Por Livia Scocuglia
A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados elaborou nota técnica com parecer contrário a propostas de emendas constitucionais que tentam instituir o modelo de cargo único na Polícia Federal. Atualmente, a carreira conta com cinco carreiras: delegados, peritos, agentes, escrivães e papiloscopistas.
De acordo com o documento, “a simples promoção para outro cargo, mesmo se criado a partir de outros cargos extintos, esbarra em vedação constitucional expressa, que não pode ser olvidada, a menos que a regra constitucional também fosse alterada”.
Ou seja, para mudar de carreira sem prestar concurso é necessário alterar o próprio artigo 37 da Constituição Federal de 1988. O dispositivo veda a transposição de cargos, a ascensão funcional e qualquer outra forma de investidura que não seja por meio de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego público.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Marcos Leôncio Ribeiro, não há justificativa no interesse público para o concurso interno, já que ele fere o princípio da impessoalidade e isonomia.
Segundo Ribeiro, o concurso público externo é a forma mais democrática para selecionar as pessoas que queiram entrar no serviço público. Além disso, a transferência de servidores para outros cargos oupara outras categorias, sem concurso público é inconstitucional, pois implicam o ingresso do servidor em cargos diversos daqueles nos quais foi ele legitimamente adminitido.
De acordo com a nota, a carreira já é única. Os cargos é que não são. "Entretanto, os cargos possuem atribuições distintas, não obstante se exigir o mesmo nível de escolaridade. Não é possível, portanto, a existência de um cargo único, conforme mencionado anteriormente, visto que as atribuições do cargo de perito, por exemplo, não poderiam ser desempenhadas por delegado de polícia ou agente de polícia."
A Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados afirmou que “não seria prudente inovação constitucional tendente a alterar o regime de promoções de determinada categoria isoladamente, em detrimento de todas as outras”. A consequência imediata da existência de apenas um cargo na Polícia Federal seria o fim da hierarquia remuneratória. “Essa circunstância provocaria grande impacto na verba orçamentária destinada ao pagamento de pessoal, com repercussões em relação aos inativos e pensionistas”, esclarece o documento.
Esse tipo de tentativa de burlar as normas constitucionais já é conhecido e rechaçado pela jurisprudência. Para os doutrinadores, se a transformação implicar em alteração da remuneração e das atribuições do cargo, configura novo provimento, violando o instituto do concurso público. Dessa forma, segundo a assessoria de imprensa da ADPF, a transformação dos cargos somente é constitucional quando os postos antigos e os novos possuem idêntico nível de escolaridade, de atribuições e de remuneração. O Supremo Tribunal Federal também tem pacificado que a transformação de cargos públicos não pode gerar aumento de remuneração e pressupõe a identidade legal de atribuições funcionais entre os componentes da carreira originária a ser transformada (ADI 3.930/RO e ADI 2.867/ES).
Além de tentar burlar a regra constitucional de ingresso por meio de concurso público, para a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, fica evidente a tentativa de mesclar interesses diversos, colocando num mesmo pacote o debate da carreira única, a desmilitarização, o plano de cargos e salários e a progressão vertical e horizontal. “Ora, desmilitarização só se aplica às carreiras militares, plano de cargos e salários pressupõe mais de um cargo, além da hierarquia de cargos, assim como o próprio instituto da progressão”, rechaça o documento.
Livia Scocuglia é repórter da revista Consultor Jurídico.
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