REVISTA VEJA, 17/11/2013
Caso Amarildo, tiroteios em favelas e aumento da taxa de homicídios no estado enfraquecem a popularidade do programa, que reelegeu Cabral em 2010 e completa cinco anos mergulhada em uma crise de credibilidade
Cecília Ritto, do Rio de Janeiro
Rio: protesto da Rocinha a Ipanema lembrou o desaparecimento do pedreiro Amarildo (Pedro Kirilos/Agência O Globo)
No vazio de ideias e ações para a segurança pública no Brasil, a criação de unidades da Polícia MIlitar em favelas, iniciada em 2008 no Rio de Janeiro, teve o efeito de uma generosa chuva em terra seca. Inaugurada numa encosta do bairro de Botafogo, no pequeno Morro Santa Marta, a primeira UPP – Unidade de Polícia Pacificadora – representou uma guinada na percepção que se tinha da PM, das medidas possíveis contra o tráfico e, claro, dos pais da ideia, cujo DNA é disputado pelo governador Sérgio Cabral e por seu secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. A força daquela iniciativa foi tamanha que, em 2010, as imagens de policiais, das viaturas e dos contêineres brancos e azuis dominaram a propaganda do governador na TV, conduzindo o PMDB a uma acachapante reeleição em primeiro turno, com 66% dos votos.
Cinco anos após o início do projeto, as UPPs representaram um ponto de virada no combate ao crime no Rio. Locais historicamente impenetráveis passaram a receber turistas, que sobem as encostas da Zona Sul em busca de festas, fotografias panorâmicas e, claro, algum sabor de aventura antropológica. Os problemas do programa, no entanto, nunca estiveram tão em evidência como agora, às vésperas do ano eleitoral de 2014, e, para desespero dos aliados de Sérgio Cabral, em uma época em que o outrora invencível governador rodopia em um turbilhão que mistura viagens de helicóptero, o enriquecimento da primeira dama durante sua passagem pelo Guanabara, os sucessivos acampamentos de manifestantes à sua porta e, claro, o calvário do pedreiro Amarildo de Souza.
Se 2010 foi a eleição da UPP, 2014 se desenha como o ano em que estas enfrentarão Amarildo nas urnas. Há quatro anos, mesmo os rivais mais ferrenhos admitiam: a UPP é boa, e pretendemos mantê-las. A descoberta de que Amarildo foi torturado e morto por uma equipe comandada por um oficial da “nova polícia” fez do pedreiro uma espécie de mártir, citado até nos protestos fora do estado.
A tal “nova polícia”, aliás, tem sucumbido às velhas práticas da PM, e cada vez mais parece depender da antecessora. Os tiroteios recentes na Rocinha e no Complexo do Alemão levaram o comando da Polícia Militar a recrutar o Batalhão de Choque para reforçar a segurança nas favelas. Em tese, nada demais, pois as forças especiais destinam-se exatamente às situações me que é necessário aumentar o efetivo, excepcionalmente. A indicação, no entanto, não deixa de ser preocupante: homens fortemente armados são deslocados, por tempo indeterminado, para uma região onde o tráfico de drogas e todo seu armamento ameaçam a paz.
Um outro exemplo de como as UPPs têm balançado nas encostas é o Morro de São Carlos. Na madrugada de sexta-feira, um tiroteio de três horas de duração, entre as 23h de quinta-feira e as 2h da madrugada, deixou quatro policiais da UPP encurralados. Para resgatar os policiais, foi chamado o Batalhão de Operações Especiais (Bope), unidade de elite que atua em casos extremos. O são Carlos é, talvez, o local onde a realidade de agora mais se assemelha ao período anterior às UPPs. Como revelou reportagem do site de VEJA, os bandidos Claudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, e Ricardo Chaves de Castro Lima, o Fu, escaparam da penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, aproveitando-se do benefício de visita à família. Os dois não retornaram, e estão, no momentos, empenhados em uma missão para o Comando Vermelho, facção carioca associada ao Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo: retomar o Morro da Mineira, com ataques para desestabilizar a UPP. No início de outubro, uma equipe de policiais daquela UPP já havia ficado encurralada, em outro episódio resolvido pelo Bope.
Bandidos foragidos – Até agora, a estratégia de expansão das UPPs defendida pelo secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, visa a evitar ao máximo os conflitos armados. A necessidade de evitar o confronto, que penaliza os inocentes, é indiscutível. Mas os anúncios prévios da chegada da polícia às favelas, com tempo para os criminosos escaparem, começou a apresentar alguns efeitos colaterais. Como a polícia não consegue, na maioria dos casos, capturar os “peixes grandes”, as UPPs acabaram empurrando bandidos para outras áreas, e com aumento comprovado da violência em regiões como Pendotiba, em Niterói, e em favelas da Baixada Fluminense.
Nas cidades onde a prefeitura não está com aliados de Cabral, a grita começou. Os prefeitos da Baixada Fluminense cobraram uma ação do estado para conter a escalada da criminalidade. “Agora temos fuzil em São João de Meriti”, afirma o prefeito Sandro Matos (PDT), apontando a culpa para as UPPs. Matos liderou o processo de criação de um documento relatando os novos problemas da região para ser entregue a Sérgio Cabral. A ação, no entanto, naufragou, depois de uma ação da base de Cabral para evitar o levante, que produziria um noticiário altamente negativo para o governador. Onze prefeitos chegaram a confirmar presença na reunião, mas apenas um compareceu de fato, Dennis Dauttman (PCdoB), de Belford Roxo.
Desvalorização – A expulsão de bandidos, sem que estes fossem presos, criou dois tipos de favelas no Rio: as com UPP e as sem policiamento. Um dos números frequentemente apresentados como prova incontestável do benefício do programa é a valorização dos imóveis nas áreas próximas das favelas incluídas no projeto. Assim, as ruas da Tijuca e áreas antes pouco valorizadas na Zona Sul viveram uma explosão dos investimentos imobiliários. Onde não há UPP, o movimento é o contrário: uma reportagem do jornal O Globo mostrou que Pendotiba, em Niterói, uma região antes em expansão passou a enfrentar desvalorização de até 30%, de acordo com o Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci-RJ).
A crise nas UPPs coincide com o mau momento da segurança pública no Rio, onde, depois e uma série de quedas na taxa de homicídios, houve aumento de 38% em agosto, na comparação com o mesmo período de 2012, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do estado (ISP).
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