Estava almoçando em lugar público, acompanhada de colegas, em fraterna conversa, quando, na mesa ao nosso lado, brindada pela minha capacidade conhecida pelos agentes policiais que trabalham comigo como “ouvido de tuberculoso”, peguei apenas o final do papo que se desenvolvia, no qual uma jovem senhora disse às demais pessoas que a acompanhavam “...e aí me disseram para registrar um boletim de ocorrência numa delegaciazinha qualquer de esquina”.
Como conhecia uma das pessoas que estava na mesa de onde partiu o comentário, me inclinei e disse a ele que estávamos ali, nós seis, e os outros quatro na mesa de trás, à disposição para o que fosse necessário.
Feita a colocação para esse conhecido, um antigo parceiro na lide do combate ao crime, e tendo ele observado para a jovem senhora e aos demais circunstantes de sua mesa de que as pessoas ao lado se tratavam de delegados de Polícia, causando com isso uma onda de sorrisos entre amarelos e laranja, passei a refletir sobre o episódio.
“Delegaciazinha qualquer de esquina” é o meu local de trabalho, o qual prezo muito, buscando, como todos os demais colegas da instituição, exercer todos os dias o “para servir e para proteger” que nos galardeia. Lutei para chegar ali, um concurso longo, talvez o mais longo entre as carreiras jurídicas, e gosto do que faço, e muito.
Imagino que, para quem possui prédios suntuosos, contendo móveis de último tipo e ar condicionado central, seja desonroso imaginar-se trabalhando ou sequer entrando em um lugar onde os móveis não combinam entre si e frequentemente os ventiladores que se usam foram trazidos de casa. Local muitas vezes sujo de barro e com cheiro de “asa”, uma afronta aos olhos e aos narizes mais delicados, onde as pessoas falam errado e usam gírias toscas, ferindo ouvidos e causando espanto, mas sendo essa a forma mais rápida de chegar ao âmago da nossa clientela.
Resta, porém, um orgulho a quem trabalha em uma Delegacia de Polícia, mesmo que o local não seja o mais das vezes um primor de arquitetura e conforto ambiental, o de ser ali o início da persecução penal, onde se vive o combate ao crime como realmente ele é: sujo, real, cruento, repleto de lágrimas e de dor... A investigação, os depoimentos, os mandados de ingresso para apreensão de objetos mal havidos, as representações pelas prisões preventivas e temporárias... Depois disso, o crime se torna cada vez mais asséptico, como as pessoas que consideram nossos locais de trabalho meras “delegaciazinhas”.
Talvez se nossos prédios, os nossos salários e os de nossos agentes fossem tão bonitos e substanciosos quanto os de outras classes que andam no mesmo caminho do combate ao crime, as pessoas respeitassem mais a atividade policial, dando-lhe o devido valor e a devida consideração.
Enquanto isso não acontece, seguimos com garra e fé, no amor à camiseta, e que “sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”.
CLAUDIA CRISTINA SANTOS DA ROCHA CRUSIUS, DELEGADA DE POLÍCIA, TITULAR DA DELEGACIA DA MULHER DE PASSO FUNDO - ZERO HORA 25/03/2011
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.
sexta-feira, 25 de março de 2011
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Caro Coronel, obrigada por me abrigar em seu blog, que eu não conhecia, um abração passofundense !
ResponderExcluirDepois de tudo isso, depois de tudo de sempre...
ResponderExcluirvoltamos as nossas delegaciazinhas e realizamos um grande trabalho.
Abraço,
Sérgio Cisneros