Comandante do Batalhão de Caxias é afastado após prisão de policiais. Militares são acusados de receber propina para não coibir tráfico de drogas; além deles, traficantes foram detidos
ANA CLÁUDIA COSTA
FÁBIO VASCONCELLOS
RENATA LEITE
O GLOBO :4/12/12 - 22h25
Polícia Federal participa de operação contra PMs envolvidos com o tráfico Márcia Foletto / O Globo
RIO — O comando da Polícia Militar anunciou, nesta terça-feira, o afastamento do comandante do 15º BPM (Duque de Caxias), tenente-coronel Claudio de Lucas Lima. Em seu lugar, assume o tenente-coronel Maurício Faria da Silva. A decisão foi tomada após a prisão de 63 policiais militares acusados de envolvimento com o tráfico de drogas, principalmente na Baixada Fluminense. Além dos policiais, 11 traficantes também foram detidos. A força-tarefa envolve agentes da Subsecretaria de Inteligência (Ssinte) da Secretaria de Estado de Segurança, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público estadual, da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Militar e da Polícia Federal, que cumprem 83 mandados de prisão, sendo 65 contra PMs, de nove batalhões, e 18 contra traficantes.
Dos 63 PMs presos, 61 tinham os mandados de prisão. Outros dois militares que não estavam na lista foram presos em flagrante. Um deles estava no pátio do 15º BPM (Duque de Caxias) portando uma pistola com numeração raspada, enquanto outro policial foi preso em casa, onde guardava munição de fuzil. A polícia encontrou o material ao cumprir um mandado de busca e apreensão.
Em entrevista coletiva, o comandante geral da Polícia Militar, coronel Erir Ribeiro Costa Filho, afirmou que a corporação não vai mais tolerar desvios de conduta:
— Nós não vamos mais aceitar policial corrupto na nossa corporação. Todos serão expulsos.
Já o secretário estadual de Segurança, José Mariano Beltrame, ressaltou a parceria entre as polícias e a Justiça na Operação Purificação:
— Nós não temos como resolver o problema da segurança pública sem parceria entre as polícias e a Justiça. A PM participando dessa operação demonstra que não compactua com essas atitudes.
Para a TV Globo, o secretário afirmou que que pretende expulsar os policiais presos:
— Não adianta simplesmente prender as pessoas, temos que expulsá-las. Eu não tenho nenhuma outra expectativa senão colocar essas pessoas na rua — afirmou ao telejornal RJTV.
Acusados de envolvimento com a principal facção criminosa do Rio, os suspeitos foram denunciados pelo MP pelos crimes de formação de quadrilha armada, tráfico de drogas, associação para o tráfico, corrupção ativa, corrupção passiva e extorsão mediante sequestro. Um dos presos nesta terça-feira foi encontrado em um condomínio na Lapa, região central do Rio.
Segundo a polícia, as investigações, que começaram há um ano na Favela Vai Quem Quer, em Duque de Caxias, revelaram que os policiais — na época lotados no 15º BPM (Duque de Caxias) — recebiam propina para não coibir atividades criminosas em 13 favelas do município. Além da Vai Quem Quer, o grupo agia nas comunidades Beira-Mar; Santuário; Santa Clara; Centenário; Parada Angélica; Jardim Gramacho; Jardim Primavera; Corte Oito; Vila Real; Vila Operário; Parque das Missões e Complexo da Mangueirinha. Pela manhã, os agentes estiveram nas favelas Vai Quem Quer e Beira-Mar, também em Duque de Caxias.
Durante as investigações, os agentes descobriram que os PMs, além de cobrar propina, sequestravam bandidos e seus parentes, apreendiam veículos do tráfico exigindo dinheiro para devolução, negociavam armas e realizavam operações oficiais quando o pagamento da propina atrasava. De acordo com o MP, os policiais militares não tinham um comando único e dividiam-se em 11 células autônomas.
Valor da propina varia de acordo com lucro do tráfico
O Ministério Público afirmou que quem dá ordens e define o valor a ser pago ao policiais é um dos chefes da facção criminosa em Caxias. Carlos Braz Vitor da Silva, o Paizão ou Fiote, está preso na Penitenciária Vicente Piragibe, no Complexo de Bangu, mas, mesmo assim, mantém frequentes contatos telefônicos com seus subordinados, recebendo informações detalhadas sobre a rotina do tráfico nas favelas. A denúncia relata ainda que um dos seus homens de confiança é o intermediário entre a quadrilha e os policiais militares da região. Ele realiza o pagamento das propinas e também da negociação do resgate de homens do bando sequestrados por policiais, assim como a liberação dos carros apreendidos ilegalmente.
A quadrilha age em conjunto com traficantes do Complexo do Lins, Parque União e Favela Nova Holanda, que também estão sendo alvo da Operação Purificação. O grupo ainda estendeu seus domínios para fora do estado, mantendo relações com traficantes do Mato Grosso do Sul, de onde vem parte das drogas vendidas nas favelas de Caxias. Advogados também estão envolvidos. Segundo o RJTV, as investigações apontam que o valor da propina variava de R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil por semana, de acordo com a capacidade de venda de drogas pelos bandidos.
O MP constatou que os policiais militares conheciam bem os bandidos. Foragido da Justiça, um criminoso que atuava no abastecimento das bocas de fumo da comunidade Vai Quem Quer era alvo constante de extorsões dos PMs, que exigiam pagamento de valores em dinheiro para a manutenção da sua liberdade. Foi descoberto ainda que, na tentativa de ocultar os seus nomes, os policiais militares criaram apelidos coletivos para as equipes. Para facilitar a comunicação traficantes e PMs também montaram um “dicionário próprio”: para definir o acordo de não interferência nas atividades ilícitas, era usada a palavra “sintonia”; “barcas”, para falar das Patamos; “guerra”, como referência à repressão ao tráfico de drogas; “pequenos”, para falar das viaturas da marca Logan, entre outros.
Os policiais militares também demonstravam ousadia na hora de negociar armas. Segundo investigações, em junho deste ano, um PM escondeu dentro de uma geladeira de um barraco uma carabina calibre 12, para ser pega por um traficante. Além disso, deixou R$ 300 dentro do congelador como parte de um pagamento. Os policiais também usavam as dependências de Destacamento de Policiamento Ostensivo para cometer crimes.
Numa das escutas telefônicas captadas durante a investigação, um dos denunciados, o sargento da PM Wagner Teixeira Gonçalves aparece exigindo dinheiro de traficantes da comunidade Corte Oito. Ele pergunta a hora que ele poderia passar para pegar o "arrêgo", e recebe como resposta que outros policiais já receberam. O traficante fala que é melhor eles dividirem o dinheiro, mas o policiais ameaça:
"Mas você não sabe que a nossa são duas, que tu já não manda quinhentos (R$ 500) para cada?"
Os dois discutem e, após explicar ao traficante como funciona o plantão dos policiais, ele pede para falar com um outro traficante e diz que se o dinheiro não for entregue “acabou o amor”.
Os policiais cumprem ainda 112 mandados de busca e apreensão — expedidos pela Juíza Daniela Barbosa Assumpção de Souza, da 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias — na casa dos denunciados e em batalhões da PM. O MP também requereu à Justiça o bloqueio integral do dinheiro nas contas correntes de dois denunciados. Os PMs presos estão sendo levados ao Quartel General da Polícia Militar, no Centro, porque, pela primeira vez, os exames de corpo de delito estão sendo realizados no local. De lá, eles serão levados para o presídio de Bangu 8 e podem ser expulsos em 30 dias.
O advogado criminalista Marcos Espínola deve entrar com pedido de habeas corpus para nove dos PMs presos nesta terça-feira. De acordo com assessoria, a defesa estaria apenar aguardando ter acesso a todas as acusações que envolvem os militares. De acorco com Espínola, está havendo excessos na ação, “ferindo o princípio da inocência garantido pela Constituição”, diz em nota.
Histórico da banda podre da PM
A ação da banda podre da Polícia Militar no batalhão de Caxias acontece, pelo menos, desde 2005, quando oito PMs foram presos acusados de terem assassinado dois homens e jogado a cabeça de um deles no pátio do unidade. A investigação mostrou que o crime foi para desafiar o então comandante do batalhão, o coronel Paulo César Lopes, que tinha detido pouco antes 60 policiais militares por desvio de conduta. Além disso, o oficial flagrou, havia duas semanas, dois PMs de sua unidade, depenando um caminhão roubado. Naquele ano, o coronel prendeu 177 policiais do 15º BPM.
Dois dias após o episódio da cabeça, policiais militares da mesma unidade saíram pelas ruas da Baixada matando a esmo. Eles fizeram 29 vítimas, na maior chacina do estado. Onze PMs foram denunciados. Ainda assim dois anos depois a Polícia Civil descobriu que PMs do 15º BPM recebiam propina para não reprimir o tráfico. Na época, foram presos 73 policiais. Em novembro daquele ano, dois meses após a prisão, a Justiça mandou soltar parte dos acusados alegando que a denúncia do Ministério Público não explicava a participação individual de cada um dos PMs. O grupo deixou o Batalhão Especial Prisional (BEP) soltando fogos, o que na época irritou o governador Sérgio Cabral. A comemoração acabou levando o grupo de volta à cadeia, mas por pouco tempo. Todos acabaram absolvidos por falta de provas.
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