Uma bomba e seu rastro de sangue e cegueira. Publicitária perde olho esquerdo após PMs lançarem artefato durante protesto no Centro
PEDRO DORIA
O GLOBO
Publicado:13/07/13 - 20h14
A publicitária Renata da Paz: protesto pacífico no Centro se tornou violento O Globo / Fábio Seixo
O ápice dos protestos de junho ocorreu no dia 20, quando mais de um milhão de pessoas foram às ruas do país. É uma noite da qual a jovem publicitária Renata da Paz Ataíde, de 26 anos, jamais se esquecerá. No Centro do Rio, segundo a PM, formavam um conjunto de 300 mil. Naquele dia, uma manifestação que por mais de duas horas se manteve pacífica repentinamente se descontrolou. Um grupo de vândalos atacou o prédio da prefeitura na Avenida Presidente Vargas e, depois, o da Assembleia Legislativa, na Rua Primeiro de Março. Sinalização de rua, pontos de ônibus e agências bancárias foram depredados. A Tropa de Choque da PM reagiu com balas de borracha, gás de pimenta e bombas de efeito moral. O clima foi tenso, as pessoas não sabiam para onde ir. E ali, perdida entre as ruelas do Centro, Renata perdeu o olho esquerdo após uma explosão.
A noite começara bem.
— Parecia clima de Copa do Mundo — ela lembra. — No metrô havia crianças, bandeiras, gente com a cara pintada.
Roqueira, Renata trazia uma cartolina na qual escreveu em letras grandes “Que país é este?” e, abaixo, “Todos acreditam no futuro da nação”. Ela não foi sozinha. Renata é de Belém, Pará. Mudou-se para o Rio no dia 27 de janeiro. Primeira experiência longe da casa materna. Enquanto faz uma pós-graduação em marketing digital na ESPM, busca emprego. E divide um agradável apartamento na Tijuca com um amigo e uma amiga. O carioca Jorge Pereira, de 27 anos, estudante de Engenharia Mecânica na Uerj, é um deles. Foram juntos, de metrô. Saltaram na Presidente Vargas pela Uruguaiana quando já estava próximo das 19h. Seguiram com o povo para a prefeitura. A multidão cantou o hino.
— Eu estava muito feliz — conta Renata.
O clima ameno não se manteria por muito tempo. Quando já estavam no meio do caminho, começaram a ouvir de longe o barulho das explosões. Aí, o primeiro momento de pânico: pessoas correndo de volta. Ambos decidiram voltar. Foi também quando viram os primeiros vândalos depredando placas publicitárias.
Prótese: mais de R$ 100 mil
Passava das 20h quando, buscando condução para sair, foram parar na Rua Primeiro de Março. Não sabiam que, naquele momento, outro grupo de vândalos se encontrava no Palácio Tiradentes, poucas quadras adiante. E que, com eles, estava o Batalhão de Choque.
Renata e Jorge não lembram em que transversal entraram. Talvez Rua do Rosário, talvez do Ouvidor. À frente, estavam dois soldados do Choque. Atiraram em sua direção uma bomba escura que, ao cair, gerou muito barulho e um clarão. Os dois se desviaram, veio a segunda. Num primeiro momento, Renata achou que o clarão a cegara. Havia sangue em seu rosto. Algum tipo de fragmento, ainda desconhecido, já se instalara em seu globo ocular.
O ex-capitão do Bope e antropólogo Pedro Storani diz que, pela descrição, parece uma granada de luz e som, que serve para atordoar e solta fragmentos.
Foram também policiais militares que encaminharam Renata, em uma viatura, ao Hospital Souza Aguiar, onde ela passou por duas cirurgias. Uma reparadora do rosto, outra no olho. Já visitou cinco médicos, todos pessimistas. Provavelmente precisará de uma prótese do globo ocular. A conta sairá por mais de R$ 100 mil, e ela não tem seguro. A não ser que o Estado a indenize, os pais terão de vender um imóvel. O caso foi registrado na 5ª DP (Gomes Freire).
— No início, estava bem deslumbrada com o Rio — conta. — Mas agora já tenho cotidiano de morador.
Renata frequenta a Lapa, faz entrevistas de emprego. Quando pode, vai à praia:
— Gosto do Rio. Quero continuar vivendo aqui.
Procuradas, a Polícia Militar e a Secretaria municipal de Saúde não deram informações sobre o caso. (Colaborou Fabio Vasconcellos)
Publicado:13/07/13 - 20h14
A publicitária Renata da Paz: protesto pacífico no Centro se tornou violento O Globo / Fábio Seixo
O ápice dos protestos de junho ocorreu no dia 20, quando mais de um milhão de pessoas foram às ruas do país. É uma noite da qual a jovem publicitária Renata da Paz Ataíde, de 26 anos, jamais se esquecerá. No Centro do Rio, segundo a PM, formavam um conjunto de 300 mil. Naquele dia, uma manifestação que por mais de duas horas se manteve pacífica repentinamente se descontrolou. Um grupo de vândalos atacou o prédio da prefeitura na Avenida Presidente Vargas e, depois, o da Assembleia Legislativa, na Rua Primeiro de Março. Sinalização de rua, pontos de ônibus e agências bancárias foram depredados. A Tropa de Choque da PM reagiu com balas de borracha, gás de pimenta e bombas de efeito moral. O clima foi tenso, as pessoas não sabiam para onde ir. E ali, perdida entre as ruelas do Centro, Renata perdeu o olho esquerdo após uma explosão.
A noite começara bem.
— Parecia clima de Copa do Mundo — ela lembra. — No metrô havia crianças, bandeiras, gente com a cara pintada.
Roqueira, Renata trazia uma cartolina na qual escreveu em letras grandes “Que país é este?” e, abaixo, “Todos acreditam no futuro da nação”. Ela não foi sozinha. Renata é de Belém, Pará. Mudou-se para o Rio no dia 27 de janeiro. Primeira experiência longe da casa materna. Enquanto faz uma pós-graduação em marketing digital na ESPM, busca emprego. E divide um agradável apartamento na Tijuca com um amigo e uma amiga. O carioca Jorge Pereira, de 27 anos, estudante de Engenharia Mecânica na Uerj, é um deles. Foram juntos, de metrô. Saltaram na Presidente Vargas pela Uruguaiana quando já estava próximo das 19h. Seguiram com o povo para a prefeitura. A multidão cantou o hino.
— Eu estava muito feliz — conta Renata.
O clima ameno não se manteria por muito tempo. Quando já estavam no meio do caminho, começaram a ouvir de longe o barulho das explosões. Aí, o primeiro momento de pânico: pessoas correndo de volta. Ambos decidiram voltar. Foi também quando viram os primeiros vândalos depredando placas publicitárias.
Prótese: mais de R$ 100 mil
Passava das 20h quando, buscando condução para sair, foram parar na Rua Primeiro de Março. Não sabiam que, naquele momento, outro grupo de vândalos se encontrava no Palácio Tiradentes, poucas quadras adiante. E que, com eles, estava o Batalhão de Choque.
Renata e Jorge não lembram em que transversal entraram. Talvez Rua do Rosário, talvez do Ouvidor. À frente, estavam dois soldados do Choque. Atiraram em sua direção uma bomba escura que, ao cair, gerou muito barulho e um clarão. Os dois se desviaram, veio a segunda. Num primeiro momento, Renata achou que o clarão a cegara. Havia sangue em seu rosto. Algum tipo de fragmento, ainda desconhecido, já se instalara em seu globo ocular.
O ex-capitão do Bope e antropólogo Pedro Storani diz que, pela descrição, parece uma granada de luz e som, que serve para atordoar e solta fragmentos.
Foram também policiais militares que encaminharam Renata, em uma viatura, ao Hospital Souza Aguiar, onde ela passou por duas cirurgias. Uma reparadora do rosto, outra no olho. Já visitou cinco médicos, todos pessimistas. Provavelmente precisará de uma prótese do globo ocular. A conta sairá por mais de R$ 100 mil, e ela não tem seguro. A não ser que o Estado a indenize, os pais terão de vender um imóvel. O caso foi registrado na 5ª DP (Gomes Freire).
— No início, estava bem deslumbrada com o Rio — conta. — Mas agora já tenho cotidiano de morador.
Renata frequenta a Lapa, faz entrevistas de emprego. Quando pode, vai à praia:
— Gosto do Rio. Quero continuar vivendo aqui.
Procuradas, a Polícia Militar e a Secretaria municipal de Saúde não deram informações sobre o caso. (Colaborou Fabio Vasconcellos)
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