Fórum Brasileiro de Segurança Pública
por Danillo Ferreira*
Não é vocação das polícias brasileiras serem cidadãs, democráticas, comunitárias e humanas: com seu público interno ou com seu público externo, sujeito dos seus serviços. Basta ler a Constituição Federal para se dar conta de que os policiais militares, por exemplo, não podem se sindicalizar, sendo legalmente tratados como semicidadãos, embora sejam cobrados como vetores de cidadania. O Código Penal Militar (1969), a que todos os PMs e BMs brasileiros estão submetidos, foi decretado por ministros militares “usando das atribuições” conferidas pelo famigerado Ato Institucional nº 5, o AI-5.
Foto: Fábio Motta/AE
Por outro lado, pesquisas se amontoam demonstrando que no Brasil, quando se trata de atuação policial, o nível de violência praticada por parte do Estado supera em muito o tolerável, notadamente no que se refere a execuções extrajudiciais tendo como amparo autos de resistência forjados.
É simples entender por que aqui se utiliza o termo “vocação”. É que nossas polícias nãonasceram para garantir direitos de minorias, para evitar que injustiças sociais ocorram, nem para evitar que os mais fortes abusem dos mais fracos. Elas possuem em seu nascedouro certa orientação para as garantias do poder governamental de ocasião, que costuma replicar os interesses de certas elites, já que estamos falando do sistema político-eleitoral brasileiro.
Sim, em muitos momentos nossas polícias atuam em observância aos preceitos cidadãos, democráticos, comunitários e humanos. Mas este não é seu talento: é como se diferenciássemos Mozart e sua capacidade inata de lidar com a música de um homem já idoso que resolve aprender tocar piano por distração. Aliás, não parece mais que isto a relação das polícias com estes conceitos, uma espécie de “cereja do bolo”, um enfeite pronto para dar certo toque publicitário à atuação policial, admitido de bom grado por grande parte da nossa imprensa.
Neste contexto, virou moda pedir a cabeça das polícias militares, como se só as PMs fossem praticantes de abusos. Seria útil para os que sustentam este discurso, primeiramente, definir o que vem a ser “polícia militar”. Se significa ser violenta em sua atuação, teremos que extinguir polícias civis, instituições prisionais e até mesmo algumas recém-criadas guardas municipais. Como se vê, o problema é muito maior do que a tentação de criar um bode expiatório, alimentado principalmente por rancores ideológicos que o termo “militar” adquiriu no país.
O Brasil não pode correr o risco de perder outra oportunidade de remodelação das polícias brasileiras – 1988 passou, uma Constituição com pretensões democráticas foi promulgada e a discussão sobre o modelo de polícia está no vácuo até hoje. Mudar é urgente, mas não se trata de um passo no escuro: além de saber qual polícia não queremos, é preciso discutir e definir a polícia que queremos. Iniciar garantindo cidadania, dignidade e humanidade aos próprios policiais é um boa prioridade a ser definida.
*Danillo Ferreira é tenente da Polícia Militar da Bahia, estudante de Filosofia, autor do blog www.abordagempolicial.com ” e associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Sua opinião
Charles Antonio disse: 2012-08-11 13:25:19Parabéns a revista por oportunizar a um oficial Pm opiniar sobre a sua desmilitarização, dando um basta ao "especialistas", mas pondero que seria por oportuno também ouvir os praças, a base e os que realmente sofrem do jugo do RQuero e que nao ostentam estrelas para as perdererem. Também , como o mesmo, ao que parece, informa que todas as polícias são um mal necessário, o que é correto a idéia, mas nao para justificar o modelo existente, justificando a permanência do que se encontra, afirmando tão somente que o equivoco é a legislação militar. Iindago-me: quer o articulista ser oficial das forcas auxiliares, manter as duas estrelas, porém nao quer submeter-se a disciplina militar, que inclusive prega morrer pela pátria! ora pois ... É ou nao é, eis a questão, decidam-se!
praça cansado de... disse: 2012-08-10 23:00:37infelizmente a sociedade nunca importou com os problemas da policia. Caiu a ditadura e reiniciou a democracia e sequer lembraram de extinguir a policia braço do exercito, força estatal que via e vê o cidadão como inimigo a ser combatido para criar uma policia cidadã. Por algum motivo escuso mantiveram esse cancer chamado PM (Polícia Militar, uma minoria possui direitos e poucos deveres e desfrutam de inumeras regalias e de maioria sem direitos e com muitos deveres e obrigações, mal remunerados e oprimidos e torturados constantamente pelos oficiais e pela sociedade que não os aceitam e os culpam pelas mazelas sociais da atualidade e do passado. Quando entrei na PM já viviamos o que chamamos de democracia e por isso não posso aceitar tal julgo. sou vitima e quero ser cidadão como os demais naão praças são. A PM não mais atende o momento social e precisa ser extinta e a sociedade precisa deixar de ser hipocrita e cumprir o seu.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Boa pergunta! Quanto à opinião do "praça cansado" vejo o mesmo equívoco e desinformação nas críticas dos "especialistas" que defendem a extinção das PMs. O braço armada da ditadura nunca foram as polícias militares, mas agentes das polícias civis que atuavam diretamente na busca, na prisão, nos sequestros e nos interrogatório dos simpatizantes e militantes esquerdistas. Os policiais militares eram empregados na rede de informação e na contenção dos distúrbios onde entravam em confronto com manifestantes contrários à ditadura. Não conheço nenhum oficial da PM da época que esteve envolvido em torturas ou crimes ou sendo acusado de crime contra direitos humanos.
Matéria indicada pelo Cel Ref Jose Aparecida de Castro Macedo
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