REVISTA ISTO É N° Edição: 2233 27.Ago.12 - 09:49
A maior paralisação de servidores federais da história impede que
remédios cheguem aos hospitais, afrouxa a segurança nas fronteiras e
gera prejuízo de R$ 1 bilhão. Saiba como atuam, quanto ganham e os
planos dos líderes do movimento.
Claudio Dantas Sequeira e Adriana Nicacio
Nos
últimos três meses, o País vem enfrentando uma onda de greves que
paralisa boa parte dos serviços públicos federais. Na contabilidade dos
grevistas, 350 mil trabalhadores já cruzaram os braços – na sexta-feira
24, estimava-se que 200 mil permaneciam sem dar expediente – para
reivindicar principalmente aumento salarial, no que já é considerada a
maior greve da história do serviço público brasileiro. Nem as
paralisações na gestão Fernando Henrique Cardoso, as mobilizações no
início do primeiro mandato de Lula e protestos setorizados, como os de
controladores de voo em 2006, se comparam ao movimente atual, seja em
duração, grau de planejamento e senso de oportunidade – ou oportunismo. A
greve que começou pequena em maio, com professores universitários, logo
absorveu os servidores administrativos das universidades e, em poucas
semanas, abarcou dezenas de categorias. No fim de junho, quando aderiram
à onda os funcionários das agências reguladoras, da Polícia Federal e
da Polícia Rodoviária Federal, além dos auditores fiscais, o governo se
deparou com uma situação dramática. A greve atingiu serviços
fundamentais e estratégicos, como a aduana, a vigilância sanitária e a
segurança de fronteiras. O prejuízo até agora ultrapassa R$ 1 bilhão,
mas os danos sociais são incalculáveis.
Um exemplo dessas perdas
está na retenção de mercadorias no Porto de Santos. Os funcionários da
Anvisa impediram que milhares de remédios essenciais contra o câncer e
reagentes para o diagnóstico da gripe H1N1 chegassem aos hospitais. A
escassez de kits sorológicos também obrigou alguns hospitais públicos a
descartar milhares de bolsas de sangue que perderam a validade. Em outro
efeito colateral do movimento grevista, a suspensão da fiscalização em
rodovias e aeroportos serviu como espécie de sinal verde ao crime
organizado. Na terça-feira 21, policiais rodoviários afixaram na Ponte
da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR), uma placa com a frase: “Passagem
livre para tráfico de drogas e armas.” Dentro do governo, a ação foi
interpretada como um perigoso sinal de radicalização.
O
radicalismo como instrumento de negociação se tornou a principal marca
do atual movimento grevista, que vem sendo conduzido por uma associação
entre antigas lideranças do funcionalismo com uma nova geração de
sindicalistas. Várias dessas estrelas emergentes têm pouca ou nenhuma
tradição na luta sindical. Raramente saem de seus gabinetes para
negociar e, por seus altos salários e perfil empresarial, ganharam da
presidenta Dilma Rousseff a alcunha de “grevistas de sangue azul”. Esse
grupo é considerado a elite do funcionalismo público, com salários de R$
10 mil a R$ 25 mil, altamente qualificado, com cursos de pós-graduação,
mestrado e até doutorado. Alguns sindicalistas andam de carro
importado e usam as redes sociais da internet para definir estratégias
de ação. Lideranças tradicionais, insatisfeitas com os controles de
gastos e a estabilização no número de servidores do Executivo, aceitaram
colocar-se a reboque da turma de “sangue azul”. Dessa maneira, tentam
deter avanços que o governo vem implementando na gestão do funcionalismo
público. A criação de fundos de pensão que reduzem privilégios de
algumas castas de servidores foi tão mal recebida pelos sindicalistas
quanto a legislação sobre transparência pública, que expôs os
vencimentos de cada um deles.
SEM TRABALHAR
Servidores federais, de diversas áreas do governo, durante protesto
em São Paulo: serviços essenciais à população foram afetados
Um
dos principais líderes do grupo dos novos nobres grevistas chama-se
Pedro Delarue Tolentino Filho, presidente do Sindifisco e representante
da chamada União das Carreiras de Estado, que reúne as 22 categorias
mais bem remuneradas do Executivo, entre elas Banco Central, gestores
públicos, CVM e Itamaraty. Com 54 anos, o auditor fiscal é formado em
economia e ganha R$ 19,4 mil por mês. Em junho, embolsou R$ 23 mil, em
virtude de gratificações. Mora na elegante Barra da Tijuca, no Rio
Janeiro, sua mulher trabalha na iniciativa privada e a filha estuda em
colégio particular. Delarue entrou para o sindicalismo na década de 1990
e rapidamente alcançou postos de comando no Sindifisco, cuja
presidência ele assumiu em 2007. O sindicalista não se preocupa com o
rótulo de sangue azul, diz que os auditores “não são apenas a elite do
serviço público, mas do País”, e revela detalhes do planejamento da
greve. “Decidimos no ano passado que não aceitaríamos mais enrolação do
governo.”
Outros líderes grevistas de “sangue azul” são Álvaro
Sólon de França, que preside a Associação Nacional dos Auditores Fiscais
da Receita Federal (Anfip), e Wilson Roberto de Sá, do Sindicado
Nacional dos Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical). Sólon tem
salário bruto de R$ 21,5 mil e, com gratificações, o valor alcança
mensalmente R$ 25,2 mil. Roberto de Sá, por sua vez, recebe R$ 18 mil,
que sobem para R$ 21,4 mil com os benefícios. Morador de São Gonçalo, no
Rio, passa a semana em Brasília, onde aluga uma quitinete e malha numa
badalada academia. Também estão nesse grupo os presidentes da Associação
Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Souza
Ribeiro, da Associação Nacional dos Servidores Efetivos das Agências
Reguladoras (Aner), Paulo Rodrigues Mendes, e da Federação Nacional dos
Policiais Rodoviários, Pedro da Silva Cavalcanti. Ribeiro ganha R$ 17,5
mil e Mendes, R$ 13,2 mil – até 2005, seu salário era de R$ 3,5 mil. Já
Cavalcanti retira R$ 13 mil mensalmente, com gratificação inclusa,
frequenta uma academia da Asa Sul e mora num bairro nobre do Recife.
Para esses servidores, o sindicalismo está longe de ser uma atividade
política. Alguns são até filiados a partidos, como o PT e PSB, mas não
militam. A ausência de um conteúdo político nas manifestações é outra
característica desse novo sindicalismo, que busca, acima de tudo,
resultados financeiros.
Todo o planejamento do atual movimento
grevista obedeceu a princípios comuns da iniciativa privada. O
financiamento das atividades foi pensado com antecedência. Delarue, do
Sindifisco, criou duas novas contribuições só para bancar o projeto de
greve. Por seis meses, os filiados contribuíram com 0,1% do salário para
um fundo de mobilizações e 0,6% para o fundo de greve. Foram recolhidos
R$ 17 milhões, que estão sendo usados para pagar os salários de quem
teve o ponto cortado pelo Executivo. Os fiscais agropecuários reunidos
na Anffa também tiveram de dar uma contribuição a mais. Nos últimos 11
meses, todos os servidores recolhem 10% de seus salários para um fundo
de emergência. Em maio e junho, quando o movimento esquentou, esse
percentual dobrou. Hoje, a associação tem um caixa de R$ 9 milhões para
enfrentar o governo. Em agosto, 11.495 grevistas de todas as categorias
sofreram baixas em seu contracheque.
PARADOS
Policiais federais (acima) no anúncio da operação-padrão
AMEAÇA
Em posto da Polícia Rodoviária, faixa diz passagem livre para tráfico de drogas e armas
Com
esse dinheiro, as lideranças sindicais esperam manter os protestos
mesmo depois de 31 de agosto, prazo limite para o Ministério do
Planejamento fechar o orçamento de 2013. Lideranças ouvidas por ISTOÉ
estimam entre R$ 100 mil e R$ 450 mil o custo mensal para manter a
mobilização, com gastos de pessoal, material de panfletagem,
acampamentos e publicidade em rádios e tevês. Uma assembleia nos dias 1o
e 2 de setembro definirá os rumos da greve, mas já há previsão de
paralisação para 11, 12 e 13 do mesmo mês. Segundo os dirigentes
sindicais, mesmo sem perspectivas de reajuste imediato, a pressão vai
continuar, e a segurança dos grandes eventos virou elemento de barganha
nesse processo. “Até agora foram feitas paralisações pontuais”, diz o
delegado Marcos Leôncio Ribeiro, da ADPF. “Mas teremos a Copa das
Confederações, a Copa do Mundo e a Olimpíada.” Delarue reforça o poder
dos grevistas. “Não temos dificuldade em organizar novas
operações-padrão e paralisações.”
De parte do governo, a
tendência também é o endurecimento. “Quem não aceitar o reajuste de
15,8% não terá nada”, afirma um assessor da Presidência. Para as
categorias que aceitarem o acordo, novas negociações só poderão ocorrer
em 2016. Pensando nisso, o governo fracionou o reajuste nos próximos
três anos. Outra estratégia para enfraquecer os grevistas é levantar as
fragilidades de cada categoria, para uma negociação individual
posterior. Na busca por informações, o Palácio do Planalto infiltrou
agentes da ABIN, da P2 (Polícia Militar) e do Exército nas assembleias e
acampamentos. Também determinou o monitoramento das principais
lideranças. “Brasília virou uma praça de guerra de arapongagem”, revela
um agente. Francisco Sabino, vice-presidente da Fenapef, que reúne os
agentes da PF, confirma que descobriu arapongas oficiais infiltrados em
reuniões de sua entidade. “Estão nos acompanhando em quase todos os
Estados.” Para burlar a espionagem, Sabino diz que seus colegas têm
optado por se comunicar por rádio e evitado fazer reservas em hotéis ou
comprar passagens com antecedência.
A motivação para manter os
servidores mobilizados após o dia 31 tem a ver também com demandas que
vão além da questão salarial, como reestruturação de carreira,
equiparação salarial, definição de 1º de maio como data-base e uma
política de reposição inflacionária, que será embutida na discussão
sobre a regulamentação das greves de servidores. “A grande diferença
dessa mobilização para as anteriores é que conseguimos unificar uma
pauta geral, então o governo não tem como nos dividir e enfraquecer”,
afirma Josemilton da Costa, presidente da Confederação dos Trabalhadores
do Serviço Público Federal (Condsef). A entidade reúne o maior número
de servidores públicos, cerca de 1,2 milhão, chamados de “carreirão”,
normalmente com salários mais baixos. O próprio Josemilton, que uniu seu
movimento ao dos de sangue azul, ganha pouco mais de R$ 3,2 mil como
agente administrativo do Ministério da Fazenda. Tem hábitos
franciscanos, mora numa quitinete em Copacabana e despacha de um
gabinete sem ar-condicionado.
Diferenças salariais à parte,
Josemilton demonstra estar afinado com a estratégia de radicalização dos
demais líderes grevistas. “Quem elegeu Dilma foram os mesmos movimentos
sociais que elegeram Lula”, diz. “A resistência em negociar pode
levá-la ao isolamento. É um preço alto a pagar.” A opinião do
sindicalista é compartilhada pela psicóloga Marinalva Barbosa,
presidente da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior
(Andes), principal entidade dos professores federais – de 59
universidades, 57 paralisaram suas atividades, assim como 33 dos 38
institutos tecnológicos. “O governo não sabe negociar”, diz. Com 47 anos
e doutorado na USP, ela recebe R$ 11 mil como professora associada na
Universidade Federal do Amapá. Para os sindicalistas, falta jogo de
cintura por parte do governo. Estão insatisfeitos com o diálogo com o
ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria Geral da Presidência, e o
secretário de Relações de Trabalho do Ministério do Planejamento, Sérgio
Mendonça. Interlocutor oficial do governo com os representantes dos
servidores, a agenda de Mendonça registra 180 reuniões desde março,
numa média de duas horas para cada encontro. Para o presidente da CUT,
Vagner Freitas, a falta de uma saída é reflexo do esgotamento de um
modelo de negociação. “É preciso negociar com antecedência”, afirma.
“Não adianta deixar para última hora.” Enquanto o impasse não termina,
milhões de brasileiros continuam sofrendo os efeitos perversos do
movimento grevista. Reivindicar melhores salários é legítimo, o que não é
certo é deixar um País inteiro refém do movimento.
Com reportagem Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Alguma coisa está errada no título desta reportagem. Se os servidores do Executivo que entram em greve exigindo melhores salários e condições de trabalho desafiam o Brasil, o que dizer da postura independente e soberba daqueles altos servidores públicos de outros poderes que reajustam seus próprios salários bem acima da inflação, agregam privilégios imorais e se pagam as indenizações de forma célere, será que estes também não desafiam o Brasil?
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
segunda-feira, 27 de agosto de 2012
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