ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

domingo, 3 de junho de 2012

BANALIDADE DO MAL E TV

ZERO HORA, 03 de junho de 2012 | N° 17089. ARTIGOS.

 

Marcos Rolim, jornalista

 

Em abril de 1961, o ex-oficial nazista Adolf Eichmann, acusado de genocídio e outros crimes, começou a ser julgado em Jerusalém. Entre o público que acompanhou as sessões, estava Hannah Arendt, enviada da revista New Yorker. A partir das matérias que fez, Arendt lançou o livro Eichmann em Jerusalém, no qual cunhou a expressão “banalidade do mal”. Com ela, a filósofa não pretendeu dizer que o mal se tornara “comum” – como inadvertidamente ainda se repete –, mas, em um sentido muito mais rico, que o mal podia ser o resultado da ação de pessoas comuns. Eichmann perpetrou crimes monstruosos, mas não era um “monstro”. Era um burocrata, alguém que cumpriu ordens e que nunca se perguntou sobre o sentido de suas ações. Para Hannah Arendt, Eichmann era incapaz de refletir. Neste ponto, ela levantou sua perturbadora hipótese: “Não seria o mal o resultado da ausência de reflexão?”.

 

Há alguns dias, uma repórter da TV Band da Bahia, Mirella Cunha, entrou na 12ª DP, em Itapoã. Foi entrevistar um jovem de 18 anos preso. Na matéria, ela o acusa de “estuprador”, além de ridicularizá-lo por não saber pronunciar a palavra “próstata”. O jovem – réu primário, negro e analfabeto – vive nas ruas desde criança. A matéria está no YouTube em http://migre.me/9jJ2d. As cenas dizem muito sobre o Brasil e deveriam ser exibidas nas faculdades de jornalismo. 

 

Os chamados “programas policiais”, que exploram tragédias, que se nutrem do submundo das delegacias e que transformam a violência em espetáculo, têm se espalhado como uma praga. Os casos levados ao ar com a exposição dos suspeitos são, em grande maioria, falaciosos e infundados e violam sistematicamente os direitos civis como o demonstrou estudo da Facom da Bahia, com apoio da Fundação Ford, que monitorou os programas Se liga Bocão (Record) e Na Mira (SBT). 

 

Comentando este trabalho, aliás, a promotora baiana Isabel Adelaide disse que a “ficha corrida” dos policiais que agenciam a exposição dos suspeitos costuma ser mais extensa do que a dos próprios presos. O problema, óbvio, não se resume à Bahia. 

 

Em se tratando de mediocridade e pilantragem, a disputa na TV é cada vez mais acirrada. Nela, demagogos como Fortunato, o personagem apresentador de TV em Tropa de Elite 2, atiçam o público contra os “bandidos” e promovem a irreflexão em escala industrial. Não lhes faltam audiência nem patrocinadores. A imprensa que pretende ser séria e responsável não tem o hábito de criticar esta turma. Deveriam mirar-se no exemplo do The Guardian, que expôs as falcatruas de Rupert Murdoch e seu jornalismo de esgoto. 

 

O Brasil precisa de emissoras de rádio e TV que denunciem e cobrem providências, mas precisa ainda mais de emissoras que estimulem o pensamento, que ensinem as pessoas a desconfiar do poder, que esclareçam, que desmistifiquem, que combatam preconceitos, que permitam a pluralidade de enfoques, que abram espaço à complexidade do mundo e que respeitem as pessoas. Todas as pessoas, bem entendido. Se não for assim, rádios e TVs serão apenas instrumentos da “banalidade do mal”.

 

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Os procedimentos policiais junto com a mídia em tempo real precisariam ser reavaliados, especialmente com os diálogos chulos que aparecem nas reportagens. Nos EUA, as reportagens com ações policiais são apresentados para mostrar a eficiência da polícia evitando ridicularizar, conceber preconceitos, enaltecer estereótipo ou entrar em detalhes pessoais em relação aos presos. Ficam restritos às ilicitudes cometidas, à ficha criminal, ao modus-operandi e às dificuldades da polícia no combate ao crime. No Brasil, é preciso mudar a conduta da mídia, passando a priorizar o esforço policial, os riscos que envolvem, os resultados e as dificuldades que ocorrem na apresentação e na falta de continuidade na justiça. Ainda assim, os veículos de comunicação têm contribuido para apontar ilicitudes, identificar descaso do Estado e desalienar o povo brasileiro e mostrar uma realidade que envolve retrabalho, risco de morte e inúmeras difuculdades dos policiais no combate ao crime.Quanto às fichas-corridas dos policiais apontadas pela promotora, é uma surpresa, pois o MP é o órgão externo controlador das polícias que deve denunciar e impedir que fichas-sujas estejam trabalhando a serviço da sociedade. E outra, a banalidade do mal não está só com a polícia, mas espalhada por todos os Poderes sem qualquer noção de quando deixará de ficar impune. 


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