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sexta-feira, 14 de março de 2014

UPPS: A PAZ PARA INGLÊS VER

JORNAL DO BRASIL 13/03 às 19h20

Especialistas comentam a ocupação da Vila Kennedy e analisam UPPs das duas maiores favelas do Rio
Louise Rodrigues


Bandeiras hasteadas e discursos otimistas marcaram o final da ocupação da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio, nesta terça-feira. O ritual se repete pela 38ª vez, mas não parece surtir efeito. A realidade das UPPs dentro das favelas é bastante diferente. Morte de policiais e civis, tiroteios, violência e medo continuam fazendo parte da vida dos moradores das comunidades ditas pacificadas. A relação entre os moradores e a polícia se torna cada vez mais complicada à medida que a impunidade e a corrupção colocam fim à vida de outros “Amarildos” e a violência mata outras “Gleices”.

Bandeiras hasteadas no local onde ficará a sede da UPP da Vila Kennedy, no Largo do Leão

Para Ignácio Cano, especialista em segurança pública do Laboratório da Uerj de Análise da Violência, “a UPP representa a transformação da segurança pública e a saída da criminalidade das favelas, mas ainda tem muita coisa pela frente”. Ele acredita que casos de grande repercussão, como o desaparecimento do pedreiro Amarildo, demonstram as fraquezas no esquema de instalação das Unidades.

Ainda segundo Ignácio, para o sucesso do projeto é preciso avaliá-lo de forma sistemática, o que ainda não acontece. “Em primeiro lugar as UPPs devem ser dirigidas para as áreas mais violentas, com maior índice de criminalidade. Outro ponto é melhorar a relação entre policiais e moradores das comunidades. E, em terceiro lugar, legitimar o trabalho nas UPPs dentro da própria polícia. A maioria dos policiais não quer trabalhar nas Unidades. Entre os fatores está a crença de que se trata de um policiamento de segunda divisão porque ainda existe a crença de que ser policial é trocar tiro com bandido”, resume o especialista.

Sobre o anúncio da inauguração de novas UPPs na Baixada, Niterói e São Gonçalo, Cano define como “um esquema de eleição que chegou tarde”. A mesma opinião é compartilhada pelo cientista social e professor da UFF, Elionaldo Fernandes Julião. “Estamos em um período de organização eleitoral. O que as pessoas pensam sobre a UPP é uma moeda importante na política. Por isso, quanto mais UPPs melhor para mostrar que o Rio está pacificado. Contudo, a questão deve ser: se não conseguimos resolver os problemas iniciais, para que inaugurar mais UPPs?”, questiona Elionaldo.

Os “problemas iniciais” citados pelo sociólogo estão, principalmente, relacionados à infraestrutura, capacitação dos policiais e aos recursos humanos. “O policial não pode mais ter aquela formação da ‘violência pela violência’. Ele precisa ter uma visão social, tem que saber lidar com a mediação de conflitos”, explica o professor.

Sobre a estruturação da projeto das UPPs, Elionaldo disse concordar com a proposta e com a ideia, mas, por outro lado, enxerga sua fragilidade “à medida que cede a interesses político-partidários e aceita atropelamentos”. O cientista político acredita que a política da UPP é paliativa. “Apesar de desenvolver uma lógica de segurança aliada a projetos sociais, é preciso um planejamento de médio e longo prazos. Os problemas vêm ressurgindo e mostrando que não foram resolvidos, foram apenas varridos para debaixo do pano e, com isso, criou-se uma falsa imagem positiva nacional e internacionalmente”, analisa.

A ocupação

A ocupação começou do dia 7 de março e terminou com seis mortos e cinco feridos. Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, um dos mortos era menor e todos eram criminosos. Foram apreendidas armas, granadas, munições, drogas e material de endolação, 180 reais em espécie, além de radiotransmissores, artigos roubados, eletrônicos e balanças de precisão. Ainda segundo a Secretaria, foram presas 80 pessoas. Hoje, mais nove prisões foram efetuadas, seis delas em flagrante e outras três em cumprimento de mandato de prisão - sendo uma mulher por tráfico, um homem por receptação e outro por ameaça e injúria -. Além disso, duas motos e dois carros roubados foram recuperados; armas e drogas também foram apreendidas.

A UPP da Vila Kennedy foi ocupada em 20 minutos, por 300 homens. Há mais de dois anos, a população, que sofria com a guerra entre duas facções, cobrava uma medida do estado. Hoje, os comboios começaram a chegar às 5h. As aulas foram suspensas e cerca de 700 estudantes ficaram em casa. Não houve tiros ou resistência durante a operação. Após a finalização do processo, 250 policiais ficarão lotados na Unidade, no Largo do Leão. Paralelamente à ocupação, foram realizadas operações satélite nas favelas Nova Holanda, Rola, Antares, Morro Azul e Cidade Alta.

Segundo o chefe de Estado Maior Operacional da Polícia Militar do Rio, Paulo Henrique Moares, 22 mil pessoas moram na Vila Kennedy. Para Ignácio Cano, a proporção de cerca de 11 policiais para mil pessoas pode ser definida como “razoável”. Hoje, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame declarou que a expectativa é que mais de 33 mil pessoas sejam beneficiadas com a UPP, considerando a população da Favela da Metral, vizinha à Villa Kennedy.

A realidade das comunidades pacificadas

A UPP da Rocinha foi inaugurada em 2012, sob comando do Major Edson Santos

Segundo José Mariano Beltrame, das 38 UPPs, apenas duas apresentam problemas. O secretário fechou os olhos para a violência que continua atingindo as comunidades pacificadas, como o tiro que matou José Joaquim de Santana, de 81 anos, na comunidade Mandela, em Manguinhos; a morte da PM Alda Castilho, na Vila Cruzeiro; ou os tiroteios que assustam moradores e fecham comércios, escolas e as portas das casas. “Estamos com alguns problemas em duas áreas, que são as mais populosas [Rocinha e Alemão]. Não temos problemas em 38 UPPs, mas em duas que ultrapassam 100 mil habitantes. São problemas difíceis de resolver por causa da topografia e por causa da tirania do tráfico, que age com terror à medida que se vê ameaçado. Nosso programa é ousado, entramos em verdadeiras megalópoles do crime", declarou o secretário.

Considerando a afirmação do secretário, vale lembrar o discurso do governador Sérgio Cabral durante a pacificação da Rocinha: “Que as futuras gerações convivam harmoniosamente com a polícia nas comunidades. A luta pela paz é um processo e precisa de disciplina, luta e determinação", observou o governador. Na mesma favela, 25 PMs foram acusados de envolvimento na tortura e morte presumida do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, em julho do ano passado. Na época da inauguração da Unidade, o comandante Major Edson Santos, que liderou o grupo acusado de torturar Amarildo e outros 30 moradores da Rocinha, declarou: "Nosso principal objetivo é permitir que o morador da Rocinha tenha a certeza que ele agora é o dono da comunidade. A população nos apoia. A prova disso é que foi através da colaboração deles que chegamos à autoria de crimes ocorridos aqui nesse período".

Ocupação da UPP do Complexo do Alemão, em 2012

O Complexo do Alemão se tornou cenário de novela em 2012 e 2013. Durante a pacificação, Cabral declarou: "Minhas expectativas são as melhores possíveis, atuando com uma política de segurança integrada e participava com a comunidade. Estou muito feliz de poder fazer minha parte neste momento histórico que a cidade está vivenciando". Falando assim, nem parece ser a mesma favela que o Rio conhece. Policiais mortos pelo tráfico, como o Soldado Rodrigo de Souza Paes Leme, carros queimados, barricadas montadas por bandidos e bases da Unidade atacadas a tiros de armas de exército, mas que fazem parte do arsenal do tráfico.

Hoje, no Centro de Comando do Governo do Estado, Cabral discursou, dizendo: "Invertemos a lógica do crime, que tenta encontrar espaço nas comunidades. Antes, a PM entrava, trocava tiros e saía da comunidade. Hoje, são os bandidos que covardemente tentam atacar a polícia, desestabilizar a população, e depois fogem. Hoje é a polícia que fica lá 24 horas". O discurso ufanista se mantém e, pelo andar do projeto, essa também será a tendência dos problemas.

*Do Projeto de Estágio do Jornal do Brasil

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