ZERO HORA 09 de agosto de 2013 | N° 17517
JOSÉ LUÍS COSTA
Colaborou Letícia Costa
REPÓRTER NA SEGURANÇA
Análises de provas técnicas represadas por carência de pessoal ampliam a sensação de impunidade
Há mais de três meses, um aposentado de 63 anos observa sua caminhonete Hilux na garagem de casa no centro de Porto Alegre, sem poder andar com o veículo. O carro foi roubado por bandidos na Capital e depois apreendido pela polícia em Santa Catarina. Após muita reclamação, o veículo foi devolvido a ele. Mas em caráter provisório, sem placas e com proibição de uso. Isso porque falta um laudo do Instituto-geral de Perícias (IGP), comprovando que a caminhonete, de fato, é do aposentado.
– Tenho parentes no Interior, perguntam quando vou visitá-los, e só respondo que não posso, estou sem carro. Por aqui, quando preciso sair, pego ônibus ou lotação – lamenta a vítima, que pediu para ter o nome preservado.
O caso expõe a dificuldade do Departamento de Criminalística (DC) em realizar perícias em veículos clonados, com adulterações de chassi em Porto Alegre, onde o roubo e o furto de veículos cresceram 16,6% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior. A Capital conta com apenas cinco peritos especialistas em engenharia habilitados para o exame pericial, mas deveria ter o dobro, segundo estimativas do sindicato da categoria.
O drama do aposentado começou em fevereiro, no bairro Rio Branco, quando dois bandidos armados o renderam na frente de um prédio e levaram a Hilux, ano 2000. Os ladrões faziam parte da quadrilha do assaltante Luciano da Silveira, o Puro Osso, 35 anos, considerado um dos líderes do bando que aterrorizou a serra gaúcha ao atacar uma fábrica de joias em Cotiporã, no final do ano passado. Puro Osso conseguiu escapar de um tiroteio com a polícia – que deixou três bandidos mortos– e fugiu para um balneário de Araranguá, no sul de Santa Catarina. Com placas frias e chassi adulterado, usava a Hilux para andar pela cidade até ser preso por agentes da Delegacia de Repressão a Roubos de Veículos (DRV), vinculada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em 30 de março.
Trabalho de perito é essencial quando testemunhas se calam
Entre armas, munições e explosivos, a Hilux foi apreendida e recolhida para o pátio do Deic, na Capital. A vítima reconheceu a sua caminhonete por imagens de TV e foi ao departamento para reaver o veículo. Começou a segunda parte do martírio do aposentado.
Embora convencidos de que a caminhonete pertence à vítima, agentes da Roubos não podiam entregar o veículo ao dono antes de ser periciado.
Dezenove dias depois, foi realizado o exame na Hilux. Informalmente, o perito informou que carro é do aposentado, mas não emitiu o laudo de imediato. Em uma tentativa de amenizar a situação, o delegado Juliano Ferreira, titular da DRV, decidiu devolver a Hilux ao aposentado, com a condição de que levasse o carro para casa e aguardasse com ele na garagem a liberação pericial para poder rodar.
– A vítima liga para nós todos os dias. Telefonou para cá ainda hoje (ontem). Nós cobramos da perícia, mas a explicação é sempre a mesma: falta gente, vai demorar – afirma o delegado Juliano Ferreira.
As deficiências periciais não se resumem a exames veiculares. Há queixa, também, de morosidade em perícias em armas usadas em assassinatos, atrasando a punição de culpados e fomentando a sensação de impunidade. Em média, promotores e delegados estimam que laudos periciais levam entre dois e três meses para ficarem prontos. Há casos de homicídios em que testemunhas se negam a depor, e o trabalho dos peritos, muitas vezes, se constitui na única opção para apontar os criminosos envolvidos na ação.
– É muito importante investir na prova técnica, porque as pessoas têm medo de falar, em especial, quando o crime envolve tráfico de drogas – comenta a promotora Lúcia Helena Callegari, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre.
Na 3ª Delegacia de Homicídios, um laudo de necropsia é aguardado desde abril. O delegado adjunto João Paulo de Abreu está na fase final do inquérito, mas como o suposto autor do crime contesta a arma utilizada, o resultado poderá mudar o indiciamento, incluindo outra pessoa na participação do homicídio.
– O que precisa existir é uma maior interlocução entre IGP e Polícia Civil. Hoje, os laudos de necropsia e de local de crime ainda são por meio físico, e não pelo sistema digital.
Em uma série de reportagens, Zero Hora revela a situação da segurança pública no Rio Grande do Sul. Temas como policiamento, falta de viaturas, estrutura física e de pessoal são abordados. Hoje, o trabalho de peritos em investigações criminais entra em debate.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - No Brasil Surreal, governantes dos Estados se submetem aos interesses corporativistas e politicamente separam a perícia do corpo policial, propiciando sucateamento desta área, análises isoladas, inexistência do feedback entre peritos e investigadores, divergências, demora na intervenção, morosidade nos resultados e descaso para com as vítimas que têm bens apreendidos. Esta forma assistemática de investigação criminal promove uma fluxo pericial direto e sem interação com a investigação. Não é a toa que a Polícia Federal não aceitou a retirada da perícia do seu corpo organizacional.
REPÓRTER NA SEGURANÇA
Análises de provas técnicas represadas por carência de pessoal ampliam a sensação de impunidade
Há mais de três meses, um aposentado de 63 anos observa sua caminhonete Hilux na garagem de casa no centro de Porto Alegre, sem poder andar com o veículo. O carro foi roubado por bandidos na Capital e depois apreendido pela polícia em Santa Catarina. Após muita reclamação, o veículo foi devolvido a ele. Mas em caráter provisório, sem placas e com proibição de uso. Isso porque falta um laudo do Instituto-geral de Perícias (IGP), comprovando que a caminhonete, de fato, é do aposentado.
– Tenho parentes no Interior, perguntam quando vou visitá-los, e só respondo que não posso, estou sem carro. Por aqui, quando preciso sair, pego ônibus ou lotação – lamenta a vítima, que pediu para ter o nome preservado.
O caso expõe a dificuldade do Departamento de Criminalística (DC) em realizar perícias em veículos clonados, com adulterações de chassi em Porto Alegre, onde o roubo e o furto de veículos cresceram 16,6% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano anterior. A Capital conta com apenas cinco peritos especialistas em engenharia habilitados para o exame pericial, mas deveria ter o dobro, segundo estimativas do sindicato da categoria.
O drama do aposentado começou em fevereiro, no bairro Rio Branco, quando dois bandidos armados o renderam na frente de um prédio e levaram a Hilux, ano 2000. Os ladrões faziam parte da quadrilha do assaltante Luciano da Silveira, o Puro Osso, 35 anos, considerado um dos líderes do bando que aterrorizou a serra gaúcha ao atacar uma fábrica de joias em Cotiporã, no final do ano passado. Puro Osso conseguiu escapar de um tiroteio com a polícia – que deixou três bandidos mortos– e fugiu para um balneário de Araranguá, no sul de Santa Catarina. Com placas frias e chassi adulterado, usava a Hilux para andar pela cidade até ser preso por agentes da Delegacia de Repressão a Roubos de Veículos (DRV), vinculada ao Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em 30 de março.
Trabalho de perito é essencial quando testemunhas se calam
Entre armas, munições e explosivos, a Hilux foi apreendida e recolhida para o pátio do Deic, na Capital. A vítima reconheceu a sua caminhonete por imagens de TV e foi ao departamento para reaver o veículo. Começou a segunda parte do martírio do aposentado.
Embora convencidos de que a caminhonete pertence à vítima, agentes da Roubos não podiam entregar o veículo ao dono antes de ser periciado.
Dezenove dias depois, foi realizado o exame na Hilux. Informalmente, o perito informou que carro é do aposentado, mas não emitiu o laudo de imediato. Em uma tentativa de amenizar a situação, o delegado Juliano Ferreira, titular da DRV, decidiu devolver a Hilux ao aposentado, com a condição de que levasse o carro para casa e aguardasse com ele na garagem a liberação pericial para poder rodar.
– A vítima liga para nós todos os dias. Telefonou para cá ainda hoje (ontem). Nós cobramos da perícia, mas a explicação é sempre a mesma: falta gente, vai demorar – afirma o delegado Juliano Ferreira.
As deficiências periciais não se resumem a exames veiculares. Há queixa, também, de morosidade em perícias em armas usadas em assassinatos, atrasando a punição de culpados e fomentando a sensação de impunidade. Em média, promotores e delegados estimam que laudos periciais levam entre dois e três meses para ficarem prontos. Há casos de homicídios em que testemunhas se negam a depor, e o trabalho dos peritos, muitas vezes, se constitui na única opção para apontar os criminosos envolvidos na ação.
– É muito importante investir na prova técnica, porque as pessoas têm medo de falar, em especial, quando o crime envolve tráfico de drogas – comenta a promotora Lúcia Helena Callegari, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre.
Na 3ª Delegacia de Homicídios, um laudo de necropsia é aguardado desde abril. O delegado adjunto João Paulo de Abreu está na fase final do inquérito, mas como o suposto autor do crime contesta a arma utilizada, o resultado poderá mudar o indiciamento, incluindo outra pessoa na participação do homicídio.
– O que precisa existir é uma maior interlocução entre IGP e Polícia Civil. Hoje, os laudos de necropsia e de local de crime ainda são por meio físico, e não pelo sistema digital.
Em uma série de reportagens, Zero Hora revela a situação da segurança pública no Rio Grande do Sul. Temas como policiamento, falta de viaturas, estrutura física e de pessoal são abordados. Hoje, o trabalho de peritos em investigações criminais entra em debate.
COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - No Brasil Surreal, governantes dos Estados se submetem aos interesses corporativistas e politicamente separam a perícia do corpo policial, propiciando sucateamento desta área, análises isoladas, inexistência do feedback entre peritos e investigadores, divergências, demora na intervenção, morosidade nos resultados e descaso para com as vítimas que têm bens apreendidos. Esta forma assistemática de investigação criminal promove uma fluxo pericial direto e sem interação com a investigação. Não é a toa que a Polícia Federal não aceitou a retirada da perícia do seu corpo organizacional.
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