O Estado de S.Paulo 18 de janeiro de 2014 | 2h 05
OPINIÃO
O Ministério Público Federal entrou com uma ação para obrigar os líderes da greve de policiais militares (PMs) na Bahia em 2012 a desfazer a associação que os representa. A ação pede ainda que a União seja ressarcida pelos grevistas da despesa que teve para cuidar da segurança pública do Estado com o envio de 4 mil soldados do Exército - calcula-se o montante em R$ 15,8 milhões. É espantoso que essa questão ainda não tenha sido resolvida conforme manda a lei, isto é, que os grevistas já não tenham sido devidamente punidos. Ao observarmos o histórico desse caso - e o fato de que o principal líder da greve, o ex-PM Marcos Prisco, não só escapou da Justiça, como é hoje vereador bem votado em Salvador - fica clara a absurda leniência do Estado brasileiro.
Durante 12 dias de 2012, a PM da Bahia cruzou os braços, exigindo plano de carreira e melhoria das condições de trabalho. O caráter sindical do movimento ficou ainda mais evidente com o protagonismo da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares no Estado da Bahia (Aspra), dirigida por Prisco. Como a Constituição proíbe a greve e a sindicalização de militares, o movimento foi claramente ilegal - sem mencionar o fato de que seus associados, pagos para manter a ordem, cometeram inúmeros atos de vandalismo e violência ao longo do protesto, fazendo periclitar ainda mais o Estado de Direito.
Além da situação trabalhista dos PMs, o caso serviu para evidenciar o problema da falta de regulamentação do direito de greve no serviço público - que, para entidades de servidores, numa interpretação esdrúxula da Constituição, deveria se estender aos militares. A regulamentação é necessária justamente para conciliar a livre ação das organizações sindicais e suas reivindicações com as necessidades da sociedade.
No entanto, passados tantos anos da promulgação da Constituição, o assunto ainda está pendente no Congresso, por se tratar de tema com explosivo potencial político. A Constituição, em seu artigo 37, diz que o direito de greve dos servidores será exercido conforme lei complementar - que exige maioria absoluta do Congresso para ser aprovada. Em 1998, foi aprovada uma emenda que suprimiu a exigência de lei complementar e, em seu lugar, passou a exigir lei específica, cuja aprovação depende apenas de quórum equivalente à aprovação de legislação ordinária. Nem assim a regulamentação foi editada.
Diante disso, e conforme o que a Constituição lhe faculta em caso de omissão do Legislativo em questões de amplo interesse, o Supremo Tribunal Federal (STF), provocado em 2007, decidiu se posicionar. Para dar forma ao direito de greve dos servidores, aceitou como parâmetro a lei que baliza esse direito na iniciativa privada, adaptando-a às particularidades dos serviços públicos, enfatizando especialmente a necessidade da manutenção desses serviços.
A decisão do STF vale até que o Congresso saia de sua letargia e regulamente a questão. "Esse tema é um fio desencapado sobre o qual ninguém quis se posicionar até hoje", disse o deputado Jorginho Mello (PSDB-SC), relator de uma das diversas propostas que se arrastam na Câmara. A presidente Dilma Rousseff, preocupada com os efeitos políticos das sucessivas greves no funcionalismo, quis priorizar a aprovação da regulamentação, mas o principal obstáculo está em seu próprio quintal - as centrais sindicais ligadas ao PT.
No caso dos PMs, porém, não existe nenhuma dúvida: a greve e a sindicalização dos policiais militares, assim como dos militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, ferem o artigo 142 da Constituição. O espírito da lei é óbvio: a atividade da PM diz respeito à manutenção da ordem e do Estado de Direito e, portanto, não pode ser passível de interrupção.
Mas a espantosa leniência política que cerca esse assunto tem se traduzido em decisões estapafúrdias, como a anistia aos PMs envolvidos na greve de 2012 e o arquivamento de uma ação que o Ministério Público Estadual da Bahia moveu para fechar a Aspra, a tal associação de PMs baianos que, na prática, funciona como seu sindicato. Espera-se, agora, que o Ministério Público Federal tenha melhor sorte ao tentar fazer com que, enfim, a lei seja cumprida.
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