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terça-feira, 23 de abril de 2013

O JULGAMENTO DO CARANDIRU


O Estado de S.Paulo
23 de abril de 2013 | 2h 06

OPINIÃO


O julgamento de 26 policiais militares (PMs) acusados da morte de 15 das 111 vítimas fatais, na invasão do Pavilhão 9 da Casa de Detenção, confirma o anacronismo da legislação processual penal e da Justiça criminal.

Entre a invasão do Pavilhão 9 e o veredicto do Tribunal do Júri, passaram-se 20 anos, 6 meses e 19 dias - o jurado mais novo, por exemplo, não havia nascido quando ocorreu a tragédia e o juiz responsável pelo caso estava na pré-adolescência. Dos 26 réus, 23 foram condenados a 156 anos de prisão, cada um. A pena é severa, mas sem eficácia - tanto que os condenados deixaram o Fórum pela porta da frente. A jurisprudência permite a quem foi condenado em primeira instância aguardar em liberdade o julgamento dos recursos impetrados no Tribunal de Justiça, no Superior Tribunal de Justiça e no STF. Em cada um desses tribunais, o tempo médio de tramitação dos processos é de três anos.

A estimativa dos promotores que atuaram no julgamento é de que a sentença definitiva não sairá antes de dez anos. Já os advogados dos réus estimam que a sentença definitiva poderá sair em quatro ou cinco anos, por causa das implicações políticas do caso. Alegando que a decisão dos jurados contraria provas documentais constantes dos autos, eles vão pedir a anulação do júri.

Além disso, mesmo que os tribunais superiores venham a confirmar a pena de 156 anos de prisão aplicada pelo Tribunal do Júri, os condenados não a cumprirão. A legislação penal em vigor determina que as penas privativas de liberdade não podem passar de 30 anos. E a Lei de Execução Penal concede aos condenados com bom comportamento o benefício da passagem do regime fechado para o semiaberto após o cumprimento de um sexto da pena, permitindo-lhes trabalhar ou estudar fora do presídio durante o dia.

O julgamento dos 26 PMs acusados da morte de 73 presos na invasão do Pavilhão 9 da Casa de Detenção teve as repercussões esperadas. Os movimentos sociais aplaudiram a decisão do júri. "Foi uma decisão simbólica", afirmou o padre Júlio Lancellotti. "Foi um passo importante na garantia de justiça para as vítimas, seus familiares e sobreviventes", disseram os diretores da Anistia Internacional. Já os advogados de defesa afirmaram que os réus agiram de "forma legítima". Segundo eles, o rigor da pena "prejudicará o trabalho da Polícia Militar nas ruas", pois seus soldados tenderão a "pensar um pouco mais antes de agir", o que acarreta "risco para a população. E alegaram que o veredicto não é a "vontade" da sociedade. "Não esperava nenhuma condenação. Esperava o reconhecimento da ação legítima dos policiais militares. Eles não têm do que se arrepender", afirmou a advogada Ieda Ribeiro de Souza.

Uma das questões mais discutidas no julgamento foi de natureza processual. Elaborada no tempo em que a maioria das ações criminais envolvia um delito praticado por um assaltante a mão armada, a legislação penal e processual em vigor privilegia a individualização da conduta dos réus. Ou seja, ela encara o delito como litígio interindividual, e não como um conflito coletivo, envolvendo dezenas de pessoas que atuaram em conjunto - a exemplo do que ocorre num arrastão, numa invasão de propriedade privada ou em atos de repressão policial, como uma execução de reintegração de posse.

Por isso, para que os réus envolvidos em conflitos coletivos fossem condenados, os promotores precisavam provar o que cada um deles fez de ilegal. Como não conseguiram individualizar as acusações contra cada um dos 23 PMs, com base em perícias nas armas e em exame balístico, os promotores defenderam a tese de que, quando os coautores combinam um crime, os que dele participam respondem pelos resultados, independentemente do que cada um fez. Os advogados de defesa pretendem questionar esse argumento - o que dará ensejo a grandes debates teóricos nos tribunais superiores. Isso vai retardar ainda mais o julgamento, o que pode levar à prescrição dos crimes.

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