OPINIÃO
O sucesso da tática utilizada pela Polícia Militar (PM) de São Paulo para coibir a violência nas manifestações de protesto do último fim de semana, na capital, isolando os manifestantes mais violentos e detendo cerca de 260 pessoas, levou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a propor que os governos estaduais avaliem a possibilidade de adotá-la. A ideia é discutir essa tática já na próxima reunião do Colégio Nacional de Secretários de Segurança Pública, que vem estudando medidas preventivas contra arruaças, depredações e atos de vandalismo durante a Copa do Mundo.
Surpreendidos com os cordões de isolamento formados por policiais militares portando algemas e cassetetes e treinados em artes marciais, porta-vozes de coletivos e de movimentos sociais acusaram a PM de impedir os direitos de reunião e de livre manifestação de pensamento assegurados pela Constituição. Membros do grupo Advogados Ativistas, que assessoram os manifestantes, acusaram a PM de ter exorbitado de suas prerrogativas, cometendo "abuso de autoridade". Esses advogados também disseram que a formação dos cordões de isolamento seria ilegal, pois impede os manifestantes de atender às necessidades fisiológicas básicas, de sair do local e de se comunicar com os articuladores dos protestos, o que configuraria privação de liberdade.
Essas críticas não são novas. Desde que a tática do isolamento de manifestantes violentos - conhecida como kettling, containment ou corraling - foi adotada pela primeira vez, em 1986, na cidade alemã de Hamburgo, durante uma manifestação contra o uso de energia nuclear, grupos de protesto e movimentos sociais questionam sua legalidade.
Na ocasião, cerca de 800 manifestantes violentos ficaram sob tutela, contidos por um cordão de isolamento durante 13 horas, sem poder comer e ir ao banheiro. A corte administrativa hamburguesa acolheu os recursos impetrados por ONGs e movimentos sociais e o Tribunal de Justiça regional obrigou o poder público a pagar uma indenização por dano moral a cada manifestante que foi isolado pela polícia.
A discussão jurídica continuou nos anos seguintes, até que, em 2012, a Corte Europeia de Direitos Humanos, julgando um caso ocorrido na Inglaterra, considerou legal a contenção de manifestantes violentos por cordões de isolamento. A Corte entendeu que a tática de isolamento não configura privação de liberdade nem constitui uma violação da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Também afirmou que, quando cerca de 1.500 manifestantes ficaram isolados por mais de cinco horas, essa tática foi a única saída viável encontrada pela polícia londrina para garantir a segurança pública e impedir que as autoridades perdessem o controle da situação. Alegou ainda que essa tática garantiu a integridade física de manifestantes pacíficos. Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos argumentou que, entre preservar o interesse público e privar desordeiros, arruaceiros e manifestantes violentos de suas necessidades básicas, deve prevalecer o interesse da maioria.
Na última década, a tática do kettling já foi adotada pelas polícias de países com regime democrático consolidado, como Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Na maioria das vezes, essa tática foi utilizada para impedir que protestos liderados por grupos violentos impedissem a realização de reuniões de organismos multilaterais, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Além de garantir a incolumidade física e patrimonial das pessoas, os cordões de isolamento da polícia ajudaram a desarticular a organização dos movimentos de protesto.
Evidentemente, a tática do kettling, containment ou corraling pode resultar em abuso de poder. Mas, posta em prática sem excessos e com regras claras, ela pode ser decisiva para evitar que movimentos legítimos de protesto se convertam em vandalismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário