ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

UM PM NO INTERIOR DO CAOS



ZERO HORA 16 de janeiro de 2014 | N° 17675


HELOISA ARUTH STURM



DENTRO DE PEDRINHAS - O colapso na Penitenciária de Pedrinhas, em São Luís, no Maranhão, onde 62 presos foram mortos em 2013, chamou a atenção da imprensa brasileira para o descalabro da situação carcerária naquele rincão do país – que não difere em muito dos presídios em outros Estados. Zero Hora conversou, com exclusividade, com um agente que participou da intervenção policial no presídio determinada pela governadora Roseana Sarney em 27 de dezembro, mesmo dia em que o Conselho Nacional de Justiça emitiu um relatório mostrando a precariedade do sistema prisional e a extrema violência das facções.

O nome do entrevistado foi preservado, por medo de represálias. Ele contou detalhes da operação, o cenário de horror vivenciado no interior da penitenciária, a força dos criminosos para além dos muros do presídio, e lembrou dos gritos da governadora Roseana Sarney, ao telefone, pedindo para a polícia “não fazer como no Carandiru”.

AS FACÇÕES

“São três pavilhões masculinos, cerca de mil presos divididos em duas facções, e um grupo sem facções. Os presos no Maranhão começaram a vivenciar uma organização quando o Josias, do Comando Vermelho, foi capturado em 2002 e ficou seis anos lá. Em 2009, começou a transferência de presos de alta periculosidade do interior para a capital, e começaram a montar grupos muito repressivos. A primeira matança ocorreu em Pinheiro, aí virou moda. Eles têm seguidores e aliados em todas as esferas, inclusive na polícia. Quem comanda Pedrinhas agora é o Wallyson, tem 27 anos, condenado por homicídio e latrocínio, está lá há oito anos. O comércio de drogas e roubos de carros, fora, é decidido lá dentro.”

A MATANÇA

“Os presos ficam em pavilhões separados, pois, se estiverem juntos, irão se matar. Não sabemos por que, mas eles foram colocados juntos por alguns dias. Foi algo proposital. Sabemos que o Secretário de Administração Penitenciária queria resolver algumas pendências anteriores e que fez vista grossa para algumas remoções lá dentro. O que ocasionou o encontro foi um acerto de contas entre administração e as facções. Existe um pouco de política nisso aí. Eles diziam que iriam matar os da facção contrária, mas matavam os que não tinham sequer facção, eram presos temporários que nem deveriam estar ali. Eles são espertos, planejam tudo. Eles já haviam feito reféns e usavam os reféns de escudo humano. Exigiram absurdos, a entrada de familiares, a retirada de presos. Os reféns eram os presos de outras facções. Eles matam uns e usam os demais como escudo. Mataram dois inicialmente.”

A NEGOCIAÇÃO

“Foram mandados policiais para lá para fazer uma revista e tentar conter os presos, mas o pessoal dos direitos humanos atrapalhou muito. Eles não queriam que entrássemos, queriam resolver no diálogo. Se tivéssemos entrado antes, não haveria mais mortes, certamente. Quando chegamos, a coisa já estava em um grau de perigo fora do normal. O comandante dialogou por cerca de seis horas, pedindo que eles próprios permitissem a saída dos presos rivais. Foi feito um trabalho de gerenciamento de crise com especialistas.”

O GOVERNO

“A governadora temia que acontecesse algo pior, tipo Carandiru. Ela berrava ao telefone: ‘não vão fazer como no Carandiru, pelo amor de Deus’. O comandante atendia, se afastava pra ouvir, mas ela estava tão nervosa e falava tão alto que alguns de nós chegávamos a ouvir os berros. Até que conseguimos convencê-la de que deveríamos entrar.”

POLICIAIS ADENTRO

“Para a Polícia Civil, éramos intrusos. Para os presos em risco, fomos recebidos como heróis. Para a família dos mais perigosos e para os direitos humanos, somos bandidos. É assim. Mas recebemos muitas manifestações de carinho do lado de fora. Alguns familiares choravam em nossos pés, pediam que entrássemos. Se não entrássemos, eles matariam cerca de cem presos. Encontramos uma relação com os nomes de alguns presos que iriam morrer. Inicialmente, tentamos entrar sem violência. Eles resistiram, mas minimamente. Entramos com 40 policiais. Eles temem a tropa de choque. Vários ultimatos foram dados. A parte mais difícil foi que eles fizeram barricadas com alguns corpos. Algumas vezes, tivemos que usar da força. Até que eles desistiram, aí começamos a retirar os menos violentos.”

CENAS DE HORROR

“Muito sangue e um mau cheiro insuportável. Além dos cadáveres, havia muita gente mutilada, muita gente ferida... Um ambiente sujo, fétido... Horrível. Chegamos ao final do pavilhão, onde ficava um alojamento perto dos banheiros, e lá tinha um montão de corpos, alguns com mais de cem perfurações. As cabeças de alguns estavam sobre os corpos de outros, alguns, sem pernas, sem braços e sem cabeça. Aterrorizante, uma carnificina.”

USO DA FORÇA

“Eles não são humanos. Usamos todo o nosso armamento. As munições químicas foram suficientes pois o gás faz com que recuem. As balas de borracha foram usadas no final, quando alguns resistentes pareciam não querer atender às ordens. Foram cerca de 900 munições. Nós não usamos nenhuma arma letal. Pequenas escoriações existiram, mas em razão da resistência, nada mais. Eles foram vítimas dos outros presos.”

A IMPRENSA

“Quando os jornalistas entraram já não havia mais nada. Os civis só tiveram acesso depois que limpamos tudo. Não dava para entrarem antes, porque era muito terror, e o risco era muito grande.”

NOVAS REBELIÕES
“Ia ter mais rebelião. Já haviam dado as ordens agora em janeiro, depois que tomamos o presídio. Só não aconteceu porque nosso serviço de inteligência interceptou as ligações e nós conseguimos agir antes e colocar policiais nas unidades do interior.”

COMÉRCIO INTERNO

“Lá dentro existe um comércio que envolve tanto presos quanto policiais. Isso dificulta a solução de alguns problemas. Tem de tudo: ventilador, cigarro, droga, arroz, carne, cocaína, armas, tudo. Tem mais coisa lá dentro que fora do presídio. Tem corrupção policial no momento das revistas também. Em razão dos baixos salários e do riscos que eles correm, o valor depende do tipo de produto que vai entrar. Existe uma espécie de salário, de cota mensal que é dada para um grupo de agentes, aí eles rateiam tudo. Às vezes, o pagamento é feito em material, às vezes em dinheiro. O valor é proibido falar. A coisa lá é complicada, é um mundo à parte.”

PEDRINHAS

“Com exceção das grades, não se parece com um presídio. A estrutura é muito mal elaborada, facilita a ação dos presos. Não há espaços individuais, todos os espaços são comuns, o que favorece a integração, a troca de informações e a corrupção pessoal. Os agentes carcerários não têm treinamento nem conhecimento suficiente para lidar com aquilo. A maioria tem mal o Ensino Médio. Alguns, nem isso. De cada 10 agentes, sete são contratados. A empresa terceirizada é de alguém ligado ao governo. Tem um oficial de alta patente que chefia esse serviço, mas parece ser um laranja deles. É um negócio milionário, por isso eles não fazem concurso. Todas as unidades prisionais do Estado são controladas por essa empresa. Tem de haver um forte investimento na contratação de pessoal especializado e na reconstrução da unidade.”

O ESTRESSE POLICIAL

“O policial militar no Maranhão não tem adicional noturno, nem de periculosidade, usa colete com validade vencida há mais de 10 anos, não tem material de trabalho, ganha R$ 46 de vale-transporte e R$ 37 de auxílio-alimentação por mês. Temos 6,6 mil homens para todo o Estado, um déficit de 10 mil policiais. Entramos ali para salvar vidas. Fizemos isso por amor à profissão, mas sabemos que estamos ali por uma manobra política. O comandante do choque será o próximo comandante-geral. Ele se aproveitou da situação e usou a força do regulamento para mostrar serviço para a governadora. Dá vontade de largar a profissão, não é fácil. Tem policiais ali que estão há 20, 30 dias sem ir para casa. O cara faz, mas faz obrigado, e isso é péssimo. De repente, os caras vão se sentir abandonados e vão cruzar os braços, esse é o risco. Já há esse sentimento na tropa. Estamos entre o orgulho de termos feito o dever e a frustração de não estarmos sendo reconhecidos.”

O FUTURO

“É tudo controlado pela polícia, acabou. O problema é que não podemos ficar lá eternamente. Quando sairmos, o risco de uma nova rebelião é enorme. Noventa dias é a previsão de os PMs permanecerem. Vamos retomar a ordem e entregar. Aí, fazem de novo, aí voltamos, e vai ser assim sempre.”





COMENTÁRIO DO BENGOCHEA -Este é uma descrição fiel do retrato e das consequências das omissões, descaso, improbidades, crime contra o ser humano, insegurança, inoperância da justiça criminal  e negligência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no cumprimento da Constituição, na aplicação e execução e das leis, na segregação dos instrumentos policial e prisional e no exercício de deveres na execução penal.

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