ZERO HORA, 20 de junho de 2012 | N° 17106
DEBATE NO CONGRESSO
Proposta de emenda constitucional que concede às polícias o monopólio de apurações de crime entra na pauta da Câmara
Dentro de uma semana deve ser votado, em Comissão Especial da Câmara dos Deputados, um projeto que pode sacudir o meio jurídico brasileiro. É a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37/2011, que autoriza apenas a Polícia Civil e a Polícia Federal a realizarem investigações criminais. Isso significaria, na prática, que o Ministério Público não poderá mais conduzir suas próprias investigações.
A proposta é do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), delegado da Polícia Civil.
– É um estímulo à impunidade. Se isso passar, não só os promotores deixarão de fazer investigações, mas também o Coaf (órgão do Ministério da Fazenda) e as CPIs terão poderes limitados – diz o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Jr., promotor público no Pará.
Para apimentar a polêmica, Mattar sustenta que a maior parte dos casos em que se discute a legitimidade do MP para investigar envolve crimes praticados por policiais. Um dos exemplos citados é o dos Conselhos das Polícias Civis, que têm atribuição de julgar delitos cometidos por policiais. Uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) questiona a presença de promotores nesses julgamentos administrativos e, por isso, a cadeira do MP no Conselho do Rio Grande do Sul está vaga desde 2011.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se alinha a favor do projeto. Representante da entidade na comissão que analisa a PEC, Edson Smaniotto votou a favor da proposta e disse que hoje o Ministério Público investiga “sem controle superior e com riscos à cidadania”.
– A atividade do MP não tem controle de nenhuma autoridade superior e nem prazo para terminar. O Ministério Público acaba selecionando determinados casos, por repercussão na mídia ou por interesses que ele elege por si só – critica.
Smaniotto argumenta que os advogados podem tentar paralisar uma investigação policial abusiva por meio de habeas corpus. Mas esse e outros instrumentos jurídicos não podem ser usados no caso de uma investigação criminal do MP.
Dois experientes policiais gaúchos apoiam a restrição às investigações feitas pelo MP. O chefe de Polícia, delegado Ranolfo Vieira Junior, diz que a Constituição só autoriza as polícias judiciárias (PF e Civil) a investigar. Ele ressalta, porém, que não costumam ocorrer divergências, quando os promotores gaúchos decidem investigar.
Posição semelhante tem o delegado aposentado Wilson Müller Rodrigues, presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Asdep). Ele acredita que o alvo da PEC é interromper algo que virou hábito: promotores requisitando PMs para fazerem investigações e cumprirem mandados judiciais:
– O MP pode requisitar investigações, mas cabe aos policiais civis investigar. Se tiverem dúvidas quanto à investigação de policiais, que apelem aos chefes deles. Ou ao governador. Mas a prerrogativa é dos policiais.
SUA SEGURANÇA | HUMBERTO TREZZ
Quanto mais investigar, melhor
Por trás dessa briga entre a Polícia Civil e o Ministério Público está a velha rivalidade dos policiais civis com os seus colegas militares. É que os policiais civis, em menor número, têm sido atropelados Brasil afora por investigações conduzidas por PMs, sob abrigo de promotores. E não gostam nem um pouco disso.
É compreensível a irritação de policiais civis e federais com a participação de PMs nas investigações. A Constituição Federal diz que investigar é prerrogativa da polícia judiciária (civil ou federal).
Dito isso, é necessário ser prático. Que mal há, para a população, que o Ministério Público faça suas próprias investigações ou requisite PMs para fazê-las? À parte a discussão jurídica (e nela a Constituição dá esse poder às polícias sem farda), o que interessa para a comunidade é que alguém investigue. Interessante, mesmo, é que os PMs, que são mais numerosos, trabalhassem sob orientação dos policiais civis nas investigações (ou sob seu comando), com supervisão dos promotores. Não ficaria uma beleza?
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Eu tenho uma posição sobre este assunto. A investigação (junto com a atividade pericial e ostensiva) é parte de um ciclo policial onde são exercidos os segmentos de forma conjunta nos aparatos policiais, o que não ocorre no Brasil, salvo na Polícia Federal, considerada a mais efetiva do país. O MP tem invadido a competência investigativa e até operacional das polícias na apuração de crimes comuns, criando forças tarefas com efetivos desviados das polícias e intervindo em investigações normais. Eu defendo a atividade investigativa do MP apenas como órgão corregedor atuando em crimes envolvendo autoridades públicas e contratados que prestam serviços nos poderes de Estado e na falência policial e prisional. São nestes casos que o MP deveria limitar sua competência investigativa com equipes próprias atuando efetivamente dentro das corregadorias policiais, de justiça, administativa e legislativa. Abrir a competência de investigar crimes comuns é amarrar o MP com mais uma elevada carga burocrática e concorrer com a forte Polícia Federal e com as, hoje, desvalorizadas e fracionadas, mas bravas e abnegadas forças policiais estaduais. Bom para os bandidos políticos e poderosos.
Próximos passos |
- Caso a comissão especial aprove a PEC 37/2011, a proposta será votada no plenário da Câmara dos Deputados (duas vezes) e também no do Senado (duas vezes). |
- A aprovação em plenário requer maioria de dois terços. |
PROMOTORES X DELEGADOS |
Casos recentes que colocaram em lados opostos o Ministério Público e a Polícia Civil no Rio Grande do Sul: |
PORTO ALEGRE |
- Em fevereiro de 2010, o então secretário municipal de Saúde, Eliseu Santos, é assassinado a tiro no bairro Floresta (foto acima). A Polícia Civil concluiu que o caso foi uma tentativa de assalto, mas dois promotores comandaram uma investigação à parte e apontaram homicídio premeditado, encomendado por pessoas prejudicadas em processo licitatório envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde. |
IJUÍ |
- O Tribunal de Justiça acaba de anular processo criminal contra uma suspeita de tráfico de drogas. O desembargador Nereu Giacomolli entendeu que foi ilegal o pedido do MP para que a BM cumprisse mandado de busca e apreensão em uma residência em novembro de 2011. Giacomolli mandou liberar a suspeita por entender que o mandado só poderia ser cumprido pela Polícia Civil. Policiais civis cumpriram novo mandado, e a mulher voltou à prisão. |
GRAVATAÍ |
- Em dezembro de 2011, a BM prendeu sete suspeitos de tráfico. Eles foram detidos durante o cumprimento de 32 mandados de busca e apreensão, expedidos pela Justiça, a pedido do MP. Considerando que houve abuso de PMs que conduziram os presos para um sítio para identificação antes de levá-los à delegacia, o delegado plantonista Júlio Fernandes Neto decidiu não autuá-los em flagrante. Os suspeitos foram soltos. |
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