O modelo americano de polícia: Uma comparação com o Brasil
Por Eliel Teixeira
Com os últimos acontecimentos, muito tem se falado sobre a necessidade de uma reforma profunda e compreensiva na policia brasileira. De todas as propostas apresentadas, a que tem mais se destacado é a PEC51, que propõe a desmilitarização da Policia Militar, a unificação das policias, a entrada única na carreira e a implementação do ciclo completo de policia. Os proponentes dessas mudanças constantemente citam o modelo Americano como modelo a ser usado como base, uma vez que especialistas da área de segurança publica (tanto Brasileiros como estrangeiros) enfaticamente apontam esse modelo de ciclo completo e entrada única como responsáveis pelo expressivo declínio da taxa de criminalidade em grandes centros urbanos, como Los Angeles e Nova York.
Eu também apoio essas mudanças e vejo a vantagem do modelo Americano. Eu vivo e trabalho nessa estrutura, então sei que funciona. No entanto, essas mudanças são só o começo em uma serie de mudanças que o Brasil precisa adotar na sua reforma da segurança publica.
Ha mais dois fatores que pouco se discute a respeito da segurança publica Americana, mas que são tão, ou ate mais importantes, que a estrutura que o Brasil procura adotar: Seleção de candidatos e conjunto de leis. O primeiro, que é a forma como se seleciona os candidatos a policiais, isso é o fundamento do sucesso do modelo Americano. Se errar ai, não tem mudança organizacional que consiga consertar o erro.
No Brasil, observa-se uma ênfase irracional nas provas de redação e conhecimentos específicos, numa forma de “filtrar” a entrada de candidatos. Tamanha a competição que chega a ser motivo de orgulho pra certos indivíduos ter passado em determinada colocação no ranking de candidatos. No entanto, ate hoje não vi nenhuma pesquisa cientifica que indique que conhecimentos na área penal, ou capacidade acima do normal de redação sejam indicadores confiáveis que possam determinar o sucesso de um candidato na carreira policial. Alem da ênfase ser na fase inicial, peca-se ao não enfatizar as áreas que realmente influenciam, que são o VAP (vocação, aptidão, personalidade) e investigação social.
Em alguns estados, a investigação social se restringe a apresentação de uma copia do nada consta. Inclusive já houve casos de policiais que foram demitidos em um estado, e simplesmente recontratados em outros por falta de uma investigação nos antecedentes do candidato. Nos EUA, a prova escrita é ate concorrida em alguns departamentos, mas o que realmente filtra o candidato é a pós-prova, em que ele é avaliado no “VAP” através de testes psicrométricos como o Myers-Briggs e o MMPI.
Pesquisas recentes acompanharam policiais ao decorrer das suas carreiras, e catalogaram índices de reclamação do publico contra o policial, alegações de abuso de autoridade, incidentes criminais como violência doméstica e abuso de substancias. A conclusão foi a mesma: desde o começo os testes psicrométricos previam a propensidade do candidato a tais atos. Nos EUA, a investigação social é geralmente a parte mais minuciosa e delongada do processo seletivo, que demora entre 6 (seis) até 18 (dezoito) meses pra ser concluída. Ela inclui primeiramente uma sabatina com um painel que inclui policiais veteranos e membros dos mais diversos grupos comunitários como igrejas, grupos de defesa dos direitos humanos, entre outros. Ela inclui entrevistas com a família do candidato, amigos, namoradas, “ficantes”, professores, colegas, ex-patrões, vizinhos e até membros da comunidade que possam dar uma opinião imparcial a respeito do candidato. E as perguntas abordam os mais variados assuntos, que vão desde o temperamento do individuo ate a tendência a abusar de álcool em festas. No final, os entrevistados são perguntados se eles, independente do relacionamento que tem com o candidato, gostariam de tê-lo empossado como policial, armado, e patrulhando as ruas de sua comunidade. A investigação é então entregue ao painel de membros, que dão a recomendação final para que possa ser aceito na academia.
Uma vez na academia, os candidatos não estão a salvo. Durante o período como recrutas, são avaliados diariamente pela cadre de instrutores policiais que testam tudo que a bateria de testes psicrométricos quis antecipar: agressividade, passividade, autocontrole, autoestima, reações emotivas, tolerância a stress induzido, e distúrbios psicopatológicos que não se manifestaram até então. O objetivo é um só: testar o candidato pra saber se ele tem perfil pra exercer a função. O grande precursor desse cuidado é o tamanho do investimento que é aplicado na seleção e treinamento, que gira em media de U$ 150.000 por candidato. Com 5 anos, o investimento chega aos U$500.000. Uma vez formado, a personalidade policial começa a ser moldada para que ele possa exercer os poderes que lhe foram dados. Ai que entra a questão do conjunto de leis.
Por incrível que pareça não há lei de desacato nos EUA. Um cidadão tem todo o direito de xingar o policial do que ele bem entender, afinal de contas o direito de livre expressão é delineado na Constituição Americana. E o policial, apesar de ser o receptor de tais insultos, tem como obrigação garantir que tal direito seja preservado. Outros direitos garantidos é o de passeatas, desobediência civil, livre expressão (incluindo a de apologia a drogas) entre outras. Apesar de o policial estar ali pra preservar esses direitos, ele também tem a obrigação de preservar o patrimônio público, a paz e a ordem, etc. Então, um policial Americano pode ate se aborrecer com a agressão de um meliante e quiser revidar com violência física ou letal. Ele não deixa de ser humano. Mas a agressão (ou execução sumaria) tem menos probabilidade de acontecer quando o policial tem plena confiança que a justiça vai prevalecer e o meliante não vai sair de trás das grades tão cedo, e que vai receber todo o peso da lei a favor do policial.
Cabe ressaltar que a policia Americana nem sempre foi exemplar. No passado, já foi mal-vista, mal selecionada, mal preparada, desrespeitada, mal paga, mal investida e corrupta. Em alguns aspectos, em situação parecida com a polícia brasileira. A mudança começou em meados da década de 80, quando os parâmetros do sistema de seleção foram mudados. Alem do mais, tanto os departamentos como sindicatos policiais começaram a ver que por mais que um salário digno seja importante no combate à corrupção policial, isso isoladamente não iria promover quedas de longo prazo nos índices de criminalidade. Salário seria consequência de um trabalho bem feito com resultados, que geraria o apoio do contribuinte, que resultaria em aumento salarial.
Para que isso ocorresse, foi preciso um esforço conjunto das quase 19.000 (dezenove mil) agências policiais nos EUA. Em cada estado, optaram por contribuir com diversas campanhas de candidatos não-policiais ao invés de apoiar um único candidato. Com uma maioria suficiente eleita, por iniciativa dos policiais começou-se então a reforma do código penal estadual, para que incluísse leis de amparo ao trabalho policial (qualificação a agressão policial, pena de morte em casos de homicídio contra o policial, entre outras). Como consequência, as leis necessárias foram passadas garantindo assim que quem realmente lida com a segurança publica tivesse uma voz. É ingenuidade acreditar que o legislativo passa leis a favor do policial por livre espontânea vontade.
Hoje, graças a esse conjunto de reformas, o aparato policial Americano se tornou o que é hoje: referencia mundial. E hoje policiais americanos desfrutam de uma confiança da população sem precedentes, e diariamente buscam manter essa credibilidade. Afinal de contas, o que foi conquistado em décadas pode ser perdido em segundos. Tudo isso foi possível graças a uma conscientização que o trabalho policial não é igual a outras carreiras, que o candidato tem que ter o perfil certo pra dar certo, que candidatos que entram por questões salariais vai sempre reclamar de salário e vai ser um investimento perdido do dinheiro do contribuinte, e que o policial precisa ser equipado com um conjunto de leis eficazes. Não adianta nada ter uma viatura moderna se as leis são arcaicas e ineficazes.
Por Eliel Teixeira – Xerife no Departamento de Los Angeles
http://aderivaldo23.wordpress.com/2014/01/14/o-modelo-americano-de-policia-uma-comparacao-com-o-brasil-por-eliel-teixeira/
Fonte: Marcilio Melo, via facebook
Há algum tempo tenho tido contato com o Xerife Eliel Teixeira da cidade de Los Angeles e temos trocado algumas informações sobre os movimentos de “reforma policial” no Brasil e o modelo de polícia americano. Pedi a ele que quando tivesse um tempinho nos explicasse como a polícia funciona por lá, para minha surpresa ele me enviou um texto fantástico que nos mostra que nós, do Policiamento Inteligente, estamos no caminho certo. Senti-me honrado em receber sua resposta e em poder postar um texto riquíssimo aqui em nosso Blog. Tenham uma boa leitura.
Aderivaldo Cardoso – Coordenador do Movimento Policiamento Inteligente
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