ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

domingo, 17 de novembro de 2013

BELTRAME COM A PALAVRA




ZERO HORA 
17 de novembro de 2013 | N° 17617 

José Mariano Beltrame


"Ao final de 2014, vou estar desempregado"

José Luís Costa



Em quatro décadas, nenhum dos seus 13 antecessores resistiram tanto tempo à frente da espinhosa Secretaria da Segurança Pública do Rio de Janeiro como o gaúchoJosé Mariano Beltrame. Em 2014, ele completará oito anos no comando da pasta, pilotando a mais audaciosa revolução contra o crime no país.

Idealizador do projeto da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), que leva serviços e cidadania a áreas degradadas da capital carioca, Beltrame amealhou prestígio suficiente para se alçar na vida pública e concorrer ao que bem entender.

Delegado da Polícia Federal, ele não quer ouvir falar em partido político e candidatura, e garante não fazer planos para o futuro. Diz que estará desempregado no final do ano que vem (quando termina o governo de Sérgio Cabral) e deixa no ar a possibilidade de voltar ao Rio Grande do Sul.

A onda de protestos que varre a Cidade Maravilhosa e o assassinato do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza (torturado o morto por PMs da UPP da Favela da Rocinha) colocaram Beltrame no olho do furacão.

Em entrevista a Zero Hora, durante passagem por Porto Alegre para receber o título de Cidadão Emérito da Capital, ele reconhece, com a sinceridade e o jeito simples de homem do Pampa, erros, excessos e dificuldades de seus comandados.



Qual o tamanho do estrago do Caso Amarildo?

Sem dúvida alguma, abala, não é bom. Mas essas coisas aconteciam antes no Rio de Janeiro anonimamente. Hoje, você tem a possibilidade de ir a uma delegacia, de fazer a ocorrência, e de a polícia investigar, buscar e prender, sendo policiais ou não. É muito ruim, a gente tinha obrigação de elucidar e mostrar para a sociedade e se conseguiu fazer isso. Acho também que havia essa situação antes em vários lugares do Rio de Janeiro, e hoje a polícia entrou lá. Todos os homicídios ocorridos dentro da Rocinha, depois da instalação da UPP, foram elucidados.

Os protestos como os de junho são necessários para chacoalhar as autoridades?

A passagem de ônibus baixou em muitas capitais. Chego a dizer que eu também teria plaquinhas (para mostrar), caminhar no meio da rua, no meio dos protestos.

Quais seriam as plaquinhas?

Ah, isso eu não posso te dizer. Mas eu tenho minhas manifestações e acho que são legítimas. O que ocorre é, assim como as pessoas querem se manifestar, outros têm o direito de ir para casa, a ambulância tem o direito de transitar. A democracia impõe ordem.

O que mais lhe assusta nos protestos?

É o caráter de violência que é dado por algumas pessoas, por alguns grupos, que vocês (a imprensa) vêm cobrindo de forma muito profissional.

Há receio de protestos mais violentos em 2014, bloqueios em aeroportos, em rodovias, grandes passeatas contra a Copa. Como serão controlados?

Tivemos protestos durante a Copa das Confederações, e a Copa saiu muito bem. Conseguimos fazer anéis de segurança, e a Copa saiu tranquila, o metrô funcionou normalmente. Depois, veio a visita do Papa, tivemos 3 milhões de pessoas, por mais de 24 horas, todas elas aglomeradas em Copacabana e, graças a Deus, também saiu muito bem. É algo que a gente está trabalhando preventivamente, buscando informações para nos prepararmos.


O senhor diz que está sendo preparada uma polícia melhor no Rio. Mas ainda comete excessos. Há imagens do uso de spray de pimenta em protestos de professores, provas forjadas...

Os equipamentos não letais, como bala de borracha, spray de pimenta e a própria bomba de gás lacrimogêneo são conquistas do próprio processo democrático. Antes, tudo isso era enfrentado de que forma? Escudo e cassetete.

A polícia do Rio está preparada para lidar com protestos?


Não posso dizer que está totalmente preparada. É óbvio que ela não conseguiu dar a resposta para todas as situações, mas também garanto que ela evitou que outro tipo de barbárie viesse a acontecer. O que resolve é o meio termo, a mediação. Não é oito nem oitenta. Se você atua, está sujeito a praticar excessos. Se não atua, está sujeito a prevaricar. Esse é o limite que a polícia trabalha. Se a polícia dá um jato de pimenta, se excedeu. Se não faz aquilo, ah, ele queimou a lixeira.

Por que é tão difícil combater os black blocs?

Porque são pessoas que usam uma ferramenta muito veloz, a internet. São pessoas que agem de maneira capilarizada em vários lugares da cidade, e a polícia tem como lógica a preservação da vida e incolumidade física. Não vamos sair correndo, perseguindo determinadas pessoas. Essa resposta é que não está em manual algum. O que vai nos ensinar é o dia a dia, são os alfanuméricos (policiais que atuam em manifestações com coletes contendo números e letras para facilitar a identificação em caso de abusos). Quando eles (manifestantes) aparecem, os alfanuméricos vão para junto deles.

O alfanumérico é identificável?

Ele vai fardado. Se der problema, o cara diz, o A22 me quebrou a cabeça. Aí, eu vou ver quem é o A22 e vou saber. Isso tem funcionado muito bem.

O alfanumérico sofre pressão?

Às vezes sofre, mas é uma turma que se preparou desde o tempo do Maracanã antigo, lidando com torcida, fez muito curso e, hoje, está praticamente enturmada com os manifestantes.



E a proposta de criar juizados especiais móveis como há em estádios de futebol?


Acho importante que se resolva isso rapidamente. O policial, muitas vezes, faz apreensão, mas não encontra elementos para que isso vire uma ação penal. Precisa saber onde está a pedra, o pedaço de pau, onde está a testemunha.

O senhor foi convidado a ser consultor do Catar para a Copa de 2022?

Tivemos uma conversa inicial, mas eu estava em um trabalho recém-iniciado no Rio, e o meu compromisso com aquela população é até o final do ano que vem.

Ao final de 2014...

Ao final de 2014, inclusive, eu estou querendo proposta.

Esperando proposta?

Sim. Me façam proposta, estou desempregado.

E essa do Catar

De repente... Vamos conversar.

Aproveitando o gancho, quais os seus planos para o futuro?

Não penso em planos para o futuro. A segurança pública do Rio te consome 25 horas por dia 32 dias por mês. Não tem como você começar a fazer plano e começar a perder energia.

Aceitaria ser secretário de Segurança do Rio Grande do Sul?

Acho que isso aí... Deixa os governos andarem e caminharem. Vamos ver, né?

Qual o momento mais difícil da sua gestão?

São todos os dias. A morte do menino João Hélio. Foi muito difícil.

O senhor chorou no velório...

Não tem como não se assombrar. Onde entra criança é muito complicado.




A morte do menino João Hélio foi muito difícil. Onde entra criança é muito complicado.

Em 2014, a ideia é chegar a 40 UPPs (atualmente são 34). O projeto está indo de vento em popa?

Graças a Deus, está indo de vento em popa. Aqui no Sul dá para dizer isso, lá eu não posso explicar. É como tu lavrar a terra e deixar ela prontinha para botar a semente. É isso que a UPP está fazendo.

O saldo das UPPs é positivo, reduziu a violência?

Acho que é. O índice de homicídios caiu de 41 por 100 mil para 24 por 100 mil.

A violência no Estado com um todo reduziu?

Reduziu muito. Mas o mais importante na questão da UPP, e talvez as pessoas custem para ver, é o seguinte: a UPP é uma janela que está se abrindo. E as pessoas precisam aproveitar essa oportunidade. Não é um policial fardado na escadaria da favela que vai resolver o problema. São outros atores estaduais, municipais, federais, ONGs. A sociedade precisa assumir um papel ali dentro. Temos de pagar essa dívidas com aqueles excluídos há 40 anos.

O projeto UPP corre o risco de ser esvaziado pelos próximos governos?

Acho que não pode mais. A sociedade já agarrou isso aí.

Vários empresários foram convidados a financiar a infraestrutura nas áreas ocupadas. O Eike Batista era o único que colaborava. Ele continua contribuindo?

Não. O convênio com ele encerrou em agosto.

Ele dava R$ 20 milhões por ano?

Isso. Nos ajudou muito.

Mas o convênio não era até 2014?

Era, mas ele não teve condições de cumprir. Ele explicou que a empresa tinha problemas, e a gente entendeu, porque aquilo era uma liberalidade dele. Foi o único que se apresentou. Mas temos instituições que nos ajudam muito com a Firjan, o sistema S, e tem algumas pequenas empresas que nos ajudam, mas não temos um impacto forte por parte dos empresários nessas áreas.

A saída do Eike não vai prejudicar?

A prefeitura assumiu uma parte, as obras das UPPs por exemplo, e outra parte veio para dentro do custeio do Estado.




O senhor tem no seu gabinete duas estantes abarrotadas de medalhas e troféus pelo reconhecimento do seu trabalho. Tem ideia de quantos prêmios já ganhou?

Não tenho a mínima ideia. Lá no fim eu vou contar. Acho que passa de 30, 40.

Algum é mais importante? O senhor está há 10 anos no Rio. Como está a vida?

Todos tem um sabor especial. Muito dedicada ao trabalho. O trabalho me consome bastante. Às vezes, procuro estudar inglês, nas madrugadas. Mas papagaio veio não fala mais, não adianta.



Continua levantando cedo?

Levantando às 6h, tomando meu chimarrão.

O senhor já pensou em desistir da Secretaria?

Não. Às vezes, a gente embrabece lá, fica meio pilhado, mas não desisto.

O senhor já está no cargo há seis anos...

Mas não vou ser Hugo Chávez (ex-presidente venezuelano, que ficou 14 anos no poder).

Talvez ninguém tenha ficado tanto tempo na secretaria...

Até agora, não. Este recorde eu já tenho. Aquela pegada no Rio não é brincadeira.

E o senhor continua andando na rua sem colete a prova de balas?

Eu ando, normalmente, graças a Deus.

E continua correndo uns 10 quilômetros?

Continuo, meio guapeado, umas duas vezes por semana. Todos os domingos tem uma prova de corrida no Rio, e eu vou. O bom é que botei toda a segurança em forma (risos).

Até outubro de 2010, o senhor tinha recebido 18 ameaças de morte...

Tô com 19 agora, aumentou uma.

Alguma foi mais violenta?

As que vêm por escrito, com algum detalhezinho, deixa a gente assim... Mas eu não penso nisso, não sei se é porque morei em Pontaporã, Corumbá (Mato Grosso do Sul).

O senhor segue indo à missa?

Vou na PUC, às 6h ou às 7h da noite, todos os domingos.

E os seguranças vão junto?

Vão. Eles (são seis) estão até rezando.

O que lhe tira os sono?

A possibilidade de ver que dá para fazer algo, mas questões burocráticas e, às vezes, determinados vícios que você encontra na estrutura pública, não permitem que você faça. O serviço público tinha de ser tratado como se fosse privado.

O que o senhor faz para aliviar o estresse?


Ginástica, corrida, ir para a lagoa, botar os pés na areia.

Corre maratona?

Maratona, não dá mais. O velho não aguenta mais. Corri a meia maratona do Rio (2011).

Tem visto o Inter jogar?

Não. Não vou ver jogar lá porque o Inter não me arruma nada no Rio. Acho que o Inter está devendo para a sociedade colorada, há anos, um campeonato. Não vou dizer ganhar um campeonato, mas chegar.




Secou o Grêmio na Copa do Brasil?

Rapaz, aprendi que secar, é a pior coisa que tem. Além de dar azar, o sofrimento é pior.

Já estão servindo costela gorda no ponto para o senhor?

Já. Já arrumei um gaúcho. Ele de Flores da Cunha, tem uma churrascaria lá, e eu ligo para ele. Senão, me dão aquela carne sapecada, com gosto de brasa.

Apreendeu a comer carne magra?

Churrasco tem de ter gordura, nem que tu tire. Lá é meio bife assado.



O senhor já se rendeu às redes sociais?

Eu não entrei. De vez em quando, a assessoria de imprensa do governo abre, e eu falo com a comunidade.

E o caderninho surrado para anotações importantes?

Terminei o quarto caderno ontem (dia 7/11). Estou indo para o quinto, e vai dar um livro que vou lançar em março sobre esses diazinhos que passei lá (no Rio).

Em 2010, o senhor foi eleito muso gay por uma revista LGBT. Incomoda a um gauchão com fama de xerife este título?

Absolutamente, não. Cada um, cada um.

O senhor cedeu um andar na secretaria para o programa Rio sem Homofobia.

Estão lá, no sétimo andar, pintaram tudo de cor de rosa, sem problema algum.

O senhor teria brigado com o seu ex-subsecretário, o delegado da PF Marcio Derene, porque queria grampear a cúpula do governo carioca...


(Risos). Isso é um absurdo. Houve um desentendimento do ponto de vista profissional. Mas isso é um absurdo. E vou te dizer mais: se tivesse fundamento para grampear, grampearia.


Trajetória - Filho de imigrantes italianos, José Mariano Benincá Beltrame nasceu em Santa Maria em 13 de maio 1957. Iniciou a carreira como agente da Polícia Federal, em 1981. Atuou no Estado até 2010, quando foi transferido para o Mato Grosso do Sul. Três anos depois, como delegado, foi para o Rio, onde coordenou o sistema de escutas telefônicas Guardião. Em 2007, foi convidado a assumir a Secretaria de Segurança Pública.



Um homem de fé - Desde que assuiu a Secretaria de Segurança Pública do Rio, já sofreu 19 ameaças de morte, mas garante não se intimidar. Acredita que Nossa Senhora Medianeira ilumina seus passos. Na foto acima, com a mulher no programa Esquenta.

A Secretaria de Segurança teve, durante 2003 a 2006, em outro governo, e durante três meses em 2010, como servidor Carlos da Cruz Sampaio Júnior, de 44 anos, um falso tenente-coronel do Exército como assessor...

Ele já era do governo anterior, e o pessoal não fez o que normalmente deve-se fazer. Mas tem um detalhe: nós mesmos descobrimos isso, nós mesmo noticiamos à imprensa, nós demitimos ele, e nós mudamos toda a metodologia de admissão.

O senhor, quando policial federal em Porto Alegre, em 1981, se infiltrou no movimento estudantil?

Não.

A União Municipal dos Estudantes tinha reunião e o senhor teria participado como policial para investigar essas ações?

Participei das manifestações em que a gente podia ir. Tinha de ir, era nossa função.

Como infiltrado?

Ia em lugares abertos, onde poderia ir eu ia, mas infiltrado, não.

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