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PARA ENTENDER DIREITO, 22/05/2013Bônus policial: pagar pode ser tão perigoso quanto não pagar
Capa da Folha de hoje (22/5/13):
“Policial ganhará bônus de até R$ 10 mil para reduzir crime
O governo de São Paulo vai pagar um bônus semestral de até R$ 10 mil para os policiais de todo o Estado que conseguirem reduzir os índices de criminalidade nas suas áreas (...)
O policial de uma unidade que cumprir todas as metas de redução de criminalidade propostas para a sua área receberá um bônus de até R$ 4.000 --independentemente do salário de cada profissional.
Esse valor poderá chegar a R$ 10 mil com uma premiação extra para 10% dos policiais mais bem avaliados, tanto da Polícia Militar como da Polícia Civil e da Científica.
Os critérios de avaliação serão anunciados nos próximos dias (...)
O que está definido é que cada área terá um índice próprio. Assim, os policiais de Higienópolis (na região central), por exemplo, terão metas diferentes dos de Taboão da Serra (na Grande SP).
Inicialmente, serão avaliados os seguintes indicadores: homicídios dolosos (com intenção), latrocínio (roubo seguido de morte), roubo em geral, furto e roubo de veículos”
Seres humanos – ao menos boa parte – respondem a incentivos. Se você sabe que tem algo a ganhar, provavelmente fará mais e melhor para ter certeza que ganhará. Mas isso não quer dizer que um bônus é certeza de melhora. Pode, às vezes, piorar a situação.
Antes de mais nada, bônus só faz sentido ser pago a quem faz além de sua obrigação. Caso contrário, ele deixa de ter o efeito de um bônus – um incentivo para o receptor ir além do que ele é obrigado a fazer - e passa a ser tratado como parte do salário – uma expectativa de direito.
Óbvio que bons policiais precisam ser bem remunerados e, óbvio, maus policiais precisam sofrer as consequências de sua falta de profissionalismo.
A questão, contudo, é se é justo manter o bom policial com um salário baixo e dependente de um bônus simplesmente por cumprir sua obrigação apenas para diferenciá-lo dos maus profissionais.
E aí entra o segundo ponto do bônus: se ele passa a ser tratado como expectativa de direito, temos de nos perguntar quais as possíveis consequências quando ele for retirado. Afinal, se é um bônus, ele não deve ser algo permanente. Mas se criamos a expectativa de que ele deve ser pago pelo mero cumprimento de uma obrigação profissional, quando ele for retirado corremos o risco de aqueles que o recebiam não terem mais o incentivo para continuarem cumprindo tal obrigação.
E isso, infelizmente, ocorre. Pesquisas mostram que as pessoas se sentem muito mais incentivadas quando correm o risco de perder algo do que quando têm algo a ganharem. No primeiro caso, há uma punição: ele perde o direito a algo ao qual já tinha direito e com o qual já contava. No segundo, ele não tem nada a perder se não cumprir sua obrigação, mas apenas a ganhar se excedê-la.
Mas mesmo que resolvamos essas questões, há outros problemas logísticos que sempre precisamos levar em conta quando falamos de bônus:
Primeiro, o que será medido. O risco aqui é que policiais passem a focar no índice que gere o bônus e não no combate à criminalidade em si. Pode parecer que são sinônimos, mas não são. Por exemplo, se o índice inclui redução de homicídios mas não o de lesões corporais seguidas de morte, temos o risco de policiais passarem a registrarem homicídios como lesões corporais seguidas de morte. Se roubo está na lista mas extorsão não está, haverá incentivo para que os policiais reclassifiquem os primeiros como se fossem extorsões. Ou um homicídio doloso pode passar a ser registrado como culposo apenas para melhorar o índice. Em todos os exemplos, os números relevantes para o bônus melhorariam, mas os crimes continuariam ocorrendo. Pior: em alguns casos – como o registro de um crime doloso como culposo – manteríamos nas ruas pessoas que antes seriam presas. Ou seja, a situação pioraria.
Segundo, como será medido. Aqui há dois riscos: deixarem de registrar ocorrências simplesmente para melhorarem seus números, ou tentarem ‘mover’ o local do crime para um distrito vizinho. As duas condutas gerariam o mesmo tipo de resultado: uma melhora do índice sem alterar a realidade.
E, por fim, quem irá medir. Um dos critério descritos acima são os 10% dos policias mais bem avaliados. Alguém precisará avaliá-los. Se essa avaliação possibilita alguma subjetividade, podemos acabar com situações nas quais avaliado e avaliador entram em acordo para dividir a premiação extra. Um outro risco é que policiais passem a focar em casos mais fáceis de serem resolvidos justamente para parecerem mais eficientes, deixando de lado os casos mais complexos.
Incentivos financeiros ajudam, mas simplesmente assinar o cheque não resolve. Às vezes, pode piorar.
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