
Como se vê, o poderio de nossa polícia – a que tem maior efetivo é a militar, com mais de 300 mil homens distribuídos pelos vários estados da Federação – volta-se contra a população mais humilde e marginalizada. E isto decorre, sem dúvida, da vocação da Polícia Militar, institucionalmente organizada para atuar com violência na sustentação de um Estado de viés autoritário.
A mudança que se impõe aparece clara aos olhos de quantos querem ver. Entretanto, como aqueles que preferem não ver detêm os cordéis do Poder, vamos ficando com uma polícia que não oferece ao povo senão inse- gurança e violência.
Hélio Bicudo é advogado e jornalista. Foi promotor-público, procurador da Justiça em São Paulo e chefe de gabinete do ministro da Fazenda Carvalho Pinto(1963). Membro-fundador da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e membro da Comis- são Teotônio Vilela de Direitos Humanos. Deputado Federal pelo PT-SP (1990-1998). É autor, entre outros, dos livros Do esquadrão da morte aos justiceiros (1988), Violência: o Brasil cruel e sem maquiagem(1994 ), Direitos humanos e sua proteção (1998)
FONTE: http://www.scribd.com/doc/7089005/A-Unificacao-Das-Policias-No-Brasil-Helio-Bicudo
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Ler o professor Hélio Bicudo sobre as questões de ordem pública é entrar num mundo daqueles acreditam que a segurança pública é só a polícia e que conhecem a história da polícia de um lado só - do seu lado. Quem afirma que o policial militar brasileiro estimula ações totalitárias e não o civil esquece, ou não quer citar, o papel trágico desempenhado por alguns policiais civis nos porões da Ditadura. Eles não eram militares, mas participaram ativamente da repressão. Portanto, não é o perfil policial militar a origem da postura totalitária que lhe querem atribuir.
Ele também não conta que as forças públicas estaduais foram criadas para serem forças típicas policiais, recebendo denominações como força publica, força policial, guarda cívica, brigada policial e outras denominações de polícia. Mas, diante das revoluções internas, estas forças começaram a ser empregadas em ações militares de guerra sob a chefia de caudilhos e de estado maior formado por oficiais do Exército. Nos combates, muitos oficiais e praças das forças públicas escreveran a história de seus Estados e por ele morreram com honra e bravura. Estas forças públicas criaram uma forte ligação regional e instituiram um forte espírito de corpo, amor à pátria, dedicação à sociedade e respeito às autoridades constituidas.
O fim das revoluções, o término da ditadura militar e os novos tempos de democracia , transformou as forças públicas que começaram a se moldar e focar exclusivamente a atividade policial, perdendo vínculos, promovendo novas ligações, criando segmentos, estabelecendo novos valores e regramento e assumindo seus próprios pilares para se dedicar à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Esta mudança aproximou as polícias militares dos modelos americanos, dos países europeus, da Argentina, do Uruguai e do Chile, entre outros país do mundo que seguem este modelo para-militar na polícia. Polícias organizadas ni ciclo completo policial, trabalhando com pessoal discreto (investigativo), peritos criminais(pericial), uniformizados (ostensivos) e de elite (tropas de reação, contenção e mediação de conflitos). Nesta polícias, o recruta inicia cumprindo uma formação para-militar com respeito à hierarquia e disciplina para então começar no policiamento ostensivo. A medida que conquista méritos e capacidade pode passar para outro segmento. Nas ruas, o policial discreto apoio o ostensivo e vice-versa. Os peritos e os grupamentos de elite ficam de sobre-aviso para o atendimento operacional imediato sem precisar de ofício, recebendo todo o apoio no isolamento do local de crime (ostensivo) e nas averiguações em conjunto com o policial discreto. Infelizmente, nada disto ocorre no Brasil, onde os segmentos policiais foram separados, divididos, enfraquecidos e abandonados pela lei e pela justiça.
Se a polícia civil brasileira tivesse seguido este modelo, já teria todo o suporte, toda a estrutura e toda a capacidade para atuar de forma eficaz com deseja o nobre professor. Porém, tanto a polícia civil como a militar estão sofrendo processos de desgaste diante dos baixos salários, corrupção, desvio de pessoal, parcos investimentos e fracionamento das atividades policiais.
Alguns Estados sequestraram da polícia civil o segmento pericial, uma atividade essencial para a investigação policial. Em outras unidades federativas, os policiais civis estão lidando com presos em carceragens, não sobrando pessoal para investigar ou manter plantões nas delegacias de polícia. Diante de um cenário caótico, a polícia civil tenta ocupar espaço se fardando e fazendo operações típicas do polciamento ostensivo, atividade pertinente às polícias militares.Veja o que ocorre no Rio, onde policiais civis usam roupas militares.
A atividade policial exige disciplina, hierarquia, controle e operacionalidade específica nas diversas áreas e segmentos que ela atua na preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, fazendo cumprir a lei e levando à justiça os autores de ilícitos. A polícia deve ser uma força auxiliar da justiça, tratando os casos e ocorrências diretamente com ela, cumprindo as ordens que ela determinar e sendo controlada externamente pela Promotoria Corregedora.
Quanto à unificação, penso que seria melhor transformar as PMs em Polícia Estadual e a Polícia civil em Polícia da Justiça ou Polícia da Promotoria, focada nos grandes crimes, especialmente aqueles envolvendo autoridades públicas e o tráfico de drogas, armas, pessoal e animais. As duas atuando no ciclo completo policial - investigativo, pericial e ostensivo, com unidadees fardadas, discretas e periciais. Com isto não haveria conflitos e atritos entre as corporações.
Quanto à extinção das PMs, o Brasil estará jogando fora duzentos anos de história baseado em fundamentos falaciosos e demagógicos que não encontram eco na verdade ou sustentação no planeta terra.
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