ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sábado, 6 de julho de 2013

POLÍCIA E CIDADANIA

O GLOBO, 06/07/2013

Panorama Carioca

Gilberto Scofield Jr 


Esbarrei em dois livros que ajudam a enxergar, em níveis mais profundos, as manifestações no Rio: do protesto dos moradores da Maré à gritaria na porta do governador Sérgio Cabral, no Leblon, passando pela marcha dos moradores de Rocinha e Vidigal pela Niemeyer. Um dos livros é “Cidadania, um projeto em construção”, organizado por André Botelho e Lilia Schwarcz.

Ele reúne ensaios sobre minorias, Justiça e direitos nos centros urbanos brasileiros. O outro é “Até o último homem”, organizado por Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira, com ensaios sobre a administração policial das comunidades cariocas pós-UPP e as ações de segurança anteriores. O primeiro traz o debate sobre direitos humanos e diferenças sociais, raciais, religiosas e de gênero a partir de uma visão sociológica da Academia. O segundo avalia a ação policial no Rio a partir de uma visão de dentro das comunidades.

Curiosamente, cada um com seu viés, os livros convergem para exibir o grau de hipocrisia e má vontade com que todos tratam — os cariocas e seus governos — o que não é status quo. Pobres, negros, mulheres, gays, moradores periféricos e de favelas permanecem no Rio, em pleno século XXI, em constante batalha por inclusão. É óbvio que ninguém precisa ler os livros para perceber o fenômeno, mas a maneira como essa conclusão é construída nos ensaios é especialmente relevante numa cidade em transformação como o Rio. Afinal, é preciso pensar o pós-pacificação. E apesar do trabalho da UPP e da inegável sensação de mais segurança, a ideia de “Cidade Partida” — brilhantemente cunhada pelo querido Zuenir Ventura em 1994 e que vai bem além da questão da violência — continua sendo uma triste realidade.

Em particular, os dois livros trazem boas reflexões sobre a necessidade de mudanças na nossa polícia, um assunto que cresceu em importância depois da onda de protestos. O tema precisa ser mais debatido pelos cariocas, especialmente agora, em meio ao processo de desmantelamento das redes ostensivas do crime organizado — pela mesma polícia. E em meio a bizarras ligações entre as milícias e a política tradicional. Os ensaios também desafiam a lógica da segurança da ocupação policial pura e simples, sem a devida ocupação político-jurídica das áreas de conflito, com oferta de serviços que resgatem a cidadania.

Em “Cidadania”, no ensaio “Violência e crime: sob o domínio do medo na sociedade brasileira”, o sociólogo Sérgio Adorno vai cirurgicamente no ponto: “As agências policiais custam a reconhecer a necessidade de reforma institucional, seja em suas práticas de policiamento repressivo e preventivo, seja nas técnicas de investigação policial, assim como nas suas formas de recrutamento e formação profissional de seus quadros. Muitos policiais persistem acreditando que o problema do controle do crime e da violência é de exclusiva competência das autoridades policiais, daí as demandas em torno de mais armas e reaparelhamento das forças. Ignoram que segurança pública é, cada vez mais, objeto de planos de ação que envolvem não apenas conhecimento especializado, mas também parcerias entre governos e organizações da sociedade civil”.

“Até o último homem” peca por certa ingenuidade esquerdista. Em um trecho, diz que a pacificação é “ditadura das elites”, mas ignora a rotina sob o jugo do tráfico, tolerado com certa complacência. Em outro, equipara polícia a milícia, como se fossem duas cabeças opressoras da mesma hidra. A imagem pode ser boa, mas polícia é instituição de Estado. Admite — e precisa de — controle. Milícia é falta de Estado. É crime puro e simples. Mas o livro acerta mais do que erra ao diagnosticar que as UPPs não acabaram com as violentas incursões do Bope nas comunidades pacificadas (era disso que reclamava a Maré). Ao denunciar a persistência do tráfico e como a corrupção policial ainda é um risco. Ou a explicar como a militarização da ocupação é opressora aos moradores.

Como diz Adorno, a pacificação não é somente policial. E não é só ocupação. É processo.

Sempre fui um fã dos pratos de bacalhau do Bar do Serafim, no Baixo Alice. O boteco ainda serve uma comida portuguesa excelente, mas a coisa desanda quando os garçons desaparecem ou te ignoram e você tem de levantar para pegar o cardápio no balcão. Garçom é para olhar para o cliente, não para a TV.

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