O Estado de S.Paulo 07 de novembro de 2013 | 2h 15
OPINIÃO
O elevado número de pessoas mortas por policiais - que alegam ter agido nesses casos em legítima defesa, o que a maioria dos parentes das vítimas e especialistas em segurança contestam - e a precariedade dos mecanismos de controle das Polícias Civil e Militar constituem um elemento importante da prolongada crise da segurança pública no País, ao qual já está mais do que na hora de as autoridades darem maior atenção. A chamada letalidade da polícia é muito mais alta no Brasil em comparação não só com os países ricos, como também com outros com nível de desenvolvimento e problemas de segurança semelhantes aos nossos.
Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que morrem diariamente, em média, cinco pessoas no que se chama de confrontos com policiais. De acordo com dados colhidos em 23 Estados, em 2012 morreram, nessas circunstâncias, 1.890 pessoas, e o número de policiais civis e militares mortos em serviço no mesmo período foi de 89. São números altamente preocupantes.
A relação de mortos é de 21 civis para cada policial, quase o dobro do número máximo (12) que o FBI considera aceitável nos Estados Unidos. Nesse país, cuja população é 60% maior que a do Brasil, morreram no ano passado 410 pessoas em confrontos com a polícia. Segundo Samira Bueno, secretária executiva do Fórum, mesmo no México, que tem taxa de homicídio próxima da nossa e trava uma verdadeira guerra contra o narcotráfico, é menor o número de pessoas mortas pela polícia. Ela observa com razão que todos os países democráticos têm polícia forte, mas isso "significa seguir padrão operacional e protocolos e ter mecanismos de controle para garanti-los".
Protocolos que, deve-se acrescentar, servem não apenas para proteger o civil, mas igualmente o policial. Quanto aos mecanismos de controle, o prof. Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, estudou as corregedorias das Polícias Civil, Militar e Federal e do sistema penitenciário e concluiu que esses órgãos não recebem o apoio que deveriam: em geral, dispõem de pouco pessoal, enfrentam dificuldade de recrutamento e o policial que nelas trabalha não tem estabilidade. Por isso, depois de investigar um agente, pode ter de trabalhar com ele na rua.
Para agravar ainda mais as coisas, a situação não é muito diferente na instituição responsável pelo controle externo das polícias - o Ministério Público (MP). O procurador Mário Bonsaglia, membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), admite que "há falhas e o papel do MP tem de ser aprimorado". Quanto à letalidade da polícia, observa que ela não é questionada pela sociedade e, "se não há questionamento, há acomodação". No CNMP, acrescenta, esse tema tem merecido atenção, "mas não há ainda uma política sobre a questão".
Apesar das sérias deficiências desses mecanismos de controle, alguns avanços importantes no combate aos altos índices da letalidade policial vêm sendo registrados, notadamente em São Paulo e no Rio de Janeiro. O número de civis mortos em confronto com a polícia caiu em São Paulo nada menos do que 64% num curto espaço de tempo - entre janeiro e maio deste ano em comparação com igual período de 2012. No Rio, num período mais longo - de 2007 a 2012 - a queda foi de 69%. De 1.330 para 415, em números absolutos.
Em São Paulo isso se deveu principalmente a duas medidas adotadas em janeiro, sendo uma delas a que estabeleceu novas normas para a preservação do local das ocorrências, a fim de evitar que maus policiais alterem a cena do crime para fugir de suas responsabilidades nos fatos. Outra mudou a nomenclatura para classificar o que ocorre nos confrontos - não se fala mais de auto de resistência, que é um prejulgamento que favorece maus policiais, mas de morte em decorrência de intervenção policial, uma fórmula neutra.
Esses dois exemplos demonstram que muito pode ser feito para melhorar a polícia, quando para isso há firme determinação das autoridades.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Novamente medidas são propostas enxergando as forças policiais fora de um sistema de justiça criminal. Portanto, estas sugestões são isoladas, pontuais e insuficientes para coibir e reduzir o problema. O certo é que no Brasil, as forças policiais, o setor prisional, o judiciário, o MP e a defensoria não trabalham em conjunto, se ligam de forma burocrática, desconfiam um dos outros, fomentam atritos corporativos, produzem processos lentos e agem sem comprometimento com objetivos comuns a todos na questão de prover segurança, bem-estar, paz social e ordem pública à população. Nos EUA, o controle da polícia passa pelos setor de assuntos internos onde a promotoria tem acesso livre para fiscalizar, sugerir medidas e denunciar maus policiais que são investigados, processados, julgados e absolvidos ou condenados por um sistema integrado, ágil, diligente e coativo.
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