PRISÃO POR ENGANO. O mesmo drama 12 anos depois. Pintor revive pesadelo ao ser detido e descobrir que ainda consta como criminoso no sistema de órgãos de segurança pública - JOSÉ LUÍS COSTA, ZERO HORA, 22 de maio de 2012.
Apesar
de avanços tecnológicos, falhas em bancos de dados de organismos de
segurança pública seguem causando dissabores a vítimas de erros
policiais e judiciais. Doze anos depois de ser preso por engano e até
ganhar o direito a indenização por danos morais, o pintor de automóveis
Argemiro de Campos, 38 anos, ainda consta como criminoso no sistema do
Poder Judiciário e das polícias Civil e Militar. Por conta do registro
indevido, Campos voltou a viver “momentos de bandido”.
Oepisódio aconteceu na semana passada em Porto Alegre. Morador de Sapucaia do Sul, tinha ido ao Centro para comprar seis quilos de tainhas no Mercado Público. Estava na rua, parado, procurando uma loja, quando foi abordado por PMs e levado até o posto do 9º Batalhão de Polícia Militar na Praça XV de Novembro. Pesou contra Campos o fato de ele portar carteira de identidade surrada, emitida havia 20 anos.
O pintor diz ter sido humilhado por policiais (leia relato ao lado), após pesquisa no banco de dados Consultas Integradas, no qual consta informações de que ele é autor de furto em automóveis e condenado à prisão pelo crime. Na verdade, o criminoso era um ex-cunhado – Cláudio Luís da Silva – já falecido, que usou o nome de Campos. Por erros de procedimentos policiais e judiciais, Campos foi condenado e preso no lugar de Silva.
– Achei que no computador iam colocar que sou inocente, que a prisão foi por engano. Imaginei que o Estado fizesse isso – revolta-se Campos.
Como a punição já foi extinta, ele foi liberado pelos PMs. Mas o tempo foi mais do que suficiente para ele reviver um drama iniciado em 13 de março de 2000 e que ainda não acabou.
– Tenho medo de sair à rua, de passar perto de onde acontecer um assalto, de ser algemado e levado para o Presídio Central. Lá passei fome. Não tinha prato, comiam em pote, e eu nem isso tinha. Eram oito dentro de uma cela, dormindo no chão. Ainda tenho pesadelo – relembra o pintor.
A situação foi esclarecida, em parte, após a captura de Silva. Campos, que gastou na época R$ 1,2 mil (equivalente hoje a R$ 3 mil com advogados), ingressou com uma ação judicial contra o Estado, que foi condenado em dezembro de 2010 a pagar R$ 21,8 mil a título de reparação de danos morais ao pintor, confirmada pela 9ª Câmara Cível do TJ (em processo de execução). Apesar disso, a própria Justiça gaúcha o trata como autor de crime, conforme certidão de antecedentes.
E, o mais curioso: dependerá da iniciativa de Campos para ele ter seu nome “limpo” na Polícia Civil e no Judiciário.
Leia a seguir o relato de Argemiro de Campos a ZH sobre a abordagem feita pela BM no Centro:
“Estava indo ao Mercado Público para comprar peixe, uma borracha para tampa da panela de pressão e uma régua escolar para meu filho. Parei em uma esquina para procurar uma loja. A BM fazia operação, e apareceram dois PMs perguntando o que eu fazia ali. Apareceram mais dois policiais, pediram documento, reclamaram que a identidade era velha e perguntaram de onde eu era. Respondi que era de Sapucaia. Mandaram eu ir com eles até o posto da BM. Um me segurou pelo pulso na frente do balcão, e outro consultou meu nome no computador. Aí começou a dizer que eu tinha assalto, receptação de automóvel, furto qualificado, furto de aparelho de CD. Vendo isso, me trataram como bandido. Eu dizia que era inocente. Aí um PM disse: olha para esses soldados aqui, todos são inocentes. Zombaram de mim. Mostrei um documento que fala isso, mas eles disseram que não significava nada.
Depois, me colocaram em uma sala. Outro perguntou se eu gostava de brigadiano. Falei que gostava da companhia (corporação). Mas ele ficou fazendo pressão: ‘Tu gosta ou não de brigadiano? ‘Respondi: ‘gosto’. Aí ele falou: ‘então, tu é veado’. E os demais, com o sorriso estampado no rosto.
Depois de uns 20 minutos, um dos PMs me entregou a identidade e disse: ‘Tu raspa daqui’, como se eu fosse bandido. Não precisava ser daquela maneira. Fizeram muita pressão psicológica. Mas eu não culpo os PMs. Eles lidam com bandidos todos os dias e acharam que eu era bandido também. A culpa é do Estado. Eu achei que no computador iam colocar que sou inocente, que a prisão foi por engano, mas está tudo igual. Sou um cidadão, trabalho honestamente, tenho família. Depois de 12 anos, continua acontecendo isso. Me sinto um prisioneiro na minha própria casa. Me apavoro sempre que vou sair para rua com medo de ser tratado como bandido. Sofri mais uma humilhação. Meu maior medo é ser algemado e levado para o Presídio Central.”
Oepisódio aconteceu na semana passada em Porto Alegre. Morador de Sapucaia do Sul, tinha ido ao Centro para comprar seis quilos de tainhas no Mercado Público. Estava na rua, parado, procurando uma loja, quando foi abordado por PMs e levado até o posto do 9º Batalhão de Polícia Militar na Praça XV de Novembro. Pesou contra Campos o fato de ele portar carteira de identidade surrada, emitida havia 20 anos.
O pintor diz ter sido humilhado por policiais (leia relato ao lado), após pesquisa no banco de dados Consultas Integradas, no qual consta informações de que ele é autor de furto em automóveis e condenado à prisão pelo crime. Na verdade, o criminoso era um ex-cunhado – Cláudio Luís da Silva – já falecido, que usou o nome de Campos. Por erros de procedimentos policiais e judiciais, Campos foi condenado e preso no lugar de Silva.
– Achei que no computador iam colocar que sou inocente, que a prisão foi por engano. Imaginei que o Estado fizesse isso – revolta-se Campos.
Como a punição já foi extinta, ele foi liberado pelos PMs. Mas o tempo foi mais do que suficiente para ele reviver um drama iniciado em 13 de março de 2000 e que ainda não acabou.
– Tenho medo de sair à rua, de passar perto de onde acontecer um assalto, de ser algemado e levado para o Presídio Central. Lá passei fome. Não tinha prato, comiam em pote, e eu nem isso tinha. Eram oito dentro de uma cela, dormindo no chão. Ainda tenho pesadelo – relembra o pintor.
A situação foi esclarecida, em parte, após a captura de Silva. Campos, que gastou na época R$ 1,2 mil (equivalente hoje a R$ 3 mil com advogados), ingressou com uma ação judicial contra o Estado, que foi condenado em dezembro de 2010 a pagar R$ 21,8 mil a título de reparação de danos morais ao pintor, confirmada pela 9ª Câmara Cível do TJ (em processo de execução). Apesar disso, a própria Justiça gaúcha o trata como autor de crime, conforme certidão de antecedentes.
E, o mais curioso: dependerá da iniciativa de Campos para ele ter seu nome “limpo” na Polícia Civil e no Judiciário.
“Me sinto um prisioneiro”
Leia a seguir o relato de Argemiro de Campos a ZH sobre a abordagem feita pela BM no Centro:
“Estava indo ao Mercado Público para comprar peixe, uma borracha para tampa da panela de pressão e uma régua escolar para meu filho. Parei em uma esquina para procurar uma loja. A BM fazia operação, e apareceram dois PMs perguntando o que eu fazia ali. Apareceram mais dois policiais, pediram documento, reclamaram que a identidade era velha e perguntaram de onde eu era. Respondi que era de Sapucaia. Mandaram eu ir com eles até o posto da BM. Um me segurou pelo pulso na frente do balcão, e outro consultou meu nome no computador. Aí começou a dizer que eu tinha assalto, receptação de automóvel, furto qualificado, furto de aparelho de CD. Vendo isso, me trataram como bandido. Eu dizia que era inocente. Aí um PM disse: olha para esses soldados aqui, todos são inocentes. Zombaram de mim. Mostrei um documento que fala isso, mas eles disseram que não significava nada.
Depois, me colocaram em uma sala. Outro perguntou se eu gostava de brigadiano. Falei que gostava da companhia (corporação). Mas ele ficou fazendo pressão: ‘Tu gosta ou não de brigadiano? ‘Respondi: ‘gosto’. Aí ele falou: ‘então, tu é veado’. E os demais, com o sorriso estampado no rosto.
Depois de uns 20 minutos, um dos PMs me entregou a identidade e disse: ‘Tu raspa daqui’, como se eu fosse bandido. Não precisava ser daquela maneira. Fizeram muita pressão psicológica. Mas eu não culpo os PMs. Eles lidam com bandidos todos os dias e acharam que eu era bandido também. A culpa é do Estado. Eu achei que no computador iam colocar que sou inocente, que a prisão foi por engano, mas está tudo igual. Sou um cidadão, trabalho honestamente, tenho família. Depois de 12 anos, continua acontecendo isso. Me sinto um prisioneiro na minha própria casa. Me apavoro sempre que vou sair para rua com medo de ser tratado como bandido. Sofri mais uma humilhação. Meu maior medo é ser algemado e levado para o Presídio Central.”
Contrapontos |
O que diz o Tribunal de Justiça do Estado |
Por meio da assessoria de comunicação, o TJ informou que os dados do processo de condenação de Campos foram corrigidos, assim como o processo de execução da pena. O TJ reconhece existir um erro nos computadores que mantém a informação de que o pintor é autor de crime. A falha pode ter ocorrido na migração de dados por causa de mudanças no sistema de informática do TJ. Como o Judiciário só age quando provocado, Campos deverá comparecer à 10ª Vara Criminal para que a falha seja corrigida. |
O que diz o delegado Pedro Alvares, diretor do Departamento de Informática da Polícia Civil (Dinp) |
“Ele (Argemiro de Campos) deverá trazer até o departamento uma certidão narratória emitida pelo Judiciário, informando o engano até a Divisão de Controle e Processamento de Dados do Dinp. Com esse documento, será dado baixa no sistema da polícia.” |
O que diz o major André Córdova, subcomandante do 9º Batalhão da Polícia Militar (BPM) |
“O relato feito (por Argemiro Costa) referente à abordagem realizada no centro de Porto Alegre não se coaduna com o procedimento técnico vigente da corporação e será apurado com o devido zelo e rigor. Convidamos (Campos) para comparecer ao 9º BPM para que possamos colher o relato dele e realizar as apurações necessárias para trazer luz sobre o ocorrido.” |
Entenda o caso |
O que diz o major André Córdova, subcomandante do 9º Batalhão da Polícia Militar (BPM) |
“O relato feito (por Argemiro Costa) referente à abordagem realizada no centro de Porto Alegre não se coaduna com o procedimento técnico vigente da corporação e será apurado com o devido zelo e rigor. Convidamos (Campos) para comparecer ao 9º BPM para que possamos colher o relato dele e realizar as apurações necessárias para trazer luz sobre o ocorrido.” |
- Em março de 1994, Cláudio Luís da Silva, já falecido, foi preso por furto em veículos no bairro Santa Cecília, em Porto Alegre. Era foragido do semiaberto e, para evitar o retorno ao regime fechado, se identificou com o nome e a data de nascimento de um ex-cunhado, o pintor de automóveis Argemiro de Campos, sem antecedentes criminais. |
- Em 1995, sem saber, Campos foi condenado à revelia pela Justiça a dois anos e seis meses de prisão em regime semiaberto pelo crime. Em fevereiro de 2000, Campos ia de bicicleta a um dentista, quando foi preso em Esteio. A polícia procurava um homem de bicicleta que havia furtado objetos de carros. |
- O nome de Campos constava na lista de foragido da Justiça, e ele foi levado para a cadeia, sendo solto nove dias depois, quando o erro começou a ser esclarecido. Em abril, Silva foi preso e admitiu ter usado o nome de Campos. |
- Em dezembro de 2010, o TJ confirmou sentença de indenização a Campos, mas o nome dele segue como autor do crime de furto nos sistemas do TJ e das polícias Civil e Militar. |
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