ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

CRACOLÂNDIA - DESGASTE FAZ POLÍCIA LIBERAR VOLTA


Desgaste faz polícia liberar volta da cracolândia a 50 metros da original. Segundo comandante-geral da PM, ordem é não dispersar mais aglomerados de viciados, mesmo quando estiverem bloqueando ruas - 13 de janeiro de 2012 | 3h 02 - BRUNO PAES MANSO, WILLIAM CARDOSO - O Estado de S.Paulo

O desgaste da Polícia Militar nos dez primeiros dias de operação na cracolândia levou o comando da corporação a mudar a estratégia de ação na região. Como resultado, mais de 200 consumidores voltaram no fim da tarde de ontem a se aglomerar na Rua Helvétia, a 50 metros do local que concentrava usuários antes do começo da operação. Dezenas fumavam crack ao ar livre.

Multidão de viciados em crack tomam novamente a Rua Helvétia, no centro de São Paulo
O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Batista Camilo, disse que, ao contrário do que vinha ocorrendo nos primeiros dias de operação, ontem a ordem era não intervir nos aglomerados, mesmo quando estivessem bloqueando a rua.

Segundo ele, como as ruas da cracolândia são estreitas e de pouco movimento, não há necessidade de intervenção urgente. "Ali é diferente das Marginais, por exemplo, onde a polícia não pode deixar de atuar se fecharem o trânsito."

Camilo disse que o plano a partir de agora é conversar e explicar aos usuários que eles não devem impedir o trânsito. Policiais foram orientados a só agir para impedir a ação daqueles que estiverem consumindo drogas em público e prender quem estiver traficando. "São pessoas que estão fragilizadas, que têm o direito de permanecer na rua se não estiverem cometendo nenhum tipo de crime", disse o comandante-geral.

A tolerância da PM com os aglomerados acabou desinibindo o consumo. Com dezenas de pessoas consumindo crack, sem o apoio do Policiamento de Choque e sem autorização para dar tiros borracha e usar bombas de efeito moral, não havia policial que se arriscasse a entrar no meio dos dependentes à noite para fazer cessar o consumo. "Sabe como eu me senti quando vim trabalhar? Algemada", afirmou uma policial ao Estado, reclamando dos limites impostos pelo comando.

O agrupamento começou a crescer já por volta das 17 horas. E, pelo menos até a meia-noite, os viciados ainda não haviam sido incomodados pelos policiais. Nesse horário, era possível ver dezenas de brasas de cachimbo queimando em plena rua. E até o chamado "samba da pedra" - roda de pagode de usuários do local - já havia voltado às Ruas Dino Bueno e Barão de Piracicaba. Ao passar pelo local, um morador do bairro comentou em voz alta: "É a vitória dos noias". Policiais assistiam a tudo de braços cruzados.

O Estado acompanhou a reclamação feita por um motorista de táxi aos policiais de uma viatura estacionada na Rua Dino Bueno. Ele avisava que às 20 horas os consumidores de crack já haviam bloqueado a Rua Helvétia. Duas mulheres e um homem da PM ouviram a reclamação e nada fizeram.
Nas grades da antiga rodoviária, barraquinhas de lona voltaram a ser formadas para abrigar os dependentes de drogas da fina garoa que caía na noite de ontem. O clima era de festa e alguns "noias" passavam gritando, como se celebrassem o retorno ao local.

Segundo os PMs que estavam na região, era importante evitar que os dependentes voltassem aos antigos esconderijos na Dino Bueno. Já na Barão de Piracicaba, 50 metros adiante, a ordem era não intervir. "Se você me disser que há alguém fumando e fizer essa denúncia, eu vou lá e prendo", disse um sargento da PM quando a reportagem perguntou porque eles não estavam abordando os usuários.

Motivos. Autoridades culpavam principalmente os defensores públicos pela dificuldade de atuar na cracolândia. O secretário de Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, por exemplo, reclamou que grupos de defensores públicos passaram o dia incentivando consumidores de crack a permanecer no local. "Alguns são meus amigos, mas eles estão exagerando e dificultando o trabalho da PM", criticou.

Já Camilo afirmou que no começo da tarde foi informado por policiais de que um grupo de quatro a cinco defensores havia se reunido na Helvétia para conversar com usuários de drogas. E até uma barraquinha teria sido montada para atendê-los, o que a Defensoria nega. Essa conversa com os defensores, segundo o comandante-geral da PM, pode ter sido o motivo do grande reagrupamento de viciados na rua.

A defensora pública Daniela Skromov, do Núcleo de Direitos Humanos da entidade, afirmou que defensores realmente "dialogaram" com usuários de droga. E explicaram a eles sobre direitos, incluindo o de ir e vir. Policiais também foram procurados para ouvir as mesmas explicações. "Conversamos sobre direitos. Não estamos estimulando ninguém a ficar lá", disse ela.

Hoje, a pressão sobre a atuação da PM na cracolândia deve continuar. Camilo vai ao Ministério Público conversar com os promotores que na terça-feira abriram inquérito para justamente investigar a operação policial na região.

Dez dias de conflito na cracolândia: o que dizem os especialistas?. Para debater a operação, apontar erros e mostrar acertos, o 'Estado' entrevistou dez personalidades - 13 de janeiro de 2012 | 0h 01. Adriana Ferraz, Bruno Paes Manso e Guilherme Russo - O Estado de S.Paulo

SÃO PAULO - Nesta sexta faz dez dias que a Polícia Militar cercou a região da cracolândia. Do dia 3 até as 17h de quinta, 69 pessoas foram presas - a maioria microtraficantes -, 152 usuários de drogas foram encaminhados a tratamento e 3.607 passaram por revistas. No total, policiais apreenderam 0,63 kg de crack e funcionários da Prefeitura retiraram 78 toneladas de lixo. Do ponto de vista operacional, esse é o resumo da ação.

Mas, mais do que colecionar números, a operação fez São Paulo voltar a discutir um território degradado e até então quase autônomo bem no coração da metrópole. Opiniões favoráveis e contrárias se amontoaram no período, principalmente quando os viciados começaram a vagar por ruas do centro para fugir da polícia.

A estratégia da operação - de dificultar o acesso dos usuários ao crack e, por meio de "dor e sofrimento", forçar que procurem tratamento - também virou motivo de debate, assim como a revelação feita pelo Estado no sábado de que o início da operação foi precipitado por uma decisão de segundo escalão do governo e da PM - o cerco foi deflagrado sem nem mesmo o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Gilberto Kassab (PSD) saberem. Já durante a semana, o Ministério Público e a Secretaria de Segurança Pública trocaram farpas publicamente.

Para fazer um balanço desses primeiros dez dias, o Estado entrevistou advogados, urbanistas, sociólogos, políticos e integrantes de entidades paulistanas. Suas opiniões formam uma espécie de panorama de acertos e erros até aqui e indicam caminhos a seguir.


GILBERTO KASSAB (PSD), PREFEITO DE SÃO PAULO - Esse problema não se resolve em curto prazo. O crack é um problema que não dá para ter solução neste ano, não é de curto prazo. Senão, todas as outras cidades já teriam resolvido. Mas é um problema que está no mundo inteiro. Existe uma grande expectativa de melhoria, com o Estado mais presente. Na medida que o trabalho se intensifica, os resultados em número de tratamentos melhoram. Estamos nos esforçando muito e vamos criar mais leitos quanto forem necessários. Constatamos o quanto as ações têm que ser integradas com polícia, saúde e assistência social, por sua magnitude.

GUARACY MINGARDI, DOUTOR EM CIÊNCIAS POLÍTICAS E PESQUISADOR DA FGV - Ação só mudou o endereço dos usuários de crack. Por enquanto, só o endereço dos usuários mudou. Não vejo como essa operação pode ter outro resultado, se ela ocorre de forma totalmente desarticulada. Imagine que nem a Polícia Civil, que tem preparo para realizar o trabalho de inteligência necessário para combater o tráfico, foi chamada para participar da operação. E, pior, a PM está agindo com violência, o que é desnecessário. Até armas que disparam balas de borracha já foram utilizadas. Acho que vamos continuar vendo só repressão policial, que não gera resultado para essa população.

ALBERTO ZACHARIAS TORON, ADVOGADO CRIMINALISTA. Para desarticular o tráfico é preciso inteligência. É um equívoco utilizar a polícia na primeira fase da operação. O Estado Democrático de Direito não pode usar o sofrimento como método de ação nem submeter a população a maus-tratos. O ideal seria primeiro fortalecer a rede de saúde pública, porque esse é fundamentalmente o problema. Para desarticular o tráfico de crack é preciso inteligência e investigação, não policiamento ostensivo. O resultado disso é uma criminalização mal disfarçada dos miseráveis, que acabou servindo apenas para dispersar pessoas da cracolândia. É um paliativo com resultados inócuos.

MARCOS FUCHS, DIRETOR ADJUNTO DA ONG CONECTAS - DIREITOS HUMANOS - O problema deveria ser tratado com mais respeito. A ação é errada. Impedir alguém de permanecer em um lugar afronta o direito básico de ir e vir. A polícia fica fazendo rondas e, quando os usuários estão juntos, são cercados por viaturas. Esse é um problema de saúde pública que deve ser tratado com muito mais carinho, mais respeito. O atrativo empresarial e imobiliário é o que motiva as autoridades a promover esse deslocamento. O Estado tem de tratar dessa questão com menos covardia, não pode atropelar cidadãos com veículos, cassetetes e balas de borracha; nem algemar e levar presas essas pessoas.

JOSÉ VICENTE DA SILVA, CORONEL DA RESERVA DA POLÍCIA MILITAR - Presença policial deve ser permanente na região. Essa operação é mais do que necessária, até tardia. Com a concentração de usuários cada vez maior da região, a PM deve mesmo marcar território por lá. E a ação não deve ter como foco apenas o combate ao tráfico, mas a outros problemas que ocorrem paralelamente, como pequenos furtos e roubos e casos de agressão. Há um grupo extremamente resistente a qualquer tipo de ajuda, mas outro que pode ser sensibilizado pelos agentes sociais e de saúde. Vale a tentativa. Mas, é claro, o resultado depende de um trabalho integrado com a Prefeitura.

DARTIU XAVIER, PSIQUIATRA DA UNIFESP - Operação é só paliativa, não resolve o problema. Pelo o que tenho observado, nada mudou desde o começo da operação policial. Os atores que a promoveram, ou seja, os representantes do poder público, continuam defendendo essa ação como solução para a cracolândia. Mas, na minha opinião, é só uma falácia, só mais uma forma paliativa de tratar a questão. Mesmo que a polícia fique por lá seis meses ou mais, ela só vai conseguir espalhar as pessoas, que, depois, vão voltar para o mesmo lugar. Assim como a internação compulsória, que gera taxas altíssimas de reincidência, a repressão policial não resolve.

PADRE JÚLIO LANCELLOTTI, COORDENADOR DA PASTORAL DO POVO DE RUA - Sumir com os usuários só agrava a situação. O que está acontecendo na cracolândia é tortura. Eu e alguns integrantes da Defensoria Pública estamos lá todos os dias e observamos como está sendo feita a operação. Os policiais estão jogando o carro contras as pessoas, que estão limitadas no seu direito de ir e vir. Tem gente sendo levada para a delegacia só por não ter documento. É um absurdo, é muita truculência. Sumir com os usuários sem oferecer tratamento adequado não vai resolver o problema. Pelo contrário, é um retrocesso e agrava a situação social dessas pessoas.

MARGARETH MATIKO UEMURA, URBANISTA DO INSTITUTO PÓLIS - Problema não é só policial, é também de saúde. A Prefeitura é a principal culpada por essas pessoas estarem nesse local. Desde 2005 (quando a gestão José Serra iniciou as operações na cracolândia), não houve ação efetiva de atendimento a essa população. Com aquela intervenção, a Prefeitura retirou o atendimento social que havia, sem substituí-lo. A intervenção recente é pontual. Tem de haver um atendimento social. A ação da polícia só faz com que elas se espalhem. E depois retornam. O problema não é só policial. Somente essa resposta não vai resolver o problema, que é também de saúde.

ALEXANDRE FERREIRA, DIRETOR DO CENTRO 11 DE AGOSTO, DA FACULDADE DE DIREITO DA USP - Não está claro se São Paulo tem estrutura. O erro ocorre tanto na concepção quanto na aplicação. Seu plano de saúde pública é obscuro. Não está claro se São Paulo tem estrutura e condições para tratar essas pessoas. Colocar o combate ao tráfico de drogas em primeiro plano é um erro. A questão é de saúde pública. É possível conciliar segurança com direitos humanos. Não é uma intervenção policial que vai solucionar esse problema. Os movimentos sociais têm de ser chamados durante a elaboração dessas políticas e não apenas quando elas dão errado.

ANA CECÍLIA MARQUES, PSIQUIATRA DA UNIFESP. PM deve ficar, mas sem atrapalhar os agentes. Ninguém questiona a presença da polícia na cracolândia. Se é um local de tráfico de drogas, a PM deve ficar lá mesmo e para sempre. O que precisamos buscar saber a partir de agora é o destino dos usuários que aceitaram ser tratados para avaliarmos a eficácia dessa ação. Para onde foram? Estão em casas de acolhimento? Continuam internados? A dispersão dessa população pode ajudar a combater o crack, mas também pode atrapalhar a ação dos agentes de saúde, o que é preocupante. E mais um detalhe: policial não deve abordar usuário, para não intensificar a sensação de medo.

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Sun Tzu, já no início do seu livro "A Arte da Guerra", ensinava que se o comandante, chefe ou técnico se deixar comandar pelo interesse político, ele fracassará em todas as suas ações. Foi o que ocorreu neste caso e em outras operações policiais fracassadas no Brasil.

Concordo com a opinião do DARTIU quando afirma que a "operação é só paliativa, não resolve o problema", e que "é só uma falácia, só mais uma forma paliativa de tratar a questão. Mesmo que a polícia fique por lá seis meses ou mais, ela só vai conseguir espalhar as pessoas, que, depois, vão voltar para o mesmo lugar". Concordo com a MARGARETH que o problema não é só policial, é também de saúde. E discordo daqueles que pregam apenas soluções policiais. O caso das drogas é complexo e precisa integrar quatro áreas do serviço público: prevenção, educação, tratamento e repressão. Os órgãos de Estado em todos os níveis federativos responsáveis por estas quatro áreas devem trabalhar de forma simultânea amparado por políticas institucionais com campanhas educativas intensivas e ensino contínua nas escolas e nas famílias, e leis fortes capazes de fortalecer as polícias e os agentes de saúde no tratamento das dependências, na coação aos vapozeiros com trabalhos comunitários e na prisão e penas temidas para os traficantes.

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