ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

sábado, 29 de junho de 2013

SEGURANÇA EM XEQUE



ZERO HORA 29 de junho de 2013 | N° 17476

Indignação furiosa

A classe média descobriu a brutalidade policial, que os pobres e negros nunca ignoraram. Polícia tornou-se um dos temas chave nas ruas

POR LUIZ EDUARDO SOARES*

A sociedade brasileira tomou as ruas e sequestrou para si o título que lhe custara bilhões de reais e, por decisões autocráticas, a excluíra: o grande evento. Centenas de milhares de pessoas deslocaram o campo de futebol para o meio da rua e vestiram a camisa do país, assumindo inaudito protagonismo histórico. Resta ao intérprete calçar as sandálias da humildade e admitir sua ignorância e perplexidade ante o fenômeno radicalmente novo. O interesse público fora confiscado pela tecnocracia, aliada a empreiteiras e subserviente à tutela arrogante (e voraz) da Fifa. Os chamados “grandes eventos” serviram de justificativa para lucros extraordinários e para a festa da especulação imobiliária, sob a retórica do legado social, enquanto a mobilidade urbana tornava-se, crescentemente, uma contradição em termos. A massa rompeu expectativas e a tradição de apatia, inventando um movimento que será, por suas lições e efeitos, o verdadeiro legado às gerações futuras. A narrativa passou a ser escrita, nas ruas e nas redes virtuais, por milhões de mãos e vozes, desejos e protestos, inscrevendo seus autores na cena global, em diálogo com outras praças, outras multidões, outras lutas. A sociedade virou o jogo.

Aplicar velhos esquemas cognitivos serve apenas para exorcizar o novo, domesticar a diferença e mascarar a insegurança intelectual, confirmando velhas crenças e categorias. O momento exige humildade do intérprete e o reconhecimento de que também as categorias tradicionais com que opera estão em xeque, desestabilizadas pela potência disruptiva e criadora do movimento social. Além disso, é necessário reconhecer que a disputa central agora é pelos significados do que está acontecendo, porque do consenso que se construir sobre o sentido dependerá o desdobramento do processo político. Projetando-se os modelos cognitivos convencionais sobre o que é radicalmente diferente, só se vê o que o movimento não é: “não organizado, sem liderança ou centro, desprovido de ideologia e de objetivos, irracional etc.” Entretanto, ele existe. Como descrever sua positividade? Comecemos por ecoar sua polifonia.

A terra treme porque o país avançou, e as desigualdades, embora ainda imensas, reduziram-se significativamente. As manifestações não são sintoma de declínio, mas afirmação de força e fé no futuro, ainda que pelo avesso, isto é, sob a forma de protesto indignado contra o que, contrastando com os avanços – e mesmo tendo sido por décadas naturalizado – agora tornou-se inaceitável. O pensador francês do século 19 Tocqueville nos ensinou que a miséria e a vulnerabilidade social só conduzem à reiteração da impotência. Rebelam-se os que têm a perder, conquistaram avanços, sentem-se potentes e sob ameaça. A sociedade brasileira aprendeu a valorizar a cidadania e despertou da inércia.

Os atores reunidos nas ruas, na maioria jovens, são os mais diversos, têm diferentes origens sociais, falam todas as línguas ideológicas e vocalizam as mais variadas denúncias e reivindicações. Seria artificial e contrário ao espírito das manifestações submeter o coro de contrários a uma univocidade ortopédica. Entretanto, uma certeza é consensual: a representação política ruiu. Não é de hoje, mas somente agora o escárnio das esquinas, a repulsa ao mundo político que se limitava às conversas cotidianas ganhou corpo e visibilidade, tanto quanto ganharam visibilidade e reconhecimento milhões de cidadãos antes unidos pelo ressentimento, sentindo-se diariamente desrespeitados pelas autoridades, pelas instituições, pelo transporte público, pelas condições da saúde e da educação. O colapso da representação vinha sendo coberto pela competência do executivo federal, por políticas públicas exitosas, pelo carisma de Lula. Na atual conjuntura, o executivo não é mais escudo protetor para a ilegitimidade do Parlamento, em razão de inúmeros tropeços: repique inflacionário, retrocesso na proteção ao meio ambiente, passividade ante assassinato de indígenas, alianças com impostores venais que tornaram “governabilidade” sinônimo de vale tudo, passividade ante chantagens obscurantistas e regressivas de religiosos fundamentalistas, e tantas hesitações e contradições de um governo claudicante, que recorre ao BNDES para selecionar vencedores, não tem capacidade de investimento, convive com uma infraestrutura sucateada, é insensível ao desafio da competitividade industrial e mantém-se fiel a um modelo econômico insustentável, voltado para o consumo e a proliferação epidêmica de automóveis. Observe-se que nesta lista de problemas há munição ampla o suficiente para atingir a todos, à direita e à esquerda. O colapso da representação política significa o divórcio entre o Estado e a sociedade.

Um fator determinante foi a cooptação do PT e de um grande número de sindicatos e movimentos sociais por parte do governo federal. A história é pródiga em exemplos de desastres provocados pela superposição entre Estado, governo e partido. Resultado: o PT perdeu a rua, e a UNE, devorada pelo aparelhismo do PCdoB, foi a grande ausente. Erro dramático do PT e do governo federal: no começo, um mar de rosas, ruas vazias, aplausos das categorias, paz para governar. Agora, o vazio, a impotência, a impossibilidade para liderar, dirigir e até mesmo disputar. E o país diante da necessidade de reinventar a política.

E a violência nas ruas?

Imaginemos a seguinte descrição do despertar da sociedade brasileira:

O paciente coletivo respirava por instrumentos na UTI. Graças às melhorias socioeconômicas das últimas duas décadas, recuperou a consciência e os movimentos do corpo, ergueu-se, descobriu que sua casa fora ocupada por políticos venais interessados na reprodução de seus mandatos, cúmplices de empreiteiras e do capital financeiro vinculado à especulação imobiliária, vândalos oficiais a serviço do modelo automotivo de desenvolvimento insustentável, arruaceiros do interesse público, baderneiros bem-comportados de paletó e gravata, desordeiros de colarinho branco. Furioso, o paciente, agora impaciente, espana os parasitas com o vigor redescoberto.

Creio que esse relato traduza o sentimento que flui nas manifestações. O que parecia ser ordem, antes da onda de protestos, correspondia a transgressões continuadas à Constituição e aos princípios mais elementares da moralidade pública.

Consultemos, agora, imaginariamente, os sentimentos e as percepções difusas dos jovens mais pobres que têm convivido, diariamente, com a brutalidade policial. Tomo como exemplo acontecimentos desta semana, no complexo de favelas cariocas da Maré: policiais do Bope invadiram residências (derrubando portas e sem mandado judicial), quebraram utensílios domésticos, humilharam, agrediram e ameaçaram moradores dentro de suas casas. Na operação, morreram 10 pessoas: um policial, sete considerados suspeitos de participação no tráfico de drogas e dois oficialmente tidos por inocentes. Contemplemos por um instante outros fatos recorrentes no Rio e em vários outros Estados: chacinas são perpetradas por policiais, milicianos tiranizam comunidades, armas e drogas são apreendidas a ferro e fogo, em incursões bélicas que ferem e matam inocentes, mas são devolvidas em seguida, mediante negociações com traficantes locais ou facções rivais, à luz do dia, diante da comunidade. As autoridades prometem investigar com rigor – e não alteram os protocolos da ação policial. O Ministério Público é responsável pelo controle externo da atividade policial, mas tem sido omisso, com plena anuência da Justiça – ressalvadas as honrosas exceções, entre elas a saudosa juíza Patrícia Acioli, assassinada com 21 tiros por policiais. Quantos profissionais das polícias, envolvidos em chacinas, no rastro dos ataques do PCC em São Paulo, em 2006, foram punidos? Quantos foram investigados e punidos no Rio, onde 9.231 mortes foram provocadas por ações policiais entre 2003 e 2012? Esses dados deveriam levar-nos a compreender a fonte da indignação furiosa de quem depreda – deixo de lado, evidentemente, os criminosos que se aproveitam da situação. Não se trata de justificar a violência, mas de entender suas raízes e, sobretudo, de explicar por que a massa considera hipócrita o foco da mídia na ação dos assim chamados “vândalos”. Antes das manifestações, não havia ordem e normalidade, mas vandalismo continuado, praticado por aparelhos do Estado contra muitos, nas periferias, Brasil afora. Falta equidade no tratamento por parte do Estado e da mídia. A ordem tida como natural antes da eclosão das manifestações não era menos destrutiva do que a desordem promovida por alguns manifestantes. Esse é o ponto – o qual, insisto, não justifica a violência, mas a torna inteligível.

A violência cometida nas ruas por grupos sempre atuantes, embora francamente minoritários, têm sido o maior obstáculo ao sucesso do movimento. Quem pratica saques e quebra-quebras põe-se como inimigo da massa que se manifesta nas ruas e contribui para a estigmatização do movimento e seu esvaziamento. Essa prática coloca para qualquer polícia, mesmo a melhor do mundo e a mais democrática, um desafio trágico, um problema insolúvel. Uma polícia para a democracia tem o dever de garantir direitos. É este seu mandato constitucional. Há os direitos dos cidadãos à livre manifestação e também aqueles que estão sendo violados por quem age com violência destrutiva. Está em jogo o interesse público seja na plena liberdade do movimento, seja na proteção ao patrimônio público. Quando manifestantes depredam, criam um dilema incontornável para o poder público e a polícia – e por isso o fazem: projetam seu ódio e buscam um cadáver, geram as condições para o surgimento do mártir, diante do qual as manifestações seriam empurradas para o abismo das retaliações recíprocas intermináveis. O que deve fazer uma polícia comprometida com a legalidade constitucional? Reduzir danos, atuar no limite superior da tolerância e inferior do uso da força, buscar o diálogo, apostar na compreensão da imensa maioria sobre os impasses. O que uma polícia que serve à cidadania, cumprindo o mandato constitucional democrático, não deve fazer? Aquilo que tem sido a rotina no Rio e tem ocorrido em outras cidades e Estados: investir na vingança, provocar manifestantes, prender discricionariamente, agredir indivíduos desarmados e isolados, acuar grupos em vez de suscitar condições para que dispersem, atacar arbitrariamente, ostentar o sorriso de escárnio como bandeira de seu ressentimento, reafirmando pela prepotência a profundidade de sua própria insegurança e de seu descompromisso com a legalidade. Tampouco deve usar armas menos letais como se fossem não letais. Pior: como se fossem brinquedos inofensivos de uso ilimitado. De sua parte, cabe ao movimento, mesmo mantendo-se descentralizado e apartidário, organizar-se minimamente para inibir as práticas que, de fato, tentam desqualificá-lo, politicamente.

Duas questões me parecem decisivas:

(1) A classe média descobriu a brutalidade policial, que os pobres e negros nunca ignoraram. Polícia tornou-se um dos temas chave, nas ruas. Por que a presidente omitiu o debate em torno da mudança do modelo policial, que envolve a desmilitarização, e que vem sendo adiada desde a transição democrática? É urgente estender a transição à segurança pública. O silêncio oficial tem sido cúmplice de milhares de execuções extrajudiciais, de torturas, violações cotidianas, inclusive contra os próprios policiais. Até quando reinará a negligência? Nada mais desconectado das ruas e da realidade do que a proposta patética das oposições: “mais verbas para a segurança pública”. Como alimentar essa máquina de morte, essa fonte de violações? Nenhum centavo deveria ser concedido antes que se refundassem as polícias.

(2) A proposta presidencial sobre reforma política sem dúvida dialoga com o eixo dos protestos, isto é, focaliza o colapso da representação. Entretanto, só fará sentido se mostrar-se capaz de quebrar os mecanismos em curso. Isso não guarda relação clara para a maioria dos manifestantes com sistema eleitoral – distrital, simples ou misto, ou proporcional –, voto em lista, financiamento de campanha etc. O que poderia conversar com as ruas seria uma proposição radical, que sepultasse a representação política como carreira e negócio. Eis um exemplo: para o parlamento, eleições a cada dois anos com apenas uma reeleição, candidaturas avulsas da sociedade seriam possíveis, salários dos deputados seriam iguais aos dos professores, cada um teria três assessores, nada de carro oficial, verba de gabinete ou aposentadoria por oito anos de trabalho, dinheiro para campanha apenas aquele doado por cidadãos (tendo 500 reais como teto – sobre os recursos deveria haver plena transparência com informação em tempo real via internet), nada de tempo na TV, que virou moeda (utilize a internet quem quiser e puder mobilizar sua rede). Eleitos seriam os mais votados, sem os coeficientes partidários e as coligações. Para o Senado, não haveria suplente, os mandatos seriam de quatro anos sem reeleição e as condições seriam as mesmas dos deputados. Para o executivo, apenas um mandato de cinco anos e regras específicas. Enfim, uma transformação realmente profunda poderia sensibilizar a maioria da sociedade e reconectá-la à representação.

*Antropólogo, cientista político, escritor, professor da UERJ. Foi Secretário Nacional de Segurança Pública (2003) e Coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do RJ

COMENTÁRIO DO BENGOCHEA - Uma coisa ele está certo, a segurança pública no Brasil está em cheque, já que não há paz social, tranquilidade ao cidadão, convivência pacífica em sociedade e nem defesa da vida, da saúde, do patrimônio e do bem-estar do cidadão e das comunidades. Isto olhando a segurança como um estado de serenidade. Se olhar a segurança pública do foco "forças de segurança" a coisa muda, já que mesmo limitadas por várias mazelas, estas forças têm superlotados os presídios.

 Ocorre que o nobre e estudioso antropólogo confunde segurança pública - estado de serenidade - com forças de segurança - polícia  -  descartando, assim como fazem os políticos e magistrados, o fato de que, na prática, as forças de segurança pública são extremos de uma cadeia de ações e processos de justiça criminal. Assim, ele não enxerga a dedicação com que elas agem na defesa da sociedade e nem enaltece os esforços na contenção do crime. É melhor criticar e apontar as mazelas policiais que contaminam e destroem as instituições do que procurar as soluções práticas e não teóricas.

Não existe diálogo com quem não quer falar. E nos países de primeiro mundo, as polícias agem com força nas manifestações. É uma reação à brutalidade de vândalos e bandidos infiltrados na massa. Só que lá, esta brutalidade é coibida na justiça e por políticos, e aqui, ganham solidariedade e pena domiciliar.

Aliás: Além de buscar as causas de brutalidade policial, poderia apurar e refletir sobre as causas que discriminam e partidarizam as forças de segurança e da existência de uma justiça criminal assistemática, fraca, dependente e incapaz de punir tanto as autoridades públicas remuneradas com altos salários que se deixam corromper, como os bandidos, vândalos, ladrões e corruptos aterrorizam o povo brasileiro e saqueiam o dinheiro dos impostos. 

BOMBAS, POLÍCIA E BAIXOS SALÁRIOS


ZERO HORA 29 de junho de 2013 | N° 17476


WIANEY CARLET


Bombas e gases

Se repetirem o que aconteceu nos demais jogos da Copa das Confederações, milhares de pessoas tentarão se aproximar do Maracanã para protestar e depredar, mesmo sabendo que serão contidas e repelidas com granadas de gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e balas de borracha. Para os interesses internos do Brasil, nada será acrescentado com o deliberado assédio ao estádio. Porém, serão inevitáveis os prejuízos que a aparente insegurança proporcionará ao país, ano que vem. Turistas fugindo do Brasil na Copa do Mundo é prejuízo. É justo, adequado e oportuno pressionar os três poderes da República para que sejam obtidas transformações que o Brasil exige com a máxima urgência. Mas em que o país melhorará perdendo o turismo e prejudicando a nossa imagem no Exterior?

Imaginando

E se Porto Alegre estivesse sediando jogos da Copa das Confederações,? As manifestações sairiam do Largo Glênio Peres, na direção do Beira-Rio. Seguiriam pela Avenida Padre Cacique ou pela Avenida Beira-Rio. Para evitar que chegassem ao estádio, a Brigada Militar fecharia as duas únicas vias de acesso ao estádio colorado. E a torcida, como chegaria ao Beira-Rio? É provável que a via que margeia o Guaíba não fosse a escolhida pela falta de alvos para as depredações. Na Borges e Padre Cacique, haveria abundantes objetivos para saciar a gana destrutiva dos vândalos. Chegar e deixar o Beira-Rio seria uma prova infernal que, certamente, inibiria a presença de torcedores nos jogos. Sabem de uma coisa? Acho que Porto Alegre deve festejar a perda da Copa das Confederações.

Polícia

Em distúrbios envolvendo grandes massas de manifestantes, aparecem em penca os especialistas em controle de tumultos. Desenha-se, então, um quadro extravagante: todo o mundo entende do assunto, menos a BM. Em todas as manifestações de Porto Alegre, a BM passou por força truculenta que agride inocentes. Pergunta: como se faz para conter vândalos e saqueadores que chegam protegidos pela multidão?

Baixos salários

Não são poucos os PMs feridos nos enfrentamentos com a banda podre dos manifestantes. Os policiais cumprem o seu dever ainda que recebam os salários mais baixos entre as polícias militares do Brasil. Mas, infelizmente, somos o país do futebol e das injustiças. Nestas horas, calam-se as vozes que pregam a extinção da BM. O momento é bom para lembrar.


Matéria indicada pelo  Ten Cel Iriart

quinta-feira, 27 de junho de 2013

CONFRONTO ENTRE POLICIAIS CIVIS E TRAFICANTE DEIXA UMA CRIANÇA FERIDA


ZERO HORA 27 de junho de 2013 | N° 17474

PORTO ALEGRE - Troca de tiros termina com uma criança ferida


Os policiais procuravam por uma pistola .380 na manhã de ontem, em uma casa no bairro Bom Jesus, em Porto Alegre. Acabaram sendo recebidos a tiros por um suposto gerente do tráfico ligada à quadrilha dos Bala na Cara. Na troca de tiros, o filho do suspeito, de seis anos, acabou ferido com um tiro de raspão na cabeça. O menino foi encaminhado ao Hospital São Lucas, sem maior gravidade.

Eram 9h30min quando os agentes da 10ª Delegacia da Polícia Civil chegaram à casa no fundo de um beco da Rua Alfredo Ferreira Rodrigues para o cumprimento de um mandado de busca. Ao bater na porta e anunciar que era a polícia, um dos investigadores abriu uma janela da casa e só teve tempo de desviar a cabeça para fugir do primeiro disparo.

Munido de um revólver calibre 38, Rodrigo Silveira da Silva, 28 anos, teria disparado pelo menos quatro vezes contra os policiais antes de recuar e recarregar a arma. Diante da reação de pelo menos dois agentes, ele teria voltado a disparar outras vezes antes de se entregar.

De acordo com o delegado Abílio Pereira, depois de recarregar a arma, Rodrigo teria segurado o filho no colo e o usado como escudo. A família, no entanto, diz que o tiro que atingiu o menino teria partido dos policiais. O trabalho da perícia, que ontem fez o levantamento do local, vai determinar de onde partiu a bala que atingiu o menino.

– Ele colocou em risco a vida de todos naquele momento – aponta o delegado Abílio Pereira.

Na casa, os policiais encontraram 65 pedras de crack, munições de calibre 38, de fuzil 7.62 e dois carregadores de pistola 9mm.

Quadrilha teria feito arrastão em abril

Rodrigo era investigado como suspeito pela receptação da pistola de um PM, roubada durante um arrastão entre os bairros Santana e Bom Fim, em abril. Dois suspeitos pelos roubos em sequência a dois supermercados e a uma lanchonete, onde estava o PM, já foram detidos. Um deles, adolescente e atualmente na Fase, é irmão de Rodrigo.

A ação de ontem teve também o apoio dos policiais da 19ª DP. Isso porque a dupla reconhecida pelos assaltos também atuaria contra mercados na região do Morro da Cruz, zona leste da Capital, nos últimos três meses. Uma casa em Viamão também teria sido roubada pelo grupo.

Com a prisão de Rodrigo, agora os policiais investigam a possibilidade de que ele tenha participação direta nos assaltos, como motorista do carro usado pelos bandidos.

EDUARDO TORRES

POLÍCIA ADMITE QUE TRÊS MORTOS NO CONFRONTO ERAM INOCENTES


ZERO HORA 27 de junho de 2013 | N° 17474

CONFRONTO NO RIO. Polícia admite que três mortos eram inocentes. Corregedoria da PM vai investigar ação do Bope no Complexo da Maré


Um dia depois de uma série de confrontos entre policiais e traficantes deixar 10 mortos no Complexo da Maré, zona norte do Rio, a polícia admitiu que ao menos três vítimas eram inocentes. Ontem, a Corregedoria Interna da Polícia Militar instaurou um inquérito para apurar se houve excesso na ação dos policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope). Outra investigação está a cargo da Divisão de Homicídios da Polícia Civil.

Agentes da tropa de elite da PM entraram na favela na noite de segunda-feira, após um arrastão ocorrido na Avenida Brasil, e foram recebidos a tiros por traficantes. A primeira vítima foi um sargento da corporação. Moradores acusam a PM de ter agido com truculência após a morte do agente do Bope.

Beltrame defende apuração de denúncias

Ontem, a Polícia Civil divulgou a identificação das vítimas. Duas delas não tinham antecedentes criminais: o garçom Eraldo dos Santos da Silva, 35 anos, e o engraxate Jonatha Farias da Silva, 16 anos. Seis dos mortos, entre eles um adolescente de 16 anos, tinham passagens pela polícia por crimes como tráfico, homicídio, roubo, lesão corporal e porte ilegal de arma.

Em entrevista a uma rádio, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, defendeu a apuração das denúncias de possíveis excessos durante a ação. Ao mesmo tempo, disse que a morte do sargento do Bope também deve ser investigada.

Moradores do Complexo e organizações não governamentais (ONGs) estiveram reunidos ontem com o coronel Hugo Freire, chefe do Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar. A comunidade acusa policiais militares de terem executado a facadas três moradores dentro de suas casas. Conforme a perícia, nove corpos não apresentavam ferimentos por faca.

– Esse encontro foi a forma de estabelecer diálogo dos moradores com a polícia sobre supostos exageros na operação – disse Eliana Sousa Silva, diretora da ONG Redes da Maré.


Comissão da Verdade critica operação

Moradores da Maré contrários às últimas ações da Polícia Militar no conjunto de favelas protestaram ontem em frente à Secretaria de Segurança Pública do Rio. A manifestação foi pacífica. Eles ainda decidiram realizar, na próxima terça, um ato público na rua principal da favela em homenagem às vítimas da ação policial.

A Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) criticou o trabalho da PM na operação no Complexo. Em nota assinada por Wadih Damous, presidente da Comissão, a CEV-Rio classifica de “intolerável” o comportamento dos policiais militares.

“Toda a população local foi submetida a um verdadeiro estado de sítio, proibida de deixar suas casas, e a polícia matou pelo menos nove pessoas. Esperamos que o governador Sérgio Cabral tome as providências que a seriedade da situação exige”, diz a nota.

O Complexo da Maré deverá receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em breve. Segundo moradores, em reunião com a PM há cerca de duas semanas, teria sido informado que o conjunto de favelas começará a ser ocupado em agosto, logo depois da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que será realizada entre os dias 23 e 28 de julho.

O DESTINO DAS PMS EM 30 ANOS



Cel Vanderlei Pinheiro


Há um espaço naturalmente destinado à atuação das instituições denominadas de Polícia Militar, existentes nos Estados federados brasileiros. Isso, se não for obtido o direito constitucional pleno que lhe libere o ciclo completo do serviço policial.

Alguns campos da atividade policial serão por essas instituições perdidos. Outros ficarão mediante convênios, a exemplo do que ocorre com a fiscalização do trânsito. Os espaços perdidos podem ser em razão da ausência do ciclo completo de polícia. As chefias de polícia civil dos Estados da federação brasileira estão orientadas a darem irrestrito apoio ao surgimento de Academias de Guardas Municipais, emprestar-lhes linhas de tiro e apoiarem em instrutores. Ou seja, o Conselho Nacional dos Chefes de Polícias Civis deixou bem claro sua opção por outra instituição que seja sua parceira na atuação do policiamento ostensivo, dito, exclusivo constitucionalmente das PMs. Em 15 anos essa realidade começa a ter seu desdobramento fático.

Algumas administrações municipais poderão optar por conveniar pelo menos, inicialmente, a prestação dos serviços de policiamento ostensivo geral ou conveniar o gerenciamento e preparação de seus guardas/policiais. Grandes e médios municípios optarão por ter seu próprio serviço policial, cujo embrião, virá das Guardas Municipais, após a devida constitucionalização desse serviço.

Mas, mesmo assim, serão específicos para os atuais militares estaduais, desde que desde hoje, se especializem ou mantenham especializados, aquelas atividades policiais, que dizem respeito às ações, obrigatoriamente, supra -municipais. Ou seja, aquelas que acontecem em um município, mas não se inicia ou termina, nele. Como se diz na doutrina territorial, ou de emprego combinado, comuns a duas ou mais unidades de ação ou territoriais. Atividades como o policiamento rodoviário, mesmo em rodovias municipais em conglomerados urbanos altamente densos, em que a via é contínua; na maioria das ações de policiamentos lacustre ou fluvial; no serviço de apoio policial aéreo, inclusive conveniando com municípios que tenham seu próprio serviço; no policiamento ambiental; e, principalmente, no policiamento de fronteiras, incluindo-se as questões do crimes através da Internet, que sejam conexos a essas funções ou especialidades. Não esquecendo que também se incluem as tropas de intervenção para restauração da ordem publica, grandes eventos, calamidades e outras situações de atuação supra municipal, como no caso de Bombeiros regionais que podem em razão do deslocamento, terem planejamento comum. 

Esse é o filão de polícia que, garantidamente, sobrará para essas as atuais instituições militares estaduais. Da habilidade política do hoje, se terá essa abrangência, com a manutenção de algumas ações do policiamento ostensivo geral, de agora. No entanto, nossa inabilidade poderá deixar que espaços daquilo que nos seriam naturalmente destinados, fiquem a menor, assumidas por instituições que virão especializadas e se agregarão aos órgãos municipais de polícia, que tenderão a serem criados e mostrarem-se eficientes. Talvez seja o embrião da Guarda Nacional Brasileira ou, por alguma interpretação das FFAA, dispensada a denominação, mas formatado o princípio e sua constitucionalização, sepultando a atual Força Nacional.

MANIFESTANTES RECLAMAM DE TRUCULÊNCIA DA PMDF

CONGRESSO EM FOCO 26/06/2013 23:07 

PM de Brasília encerra manifestação com bombas

Manifestantes reclamam que Polícia Militar agiu com truculência durante ação de dispersão. Pelo menos dez pessoas foram atendidas pelos serviço médicos e outras dez presas


POR RODOLFO TORRES, MARIO COELHO E EDUARDO MILITÃO


Antonio Augusto/Câmara dos Deputados

Manifestantes jogaram rojões nos policiais, que retrucaram com bombasDe um lado, rojões e sinalizadores. Do outro, bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral. Os cerca de 3 mil policiais militares usaram força para dispersar as aproximadamente 5 mil pessoas que protestavam na noite desta quarta-feira (26) em frente ao Congresso. Houve dispersão imediata do grupo que participava do protesto e o gramado ficou esvaziado e completamente tomado pela fumaça. Informações oficiais dão conta de pelo menos dez feridos e dez presos.



De acordo com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, sete policiais militares e dois bombeiros foram atendidos pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) por conta dos efeitos do gás das bombas. Um deles chegou a ser levado para o raio-x da Câmara. Uma senhora que estava na manifestação apresentou sintomas de intoxicação.

Das prisões, duas foram realizadas no início da tarde. Segundo o tenente-coronel Zilfrank Antelmo, da Comunicação Social da PM-DF, um dos detidos portava duas facas, um facão, um canivete, um punhal caseiro, um bastão portátil e uma máscara contra gás. O outro foi preso por portar um cigarro de maconha. Ambos foram levados à 5ª Delegacia de Polícia e já foram liberados.

Com o confronto entre manifestantes e policiais, outros oito foram detidos pela Polícia Militar, por seguranças da Câmara e do Senado. Uma parte do grupo foi levado para uma sala do Departamento de Polícia Legislativa (Depol). O órgão não forneceu informações sobre o trio. A assessoria de imprensa da Câmara confirmou que são três homens – um deles menor de idade – e que eles foram detidos como suspeitos de agressão a policiais.

Mais tarde, a assessoria da PM anunciou que dez pessoas foram presas sob a acusação de agressão. Parte dos manifestantes que protestam por melhores condições sociais e contra corrupção em Brasília jogou, na noite desta quarta-feira (26), rojões contra policiais militares que faziam um cordão para isolar a multidão de 5 mil pessoas da entrada do Congresso Nacional. De acordo com quatro manifestantes ouvidos pelo Congresso em Foco, os policiais atiraram bombas de gás lacrimogênio até mesmo em que atuava pacificamente.

Atuação

A Polícia Militar confirmou os fatos à reportagem. Mas, segundo o coronel Valverde, não seria possível agir de outra forma. Ele afirma que 30 policiais foram atingidos mais de 50 rojões. Em resposta, a PM arremessou de 15 a 20 bombas de gás lacrimogêneo. “Eles estavam no meio. Não tem jeito de a gente adivinhar quem estava no meio de quem não estava”, afirmou ele aoCongresso em Foco depois da confusão.

Valverde afirmou que não seria possível aos policiais formarem grupos para buscarem na multidão somente os responsáveis pelo lançamento de rojões. “Se coloca o policial lá no meio… Ele gera um atrito e é pior, o contato corporal ia ser outro, ia lesionar. É melhor com gás, porque ninguém sai ferido e não tem problema nenhum”, afirmou o coronel.

Ainda assim, a polícia prendeu três pessoas. Duas delas, segundo a estudante de arquitetura Laís Brandão da Silva, 17 anos, atacaram a PM, mas se entregaram à polícia ajoelhadas, para evitar confronto. Entretanto, disse Laís, os policiais agrediram os jovens ajoelhados com cacetetes.

O técnico em telecomunicações Gilberto Araújo, 26 anos, e o vendedor autônomo Marcelo Andrade, 38 anos, seguravam uma faixa a favor do voto facultativo apesar do gás lacrimogêneo que ainda dominava o ar no momento da entrevista ao Congresso em Foco. Eles reclamaram de terem sofrido com as bombas apesar de agirem pacificamente.

Já o estudante de audiovisual Fernando Vieira, 19 anos, disse que alguns policiais trabalhavam sem identificação no peito. Quando Vieira tentou filmá-los, os PMs jogaram seu telefone celular no chão ainda segundo o estudante.

Roteiro


Valter Campanato/ABr

Em parte do protesto, manifestantes interromperam o trânsito no Eixo NorteA concentração começou às 14h no Museu da República. Depois, cerca de 1,5 mil pessoas desceram para o gramado central do Congresso enquanto o jogo do Brasil pela Copa das Confederações ocorria. Por volta das 18h, uma grande dos manifestantes decidiu sair da frente do edifício sede do Legislativo e fez uma caminhada pelas avenidas centrais da cidade, como a Esplanada dos Ministérios e o Eixo Rodoviário Norte.

O público de 5 mil pessoas foi atingido à noite. Depois de duas horas, os confrontos começaram. Após a PM dispersar o grupo, uma parte, estimada em 300 pela corporação, eles se dirigiram para outra avenida, a W3 Sul, onde se concentraram em frente a um shopping. Em frente ao Congresso, tanto manifestantes quanto policiais já haviam deixado a frente do Congresso.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

PM REAGE À ARRASTÃO. SGT DO BOPE MORRE EM CONFRONTO



ZERO HORA 26 de junho de 2013 | N° 17473

OPERAÇÃO EM FAVELA

Pelo menos 10 morrem em ação do BOPE no Rio. Confronto entre traficantes e policiais no Complexo da Maré teve início após arrastão em manifestação



Pelo menos 10 pessoas morreram e cinco foram baleadas em confrontos entre policiais militares e traficantes de drogas no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, entre o início da noite de segunda-feira e o fim da tarde de ontem.

Entre os mortos, estão um sargento do Batalhão de Operações Especiais (Bope), dois moradores e seis suspeitos de envolvimento com o tráfico. Foram detidos 10 homens.

O tiroteio começou por volta das 19h de segunda-feira, quando um grupo de criminosos iniciou um arrastão na Avenida Brasil, após uma manifestação. Policiais do 22º Batalhão da Polícia Militar entraram em confronto com traficantes. Os PMs, então, pediram o reforço do Bope.

No tiroteio inicial, morreram o sargento do Bope Ednelson Jerônimo dos Santos Silva, 42 anos, e o morador Eraldo Santos da Silva, 35 anos. Na madrugada, José Everton Silva de Oliveira, 21 anos, foi baleado e morreu. Os outros seis mortos, que, conforme a polícia, eram suspeitos de ligação com o tráfico, não haviam sido identificados até ontem. O décimo corpo foi resgatado na manhã de ontem pelo Corpo de Bombeiros. Com os corpos, os PMs dizem que foram apreendidos fuzis, pistolas, metralhadora, granada e grande quantidade de drogas.

Um dos detidos, identificado como Edvan Ezequiel Bezerri, 29 anos, é apontado como o autor do disparo que matou o sargento do Bope.


Complexo receberá UPP após visita do Papa

A favela permaneceu ocupada durante toda a madrugada de segunda e ontem. Cerca de 400 PMs participaram da operação. Nove escolas públicas não funcionaram ontem, prejudicando cerca de 7,5 mil alunos.

Moradores e organizações não governamentais (ONGs) que atuam na favela acusam policiais militares de terem invadido casas e executado algumas vítimas. A polícia nega. Formado por 15 favelas com 130 mil moradores, o Complexo da Maré, atualmente, é dominado por duas facções de traficantes de drogas e uma milícia. A região deverá ser ocupada pelas forças de segurança em agosto, para futura instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Há duas semanas, a PM realizou uma reunião com representantes de todas as associações de moradores da Maré. Segundo a diretora de uma ONG, na ocasião, foi dito que o conjunto de favelas começará a ser ocupado em agosto, logo depois da Jornada Mundial da Juventude (JMJ).

terça-feira, 25 de junho de 2013

BISOL: PASSEI ANOS DESMILITARIZANDO A POLÍCIA

SUL 21 - 24/jun/2013, 0h31min

“Passei anos desmilitarizando a polícia”, lembra José Paulo Bisol



“Também é preciso ter um pouco de amor por esses policiais” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21


Samir Oliveira e Rachel Duarte


Ex-secretário de Segurança Pública do governo Olívio Dutra (PT), José Paulo Bisol afirma que passou sua gestão inteira tentando desmilitarizar a Brigada Militar. “Eles são submetidos a uma educação militar antidemocrática”, considera.

Aos 85 anos, José Paulo Bisol recebeu a equipe do Sul21 em sua casa, no município de Osório, para falar sobre segurança pública e policiamento. Ex-candidato a vice de Lula em 1989, quando ainda era filiado ao PSB, Bisol ainda mantém uma filiação formal ao PT – apenas por não ter se dado ao trabalho de cancelar -, mas assegura que não possui mais identificação com o partido. “O PT não existe mais”, entende.

Nesta entrevista, Bisol comenta também sobre as manifestações que vêm ocorrendo no país. Ele se mostra entusiasmado com o movimento, mas lamenta que as causas defendidas, na sua avaliação, sejam “muito pobres”.

“A função policial é a mais difícil que existe e escolhemos os mais pobres para realizá-la”

Sul21 – Como o senhor avalia estes protestos que vêm ocorrendo no país inteiro ?
Bisol – Eu, pela própria condição da minha vida, sou um espectador, olho de longe. Isso já lamento. É um lamento de velho, pois eu gosto é de participar. Sou solidário com eles. O fato de haver violência é inerente a estes movimentos. O ser humano tem tendência para a violência e se a circunstância o envolve… Por melhor que eu seja, se eu me envolvo num movimento, se eu tenho paixões – e se eu não tenho paixões, não sou bem um ser humano -, essas paixões se manifestam e se põem para fora. A violência tem esse aspecto, ela é nossa. Não é dos outros.


“Eu fico impressionado com esse movimento” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – A ação dos manifestantes pode ser uma resposta à violência da polícia?
Bisol – A polícia de hoje é bem melhor estruturada do que a de 20 anos atrás. A função policial é a mais difícil que existe e escolhemos os mais pobres para realizá-la. Eles são submetidos a uma educação militar antidemocrática. A polícia, hoje, até a militar, é bem desmilitarizada. Eu passei anos na Secretaria (de Segurança Pública) desmilitarizando a polícia, dando cursos de procedimentos não militares. A Brigada é militar em sua organização corporativa, mas é razoavelmente desmilitarizada, no sentido de que a função policial é diferente da função militar.

Sul21 – Em diversos protestos, houve confrontos entre as policias militares e os manifestantes.
Bisol - Também é preciso ter um pouco de amor por esses policiais. Eles participam dessa sociedade dura em que vivemos e exercem uma função muito difícil. Eu defendo muito esses policiais e acho que a Brigada, dentro das condições atuais, é uma boa polícia. Excessos sempre ocorrem. Existe um estudante, como o Pierre, que sai do formato e dos limites do movimento e quebra as vidraças. Existem quantos Pierres? Cada um carrega uma consciência de si e um inconsciente.

“Eu sou homem de esquerda e acho que a esquerda está morta. Se vocês me disserem que Lula é de esquerda eu desmaio”

Sul21 – E o que o senhor pensa sobre as causas que eles defendem?
Bisol – Eu fico impressionado com esse movimento do qual sou solidário, quero que eles tenham condições de continuar para ver se produzem as modificações que querem. Só que essas modificações são muito pobres. Mudar preço de passagem de ônibus e por no meio coisas sem nenhuma viabilidade de realização, como suspender a corrupção… Se nos reunirmos para debater como acabar com a corrupção, certamente chegaremos até o Congresso. Porque o setor de onde emerge mais corrupção no Brasil é o Congresso. Eu participei desse Congresso. É preciso amadurecer e saber o que se quer. Se querem ir contra a Corrupção, como vão inventar um novo Congresso?



“A teoria do fetiche da mercadoria é válida até hoje. Vocês devem estudá-la” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Faltariam propostas mais concretas, na sua avaliação?
Bisol – Um movimento desses é uma oportunidade sagrada. Hegel dizia que a razão humana é astuta: fazemos uma coisa e a razão produz outra. A tua e a minha razão seriam capazes de ser mais do que a razão é em nós dois, porque produziria um resultado imprevisto por nós. Eu tenho esperança que esse movimento ganhe forças. Eu sou homem de esquerda e acho que a esquerda está morta. Se vocês me disserem que Lula é de esquerda eu desmaio. É meu amigo, tenho admiração por ele. Mas não é de esquerda, é um capitalista tremendo. Eu gostaria que esse movimento adquirisse uma força transformadora, aí vale a pena. As circunstâncias são favoráveis a isso, no sentido de que há movimentos no mundo inteiro. Mas percebo que ninguém se arrisca a dizer qual é o sentido deste movimento.

Sul21 – Quais propostas teriam que ser defendidas, na sua opinião?
Bisol - Existe vulgarização nas redes sociais e tenho medo que ela atinja os agentes do movimento. As causas são muito pequenas. Para um país que tem o problema de identidade que nós temos… Diminuir preços não é bem o nosso problema. Nosso problema é: quem somos nós? Até onde temos qualidades para perceber a realidade e pensar sobre ela? O século XX foi o século das grandes narrativas, que eram filosofias políticas. Esse século deu o nazismo, o fascismo, o comunismo, que é uma coisa de louco. O fascismo era o mais vulgar. O nazismo teve essa loucura assassina de colocar judeus como símbolo do mal. Não havia movimento que não tivesse uma teoria por detrás. E, às vezes, teorias espetaculares. Marx não é brincadeira. A teoria do fetiche da mercadoria é válida até hoje. Vocês devem estudá-la. Na adolescência, eu ficava impressionado com os guris comunistas, que sabiam muito mais do que eu. Eu tinha aprendido a viver longe das teorias. Eu tinha vivido na alienação histórica mais profunda da humanidade, que é a religião. Você tem direito de acreditar em Deus, mas não tem o direito de exigir que o outro acredite. E você não tem o direito de transformar seus princípios religiosos em lei. E você não tem o direito de não ser suficientemente lúcido para perceber que, se Deus existe, ele é inacessível. Tua razão não alcança. Como se prova isso? Deus sempre é representado por uma figura humana ou animal. Não temos como pensá-lo.

Sul21 – A interferência religiosa na política é um tema bastante atual.
Bisol – O que os evangélicos estão fazendo é uma fundamentalização da religião. E eu não sei qual será o futuro dos Estados Unidos, onde as pequenas religiões crescem. São, inclusive, soluções econômicas. Às vezes, perdemos este sentido. A droga é uma solução econômica. Já imaginou o que eles fazem de dinheiro? Se eu fosse muito pobre, não sei se não iria vender droga.


“Sofri muito. Eu era um ingênuo. A minha esquerda, o meu modo de viver a esquerda, era muito romântico”

“O que temos são partidos cínicos, que não possuem sequer um programa” | 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Voltando ao assunto das manifestações, há uma insatisfação em boa parte das pessoas com relação aos partidos políticos.
Bisol – Quando tu quiseres lidar contra a corrupção no Brasil, tem que começar pelo Congresso e pelos partidos. Os partidos políticos brasileiros são uma vergonha. Havia um com alguma estruturação de povo e com uma substância um pouco camponesa e religiosa: o PT. Mas esse PT não existe mais. O que temos são partidos cínicos, que não possuem sequer um programa. Estão pensando cada dia como vão aprimorar seu interesse eleitoral e quanto dinheiro é preciso para isso. Se o sistema continuar assim, quem tiver mais dinheiro ganha a eleição. Eu gostei de ver os guris quebrarem a bandeira de um partido em São Paulo. Há uma rejeição bonita e verdadeira aos partidos. Há uma relação bem clara entre causa e efeito. Não dá mais para aguentar os partidos. Mas na hora de votar, quem vota são os interessados no que está aí.

Sul21 – O senhor disse que a esquerda está morta. Quando ela começou a morrer?
Bisol – Acompanhei a esquerda e tive participação política. Não gosto nem de lembrar disso, porque sofri muito. Eu era um ingênuo. A minha esquerda, o meu modo de viver a esquerda, era muito romântico, não tinha efetividade nenhuma. Chegou um ponto em que a esquerda não tinha mais caminhos para mim. Eu continuo à esquerda. Mas é preciso dizer com simplicidade: esquerda não tem mais profundidade nenhuma. É apenas uma expressão para dizer que eu não estou do lado dos conservadores. O meu princípio é de que tudo está sempre mudando. Em polícia e em democracia, não penso somente como Marx, penso como Jefferson, da revolução americana, que quando venceu disse: “de 20 em 20 anos temos que renovar”.

Sul21 – É preciso renovar a democracia brasileira?
Bisol - Todo sistema, depois de um certo tempo, não tem mais coincidência com o povo, que se renovou e tem outros sonhos. Temos que estar sempre mudando. O Brasil precisa mudar sua estrutura de governo. Não é passar para as estruturas que existiram no passado, mas é inventar um novo Congresso. Esse Congresso é insuportável. É tão insuportável estar lá dentro como tê-lo ao lado. Lá dentro tem gente muito boa. Mas o sistema é poderoso e aí vem novamente Hegel: há uma força que não é de ninguém, mas que já se consolidou como uma espécie complexa de hábitos mentais que não se muda mais. Isso que consolida os absurdos. O Congresso Nacional é um absurdo descarado, eles não têm nem vergonha. Eu estive lá dentro e vi pessoas maravilhosas, como Darcy Ribeiro, um grande espírito de nação e de solidariedade humana. Então é isso, estou de acordo com este movimento. Mas, sem estar definitivamente fechando o assunto, porque tudo ainda está em andamento, digo que há muita superficialidade nas causas. Não se faz transformação só com isso.


“Não posso me considerar pessoalmente. Tenho que considerar as pessoas que estão em torno de mim” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Uma reforma política profunda seria a saída?
Bisol – Temos que começar mudando nós mesmos. Não posso me considerar pessoalmente. Tenho que considerar as pessoas que estão em torno de mim. Em Osório, por exemplo, uma eleição é antiquada, com churrascos, festinhas. Acho interessante que esses guris têm a coragem de pretender obstruir um pouco as partidas de futebol. É uma coragem de adolescente. Há um contrato internacional. Não existe presidente nem nada: a polícia tem que ir e impedir. É um risco para os guris.
“Tarso é um capitalista contra o capitalismo selvagem”

Sul21 – Como o senhor avalia o governo Dilma?
Bisol – Acho a Dilma uma pessoa com uma estrutura política pessoal fantástica. Ela é muito equilibrada e com uma consciência de si bastante amadurecida, sem se pretender a uma transcendência. Só que ela tem que governar ao contrário do que ela pensa. Quantas pessoas ela tem, verdadeiramente, do lado dela? Está todo mundo ao lado dela para que ela governe exatamente como está governando, não como gostaria. Esse é o problema dela, a meu ver, sem pretensão nenhuma de não errar.

Sul21 – E o governo Tarso?
Bisol – Tarso é uma bela pessoa. Gosto muito dele, é meu amigo. Isso é preciso ser dito, pelo que vou dizer agora. O Tarso é o Lula do Rio Grande. Não tem nada de revolucionário. É um capitalista contra o capitalismo selvagem. As soluções dele são capitalistas. O PT não existe mais. Estou dizendo isso literalmente. É igual ao PMDB e a qualquer outro partido.

Sul21 – O PT existia no final dos anos 1980, na época do Olívio?
Bisol – Opa! Olívio é do PT camponês. Não é religioso, mas é da esquerda religiosa. Do ponto de vista dos intelectuais, naquela época ainda existia no mundo a esquerda lacaniana, que é sensacional. Teoricamente, é, hoje, a mais atual. Mas Tarso e a maioria do PT são como o Lula. Eles estão dentro do sistema e de acordo com o sistema. Querem mudar algumas coisinhas, no sentido de que “se eu faço, eu sou”. O fazer precisa aparecer. Politicamente, não existe outro caminho. Sem aparecer, não existem votos. E aí já existe uma tremenda contradição na política, porque o sujeito está sendo político e está pensando em se reeleger. Um dos males da política mundial é que política não pode ser profissão.


“Governamos com muita dificuldade. Houve resistências ocultas” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor foi Secretário de Segurança. Na sua avaliação, os governos estaduais possuem controle sobre a Brigada Militar?
Bisol – É um controle conflitivo e dialético. Eles têm o sentido de corporação. A Brigada é uma corporação. Como corporação, supõe uma certa independência. Eles têm muita tradição no sentido de respeitar a figura do governador. O secretário representa o governador. Eu nunca tive grandes dificuldades. Tive outro tipo de dificuldades e posso contar. Quando assumi, um ex-secretário de Justiça, que era primo de uma pessoa que era muito minha amiga, se reunia com os velhos coronéis da Brigada e velhos delegados de polícia para preparar um jeito de impedir o Olívio de governar. Governamos com muita dificuldade. Houve resistências obscuras, não no debate público. Pelo contrário, o debate era tudo que eu pedia e eles nunca quiseram.

Sul21 – Que mudanças o senhor tentou impor na sua época?
Bisol – Eu queria, por exemplo, separar os bombeiros. É uma função muito positiva, generosa, sacrificial e sem violência. Acho que se deve separar. Isso era a parte externa. O que eu queria mesmo era uma desmilitarização espiritual. O tipo de formação militar, se for bem humanizada, é boa, disciplinarmente.

Sul21 – O senhor é a favor do fim da polícia militar, como sugere a ONU?
Bisol – Aí é outra ideia. Polícia tem que ser una. Se tu crias polícias muito diferentes, elas disputam privilégios entre si e não transferem informações. Estão agora com a PEC 37 e essa é uma intuição muito boa do movimento. É um horror essa PEC. Ela transforma a polícia brasileira na maior corporação do país. Vão abafar tudo o que quiserem. Nunca se deve concentrar competências. O que deve se concentrar é a unidade das polícias. Elas devem funcionar complementarmente e isso não existe no Brasil.

Sul21 – Como o senhor trabalhava diante de casos de abusos cometidos por policiais?
Bisol – Isso é um tema mundial. É o tema do código vermelho. Quando a corporação policial tem interesse, ela resolve seus problemas, independentemente de outras instituições. Quando eu assumi a secretaria, os códigos de honra eram fortíssimos na Polícia Civil e na Brigada Militar. Eles, inclusive, tinham pacto com bandidos. Das investigações que fiz, registro diversos encontros neste sentido.

“A RBS, lá embaixo, é unha e dente com a polícia”


“A mídia é muito policialesca” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Que investigações o senhor citaria?
Bisol - O mais importante são alguns inquéritos que fiz na época, contra tudo e contra todos. Encontrei alguns policiais extraordinariamente dignos para fazer esses inquéritos. Um deles, inclusive pedi ao Olívio que colocasse na Justiça Militar, o Brum. Ele fez o inquérito sobre o caso em que a polícia matou dois guris que eram assaltantes de ônibus. Eram dois irmãos. Como esses dois guris, num dos assaltos, mataram uma brigadiana, por um tiro infeliz de um deles, a Brigada inteira se reuniu, por fora da lei. Em um código de honra, foram à casa dos guris e massacraram os dois. Esse inquérito foi muito bem feito. Mas aí chegou uma hora em que a mídia começou a dizer que não era bem assim. Era como eu pensava, sim – muito pior até.

Sul21 – A mídia não concordava com o inquérito?
Bisol - O código de honra funciona de uma maneira em que os jornalistas às vezes cooperam com a polícia para ter as informações necessárias. A mídia tem muita ligação com a polícia. Eu fui funcionário da RBS. A RBS, lá embaixo, é unha e dente com a polícia. Se a polícia resolver não gostar de um secretário, assopra para a RBS e a RBS ajuda. Eu não tenho nada contra a RBS, embora eles tenham ajudado a me desmoralizar. Pelo contrário, trabalhei na RBS sem interesse de salário, por gosto. Depois quis sair, porque queria fazer política. Eles foram muito bacanas comigo, eu estava lá como diretor e não sabia fazer as coisas. Eles deveriam ter me posto na rua, mas foram muito tolerantes. Eu que tive que dizer que eu não sabia fazer, então me colocaram no rádio. Eu sou agradecido a eles. Depois se voltaram contra mim. Isso é outro assunto.


“Se a polícia mesmo se faz, ela e faz como quiser” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor estudou as cartilhas da ONU para tentar mudar a polícia. Para que a arma fosse utilizada em última instância.
Bisol – Sim. Inclusive fiz dois ou três editais para transformar comportamento tirando princípios da ONU. Quase me mataram. A mídia quase me matou. Me ridicularizaram até na Veja. Eu dizia que a polícia não pode atirar sem dominar a situação. Se pode acertar em outro, não atire. Se está em movimentação, não atire. Tem tanta gente morrendo não de tiro perdido, mas de tiro mal dado. Seja quem for o bandido, se houver risco de se acertar outras pessoas, então que não atirem. Fiz editais neste sentido e fui ridicularizado. A mídia é muito policialesca.

Sul21 – Qual a importância da formação policial para que se tenha uma polícia que respeite os direitos humanos?
Bisol – Nenhum secretário fez muito por isso. O problema é que as polícias conseguiram, com apoio do Congresso, fazer eles mesmos a sua escola, assim como o Exército. A Polícia Civil que faz seu curso em Porto Alegre. Não pode ser assim. Se a polícia mesmo se faz, ela se faz como quiser.
“Polícia não tem que acabar com ninguém. Ela tem que exercer proteção. Poĺícia tem que te dar espaço e tranquilidade”

Sul21 – Então secretários não têm poder de modificar a formação?
Bisol – Têm, porque nós fazíamos cursos. É preciso fazer cursos civis para desmilitarizar a polícia. Mas não pense que a Polícia Civil não tem também uma concepção militar. O Brasil como nação possui uma concepção militar. O pensamento de que eles são bandidos e nós representamos os bons, então precisamos acabar com eles. Isso não é polícia. Polícia não tem que acabar com ninguém. Ela tem que exercer proteção. Polícia tem que te dar espaço e tranquilidade. No que diz respeito aos criminosos, tem que buscá-los e prendê-los.

Sul21 – E diante de uma manifestação, como a polícia deve agir?
Bisol – Não há possibilidade nenhuma de se acertar. Sempre vai haver um ponto discutível, porque vai haver violência. Agora, não se pode deixar um movimento chegar a subir em cima do Congresso. Isso é muito bonito, mas tu tens que ir para a capela rezar para que nada aconteça. Se desse correria lá, teríamos aleijados para tudo que é lado. Não pode deixar se aproximar três metros. O movimento tem que ter espaços livres e tem que ter consciência de que existem lugares onde o acesso não é permitido. É preciso deixar que o movimento tenha flexibilidade. E eles estão bem inteligentes, fazem diversos grupos.


“Há, universalmente, um desencanto com o sistema capitalista” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como o senhor avalia a luta pelos direitos humanos hoje?
Bisol – Fui uma pessoa muito integrada com os direitos humanos, mas hoje sou mais revolucionário. Hoje leio que a revolução sempre fracassa, acaba em terrorismo. Outro dia dei uma palestra aqui na universidade e, depois, fui almoçar com uns amigos e um deles me perguntou: “e se o senhor tivesse que matar pela causa?”. Eu respondi: “se eu tivesse certeza da minha causa, eu mataria”. Mas é difícil ter certeza. A vida de cada um de nós, o que nós pensamos, sentimos e amamos, está dentro de uma verdade que nunca pode ser esquecida: o ser humano se caracteriza pela finitude. Ele nunca alcança o que gostaria de alcançar. Ninguém alcança. A não ser que o objetivo seja diminuir as passagens de ônibus. Isso é algo que a ignorância brasileira nacional não consegue compreender. Somos uma espécie estranha de iluminismo. As pessoas, eu, tu, nós, agimos como se nossas cabeças resolvessem tudo. Como se fôssemos racionais. O que o desejo sexual tem a ver com a razão? E não é normal e natural? E não é estranho? Tu não dominas muito. E não seria bonito, se não tivessem todos esses desvios morais que colocam em cima? A relação seria muito mais transcendente se não fosse o moralismo. A verdade é que ela não é racional, é animal. Pode até existir uma substância espiritual, mas o desejo, seja de quem for, é sexual mesmo. Lacan diz que não se chega nunca à realização sexual, o que é absoluta verdade.

Sul21 – O senhor disse que a esquerda está morta, os partidos são uma vergonha e o Congresso é um absurdo. Como agir diante deste cenário?
Bisol – O que estou dizendo com isso? Estamos precisando de um evento, um fato que mude tudo. É a revolução. Isso pode ocorrer. Há sinais. Há, universalmente, um desencanto com o sistema capitalista. O liberalismo é algo cansado. Mas, como não existe cultura política, ninguém pensa contra. Tanto é que fazem um movimento para mudar preços.

Sul21 – Outros partidos de esquerda que estão na origem destas manifestações atuais não são capazes de produzir uma nova teoria que dê conta dos nossos tempos?
Bisol – Como agentes políticos, esses partidos são interessantes. Mas não têm perspectivas, porque nada se reproduz. Gadamer dizia que compreender é sempre mudar a compreensão. Quando eu compreendo algo, o que mudou foi minha capacidade de compreender. Eles querem refazer uma história que já está feita. Já passou o tempo. É intempestivo. É preciso inventar algo que coincida com essa mentalidade um pouco esvaziada, mas muito produtiva tecnicamente, e que tem riqueza de habilidades e de imaginação nos seus setores.


Matéria indicada por Darlan Adriano

segunda-feira, 24 de junho de 2013

NAMORANDO COM O SUICÍDIO

Policial chorando


Este artigo é apropriado para o momento em que o Brasil acorda e sai às ruas para protestar, quando policiais militares são alvos de críticas duras, esquecendo que são eles os únicos servidores públicos que tentam proteger os manifestantes e o povo em geral das ações de vândalos, baderneiros e bandidos. O resultado destas críticas, do jogo de empurra dos governantes e das medidas que enfraquecem o esforço dos policiais podem gerar estratégias pontuais, centralização das forças, desmotivação, omissão e leniência, na mesma proporção que o poder político e a justiça estão se portando. A consequência maior será a vulnerabilidade das pessoas e do patrimônio privado, especialmente. 

A sensação de segurança não se consolida apenas com forças de segurança (polícia), mas com ações e processos administrativo, judiciário e legislativo, que interagem e se complementam num sistema de justiça criminal. O fato é que, no Brasil, a segurança pública vem sendo tratada de forma administrativa e partidária como "forças de segurança", e não como uma questão de justiça criminal envolvendo o judiciário, o MP, a defensoria e o setor prisional. Não é a toa que os policiais estão abandonados e as políticas de "segurança pública" não dão, e não darão certo no Brasil, enquanto não mudar a visão e a postura dos políticos, magistrados e promotores públicos.


REVISTA VEJA, 28/01/2013



 J.R.Guzzo


Se nada piorar neste ano de 2013, cerca de 250 policiais serão assassinados no Brasil até o próximo dia 31 de dezembro. É uma história de horror, sem paralelo em nenhum país do mundo civilizado. Mas estes foram os números de 2012, com as variações devidas às diferenças nos critérios de contagem, e não há nenhuma razão para imaginar que as coisas fiquem melhores em 2013 — ao contrário, o fato de que um agente de polícia é morto a cada 35 horas por criminosos, em algum lugar do país, é aceito com indiferença cada vez maior pelas autoridades que comandam os policiais e que têm a obrigação de ficar do seu lado. A tendência, assim, é que essa matança continue sendo considerada a coisa mais natural do mundo — algo que “acontece”, como as chuvas de verão e os engarrafamentos de trânsito de todos os dias.

Raramente, hoje em dia, os barões que mandam nos nossos govemos, mais as estrelas do mundo intelectual, os meios de comunicação e a sociedade em geral se incomodam em pensar no tamanho desse desastre. Deveriam, todos, estar fazendo justo o contrário, pois o desastre chegou a um extremo incompreensível para qualquer país que não queira ser classificado como selvagem. Na França, a ficar em um exemplo de entendimento rápido, 620 policiais foram assassinados por marginais nos últimos quarenta anos — isso mesmo, quarenta anos, de 1971 a 2012. São cifras em queda livre. Na década de 80, a França registrava, em média, 25 homicídios de agentes de polícia por ano, mais ou menos um padrão para nações desenvolvidas do mesmo porte. Na década de 2000 esse número caiu para seis — apenas seis, nem um a mais, contra os nossos atuais 250. O que mais seria preciso para admitir que estamos vivendo no meio de uma completa aberração?

Há alguma coisa profundamente errada com um país que engole passivamente o assassínio quase diário de seus policiais — e, com isso, diz em voz baixa aos bandidos que podem continuar matando à vontade, pois, no fundo, estão numa briga particular com "a polícia", e ninguém vai se meter no meio. Essa degeneração é o resultado direto da política de covardia a que os governos estaduais brasileiros obedecem há décadas diante da criminalidade. Em nenhum lugar a situação é pior do que em São Paulo, onde se registra a metade dos assassinatos de policiais no Brasil; com 20% da população nacional, tem 50% dos crimes cometidos nessa guerra. É coisa que vem de longe. Desde que Franco Montoro foi eleito governador, em 1982, nas primeiras eleições diretas para os governos estaduais permitidas pelo regime militar, criou-se em São Paulo, e dali se espalhou pelo Brasil, a ideia de que reprimir delitos é uma postura antidemocrática — e que a principal função do estado é combater a violência da polícia, não o crime. De lá para cá, pouca coisa mudou. A consequência está aí: mais de 100 policiais paulistas assassinados em 2012.

O jornalista André Petry, num artigo recente publicado nesta revista, apontou um fato francamente patológico: o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, conseguiu o prodígio de não comparecer ao enterro de um único dos cento e tantos agentes da sua polícia assassinados ao longo do ano de 2012. A atitude seria considerada monstruosa em qualquer país sério do mundo. Aqui ninguém sequer percebe o que o homem fez, a começar por ele próprio. Se lesse essas linhas, provavelmente ficaria surpreso: "Não, não fui a enterro nenhum. Qual é o problema?". A oposição ao governador não disse uma palavra sobre sua ausência nos funerais. As dezenas de grupos prontos a se indignar 24 horas por dia contra os delitos da polícia, reais ou imaginários, nada viram de anormal na conduta do governador. A mídia ficou em silêncio. É o aberto descaso pela vida, quando essa vida pertence a um policial. É, também, a capitulação diante de uma insensatez: a de ficar neutro na guerra aberta que os criminosos declararam contra a polícia no Brasil.

Há mais que isso. A moda predominante nos governos estaduais, que vivem apavorados por padres, jornalistas, ONGs, advogados criminais e defensores de minorias, viciados em crack, mendigos, vadios e por aí afora, é perseguir as suas próprias polícias — com corregedorias, ouvidorias, procuradorias e tudo o que ajude a mostrar quanto combatem a "arbitrariedade". Sua última invenção, em São Paulo, foi proibir a polícia de socorrer vítimas em cenas de crime, por desconfiar que faça alguma coisa errada se o ferido for um criminoso; com isso, os policiais paulistas tornam-se os únicos cidadãos brasileiros proibidos de ajudar pessoas que estejam sangrando no meio da rua. É crescente o número de promotores que não veem como sua principal obrigação obter a condenação de criminosos; o que querem é lutar contra a “higienização" das ruas, a “postura repressiva” da polícia e ações que incomodem os “excluídos”. Muitos juizes seguem na mesma procissão. Dentro e fora dos governos continua a ser aceita, como verdade científica, a ficção de que a culpa pelo crime é da miséria, e não dos criminosos. Ignora-se o fato de que não existe no Brasil de hoje um único assaltante que roube para matar a fome ou comprar o leite das crianças. Roubam, agridem e matam porque querem um relógio Rolex; não aceitam viver segundo as regras obedecidas por todos os demais cidadãos, a começar pela que manda cada um ganhar seu sustento com o próprio trabalho. Começam no crime aos 12 ou 13 anos de idade, estimulados pela certeza de que podem cometer os atos mais selvagens sem receber nenhuma punição; aos 18 ou 19 anos já estão decididos a continuar assim pelo resto da vida.

Essa tragédia, obviamente, não é um “problema dos estados”, fantasia que os governos federais inventaram há mais de 100 anos para o seu próprio conforto — é um problema do Brasil. A presidente Dilma Rousseff acorda todos os dias num país onde há 50000 homicídios por ano; ao ir para a cama de noite, mais 140 brasileiros terão sido assassinados ao longo de sua jomada de trabalho. Dilma parece não sentir que isso seja um absurdo. No máximo, faz uma ou outra reunião inútil para discutir “políticas públicas” de segurança, em que só se fala em verbas e todos ficam tentando adivinhar o que a presidente quer ouvir. Não tem paciência para lidar com o assunto; quer voltar logo ao seu computador, no qual se imagina capaz de montar estratégias para desproblematizar as problematizações que merecem a sua atenção. Não se dá conta de que preside um país ocupado, onde a tropa de ocupação são os criminosos.

Muito pouca gente, na verdade, se dá conta. Os militares se preocupam com tanques de guerra, caças e fragatas que não servem para nada; estão à espera da invasão dos tártaros, quando o inimigo real está aqui dentro. Não podem, por lei. fazer nada contra o crime — não conseguem nem mesmo evitar que seus quartéis sejam regularmente roubados por criminosos à procura de armas. A classe média, frequentemente em luta para pagar as contas do mês, se encanta porque também ela, agora, começa a poder circular em carros blindados: noticia-se, para orgulho geral, que essa maravilha estará chegando em breve à classe C. O número de seguranças de terno preto plantados na frente das escolas mais caras, na hora da saída, está a caminho de superar o número de professores. As autoridades, enfim, parecem dizer aos policiais: “Damos verbas a vocês. Damos carros. Damos armas. Damos coletes salva-vidas. Virem-se”.

É perturbadora, no Brasil de hoje, a facilidade com que governantes e cidadãos passaram a aceitar o convívio diário com o mal em estado puro. É um "tudo bem” crescente, que aceita cada vez mais como normal o que é positivamente anormal — “tudo bem” que policiais sejam assassinados quase todos os dias, que 90% dos homicídios jamais cheguem a ser julgados, que delinquentes privatizem para seu uso áreas inteiras das grandes cidades. E daí? Estamos tão bem que a última grande ideia do governo, em matéria de segurança, é uma campanha de propaganda que recomenda ao cidadão: “Proteja a sua família. Desarme-se”. É uma bela maneira, sem dúvida, de namorar com o suicídio.

domingo, 23 de junho de 2013

A REVOLTA DO GÁS LACRIMOGÊNEO


As semanas que mudariam a história da política brasileira começaram com um protesto desinteressante. Os outros atos se sucederam com novidades: jovens dispostos a resistir à PM, arregimentados em redes sociais, lidando com o despreparo das autoridades

22 de junho de 2013 | 18h 13

Bruno Paes Manso e Diego Zanchetta - O Estado de S. Paulo





1º PROTESTO (quinta-feira, dia 6): Eram só cerca de 150 meninos do Movimento Passe Livre (MPL) e estudantes ligados ao PSOL e PSTU em frente à Prefeitura. Eles já haviam feito manifestações semelhantes em outros anos. Sem novidades.

Eles estavam na calçada, não atrapalhavam o trânsito e cantavam, em uníssono: "mãos para o alto, 3,20 é um assalto". Nada indicava que haveria surpresas. A manifestação deveria virar uma nota no jornal do dia seguinte.

Mas a PM decidiu agir. Por excesso de zelo - talvez um erro histórico -, passou a lançar bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral contra os jovens. Os manifestantes fugiram e foram seguidos até o Vale do Anhangabaú, entre a neblina do gás tóxico.

Começaria a ousada tática dos manifestantes de reagir via barricadas e interrupção do trânsito na hora do rush. Primeiro foram as Avenidas 23 de Maio e 9 de Julho. Depois, eles correram para a Avenida Paulista e se sentaram em frente ao Masp. A Tropa de Choque entrou em ação. Mesmo sem que houvesse tempo para perceber, algo novo e histórico estava acontecendo.

2º PROTESTO (sexta-feira, dia 7): No dia seguinte, os holofotes da imprensa já haviam se voltado para os jovens do MPL e dos partidos de esquerda. Eles se concentrariam no Largo da Batata - 5 mil pessoas compareceram ao ato. A combinação do grupo com a PM era encerrar na Avenida Eusébio Matoso, mas os jovens se dirigiram à Marginal do Pinheiros e interromperam o trânsito no rush antes do feriado. Em piada infeliz, um promotor pediu à PM que atirasse nos manifestantes.

A Tropa de Choque veio novamente com bombas de gás para liberar a pista. O comandante do Choque, coronel César Morelli, era o mesmo que havia abusado das bombas de gás um ano antes, no Pinheirinho, em São José dos Campos. A neblina tóxica não assustou os jovens, que passaram a correr da PM, a se concentrar em novos pontos e a interromper novas vias com barricadas. A ousadia do grupo causou perplexidade. A PM estava perdida.

3º PROTESTO (terça-feira, dia 11): A terça-feira da semana seguinte seria o dia da demonstração de força na Avenida Paulista. As redes sociais começavam a mostrar seu potencial. No terceiro protesto, os jovens e adolescentes que não tivessem em sua timeline do Facebook uma foto na passeata estariam cometendo suicídio social. Seriam os fracassados da escola. Doze mil pessoas compareceram.

A passeata começou de forma festiva na Consolação e não dispersou mesmo com o temporal. A PM acompanhava o cortejo de perto, sem provocar problemas. A situação só mudou de figura quando o grupo chegou ao terminal de ônibus D. Pedro II. Os manifestantes quiseram entrar, mas foram impedidos pela Tropa de Choque. Houve tentativa de negociação, mas novamente as bombas de gás foram o argumento usado pela PM para botar os jovens para correr.

Na subida da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, outra novidade surgiria. Jovens com afinidades anarquistas, boa parte deles pertencente a grupos de pichação que praticam cotidianamente a desobediência civil, os chamados Black Blocks, a "tropa de choque" dos protestos, subiram em direção à Paulista, quebrando agências bancárias, ônibus e pichando prédios públicos. O despreparo da PM se revelou novamente. Soldados quase foram linchados, em fotos que repercutiram nos jornais. Havia um clima de basta no ar. E os manifestantes persistiriam.

4º PROTESTO (quinta-feira, dia 13): O quarto dia de protestos deve ser apontado como o capítulo decisivo da novela. A população já parecia cansada de ser atrapalhada e havia no ar um clima de apoio a ações mais enérgicas da PM. Os policiais foram para as ruas dispostos a manter a Avenida Paulista livre. Cerca de 5 mil pessoas compareceram. PMs e estudantes combinaram que o ato se dispersaria na Praça Roosevelt.

Só que, na Consolação com a Rua Maria Antônia, a passeata insistiu em seguir em direção à Paulista. Cerca de mil policiais estavam preparados para impedir. As bombas começaram a ser lançadas. Na pista da Consolação sentido centro, carros parados foram bombardeados, juntamente com os manifestantes. Bombas e balas de borracha foram disparadas sem constrangimento. Policiais atiravam mesmo quando eram flagrados pelas câmeras de jornais e televisão. Jornalistas ficaram feridos, além de mais de cem manifestantes. A covardia e os excessos policiais, mostrados insistentemente na internet e nas TVs, viraram o jogo. Os jovens do MPL começavam a conquistar, junto com sua geração, um lugar na história.

5º PROTESTO (segunda-feira, dia 17): Quarenta e cinco anos depois, São Paulo parecia reviver ares dos protestos de 1968 na quinta passeata. Perto de 100 mil pessoas foram às ruas, partindo do Largo da Batata rumo à Faria Lima. O Facebook havia se tornado praticamente monotemático. A incapacidade da PM para lidar com a novidade política que surgia havia sido escancarada pelos jovens. O secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, sentiu o peso da opinião pública e determinou que os policiais do Choque só agiriam se fosse extremamente necessário.

Ondas de manifestantes se dividiram por três caminhos. Um grupo foi para a Ponte Estaiada, outro para a Paulista e um terceiro, mais radical, foi atacar o Palácio dos Bandeirantes. Depois de tanta desconfiança nos políticos, os jovens bem articulados do MPL tornavam-se a mais agradável surpresa do cenário recente.

Não se reclamava mais do trânsito nem dos protestos. A imprensa havia abraçado a causa. O comentarista Arnaldo Jabor, depois de criticar o movimento no início dos protestos, se desculpou e admitiu o erro. O Brasil parecia mudado, como se uma ficha gigante houvesse caído em algum momento.

6º PROTESTO (terça-feira, dia 18): Apesar do sucesso de público das passeatas, os políticos se mantinham irredutíveis até o sexto manifesto e não reduziam a tarifa. Foi quando os anarquistas dos Black Blocks decidiram entrar em ação. Quando todos esperavam mais uma passeata tranquila, com 30 mil pessoas, São Paulo viveu três horas de caos na mão de 300 jovens. O prédio da Prefeitura, o Teatro Municipal e o monumento da Praça do Patriarca foram pichados; 20 lojas, destruídas e saqueadas. A PM não agiu. Manifestantes foram para a frente da casa do prefeito Fernando Haddad. A violência assustou os políticos, que pareciam ter perdido o controle da situação. E, estavam, de fato.

7º PROTESTO (quinta-feira, dia 20): A estratégia da violência deu resultados. Prefeito e governador revogaram os aumentos. Na sétima passeata, 100 mil pessoas foram à Avenida Paulista com demandas diversas. As ruas haviam mostrado sua força. O PT, percebendo os riscos políticos de ter sido colocado ao lado dos antigos opositores, tentou se mostrar como aliado do movimento. Militantes corajosos deram a cara à tapa na passeata. E acabaram sendo agredidos por parte da população. Os protestos e seus métodos haviam se espalhado pelas outras capitais. Barricadas e depredações viraram uma forma de pressão. O Brasil, mesmo sem saber para onde segue, pode nunca mais ser o mesmo.

FALSOS PROTESTOS CONFUNDEM POLÍCIA


Falsos protestos confundem polícia em Sorocaba

23 de junho de 2013 | 17h 53

JOSÉ MARIA TOMAZELA - Agência Estado


Grupos supostamente formados por estudantes lançam convocações de protestos pela internet, marcam data e local, atraem centenas de adesões, mas na hora marcada ninguém aparece. Só as forças de segurança. A estratégia se repetiu por duas vezes neste sábado (22), em Sorocaba, e está sendo investigada pela Polícia Civil. No final da tarde, pelo menos 30 homens da Guarda Municipal, além da Rondas Ostensivas do Município (Romu) montaram um esquema garantir a segurança do Paço Municipal. O prédio chegou a ser isolado - o estacionamento foi esvaziado.

A manifestação por melhorias no serviço público tinha mais de trezentas adesões no Facebook, mas ninguém apareceu. Alguns jovens circularam pelo local, aparentemente para confirmar a presença da polícia. Outro protesto, contra a PEC 37, marcado para ter início na Praça Cel. Fernando Prestes, no centro, também não ocorreu porque não apareceu ninguém, apenas viaturas da PM.

Para a tarde deste domingo (23), havia sido convocada uma manifestação pelo passe livre, desta vez no Parque Campolim, mas o movimento no local era apenas dos frequentadores usuais. O Movimento Catraca Livre, citado em algumas mensagens, negou ter convocado novos protestos.

OAB E SINDICATO DE JORNALISTAS DA BAHIA CONDENAM AÇÃO DA PM


OAB e sindicato de jornalistas da Bahia condenam ação da PM em protesto em Salvador. Na capital baiana, 30 manifestantes foram presos. Em Belo Horizonte, a polícia informou que foram 32 detidos


AGÊNCIA A TARDE
O GLOBO
Atualizado:23/06/13 - 15h02


Idoso fica ferido em protesto em Belo Horizonte durante confronto entre policiais e manifestantes AFP


SALVADOR — O advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Bahia, Domingos Arjones, disse neste domingo que presenciou policiais do Batalhão de Choque da Polícia Militar agredindo manifestantes que protestavam pacificamente no sábado, em Salvador. Trinta pessoas foram detidas ontem na capital baiana. Em Belo Horizonte, a Polícia Militar informou neste domingo que 32 pessoas foram presas durante protesto que reuniu 65 mil pessoas contra os gastos com a Copa e por mais investimentos em saúde e educação. Pelo menos 15 pessoas ficaram feridas nas duas cidades após confronto entre manifestantes e policiais.

— Eu acompanhei a manifestação do Campo Grande até o Iguatemi, quando eles sentaram para cantar o hino nacional, e a Polícia de Choque começou a agredir todo mundo — relatou o conselheiro da OAB.

Depois do flagrante, Arjones foi à 13ª Delegacia, para onde foram levados os presos.

— Foram 24 homens e seis mulheres. Elas foram presas acusadas de incitar a violência. A OAB vai prestar assistência jurídica gratuita a todas as pessoas que foram presas na manifestação e que estavam protestando pacificamente — informou.

Três adolescentes também foram apreendidos. De acordo com a polícia, eles carregavam coquetel molotov na mochila. Não há registro de ataques usando coquetel molotov durante os atos em Salvador.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba) também divulgou uma nota de repúdio aos atos de repressão praticados por policiais militares contra três jornalistas durante as manifestações em Salvador.

O repórter do portal Bahia Notícias Francis Juliano foi preso em frente ao Shopping Iguatemi ao questionar policiais sobre o motivo de espancarem um fotógrafo. De acordo com nota do Sinjorba, o jornalista Evilásio Júnior foi agredido com spray de pimenta no rosto, empurrões e palavrões por policiais militares.

"Os policiais, além da prisão arbitrária, agrediram os jornalistas com palavrões. Policiais também forçaram, na região dos Barris, o fotógrafo Tiago di Araújo, do Ibahia, a apagar fotos de sua máquina sobre a repressão ao movimento de protesto", diz a nota do sindicato que anuncia apoiar “as manifestações do povo brasileiro realizadas ao longo dos últimos dias, pedindo respeito à integridade física e ao direito de expressão garantidos pela Constituição Brasileira”.

A nota dia ainda que “é função dos jornalistas registrar os fatos decorrentes da ida da população às ruas e, quando esta atividade é cerceada pela brutalidade policial, trata-se de um grave sintoma da tentativa de encobrir o descontrole, abuso de autoridade e falta profissionalismo dos que atuam nas ruas para manter a ordem pública".

sábado, 22 de junho de 2013

PPROTESTO CONTRA A VIOLÊNCIA GRATUITA DE POLICIAIS DA PMSP

REVISTA ISTO É N° Edição: 2275 | 21.Jun.13


O retrato da covardia

A estudante universitária Gabriela Lacerda conta como se tornou símbolo da violência gratuita da Polícia Militar de São Paulo

Laura Daudén


Na noite da quinta-feira 13, a tropa de choque da Polícia Militar não se intimidou diante das câmeras que filmavam e fotografavam o quinto grande protesto em São Paulo. Apesar da profusão de imagens e histórias de violação que emergiram naquela noite, uma cena conseguiu reunir, sozinha, o sentimento de assombro e vulnerabilidade diante da truculência da PM: é a que mostra a estudante universitária Gabriela Lacerda, 24 anos, e seu namorado, Raul Longhini, 20 anos, sendo covardemente agredidos por um policial em um bar da avenida Paulista, que horas antes havia sido palco de enfrentamento entre policiais e manifestantes. A imagem foi estampada na capa da última edição de ISTOÉ, exatamente por simbolizar tudo o que o brasileiro não quer: a volta da repressão.



A estudante universitária de rádio e tevê que nasceu em Macapá, no Amapá, e se mudou para São Paulo há três anos tenta, agora, transformar seu drama em justiça. “Temos uma chance de dar uma lição no Estado, de mostrar que ele tem de nos respeitar, assim como nós a ele. Não vou deixar assim”, diz. No dia seguinte à agressão, ela e Raul registraram boletim de ocorrência e receberam orientações dos advogados que prestam assistência jurídica ao Movimento Passe Livre. “Eu processarei o Estado porque as agressões também aconteceram contra muitas outras pessoas que não têm as provas necessárias para identificar seus agressores. E eu tenho.” O policial que aparece nas imagens agredindo o casal não teve o nome revelado pela corporação e não portava a identificação obrigatória no uniforme. Questionada, a Polícia Militar limitou-se a afirmar que as denúncias de abuso serão apuradas pela Corregedoria. Nada disseram sobre o fato de o policial não estar identificado, prática que só é usada em combate ao crime organizado, para preservar o agente do Estado. Não há motivos para essa ação quando a missão é acompanhar legítimos movimentos sociais.



Enquanto a justiça não vem, Gabriela elucida o que viu e sentiu naquela noite. Era a primeira vez que ela se juntava ao coro do MPL. “Eu utilizo o transporte público todos os dias e o aumento ia doer no meu bolso”, diz. “Fui de coração aberto, sem motivo para brigar com ninguém. Fui para gritar um pouco, para ver se eles olham para a gente.” Ela conta que estava com o namorado e com um grupo de amigos quando a manifestação foi violentamente barrada pela Tropa de Choque. “A praça Roosevelt, no centro, parecia um campo de guerra. Os policiais soltavam bombas em uma quantidade desnecessária e disparavam balas de borracha na direção do rosto, a uma distância curtíssima. Eu presenciei tudo.” Depois da batalha na altura da rua Maria Antônia, ela e o grupo seguiram para a avenida 9 de Julho até alcançarem a rua Rocha, na Bela Vista, onde ela mora. Ali aconteceu a primeira abordagem. “Havia quatro viaturas da Força Tática. Eles mandaram a gente parar e nos revistaram. Xingaram como se fôssemos vândalos.” O grupo então decidiu seguir para a Paulista. Depois de mais uma abordagem da PM, dessa vez em frente ao Masp, eles decidiram parar no bar Charme da Paulista. A manifestação havia terminado e a avenida já estava liberada quando os policiais chegaram. Ao grito de “vergonha” dado por alguém, começou o ataque. “Derrubaram os copos das mesas com os cassetetes e mandaram que todos saíssem. Meu namorado foi lá fora reclamar da truculência e pedir calma. O PM começou a bater”, diz. Durante a agressão, Raul tropeçou em uma grade de ferro que havia sido derrubada pelos próprios policiais e Gabriela, que já havia sido agredida e ofendida por uma policial que não aparece na imagem, caiu junto com ele. “O policial continuou batendo enquanto estávamos no chão.” E só parou depois de perceber que estava cercado por veículos de comunicação, que captaram tudo.



Fotos: Pedro Dias / Ag. Istoé; Diego Zanchetta/Estadão


A DISCIPLINA NO USO DE ARMAS MENOS LETAIS

REVISTA ISTO É N° Edição: 2275 | 21.Jun.13

Conselho vai criar proposta de lei para regular o uso de balas de borracha, spray de pimenta e gás lacrimogêneo

Cilene Pereira e Mônica Tarantino

A utilização de armas de baixa letalidade no Brasil não é regulamentada por nenhuma lei, uma circunstância que deixa margem ao uso por vezes inadequado e, nesses casos, de difícil punição. No entanto, uma resolução firmada na terça-feira 18 pelo Conselho de Defesa da Pessoa Humana, vinculado à Secretaria de Direitos Humanos, deu o primeiro passo para começar a mudar o panorama por tantas vezes repetido na repressão a manifestantes nas últimas semanas. O documento recomenda que não devem ser usadas armas de fogo em manifestações e eventos públicos e considera que a utilização de instrumentos como spray de pimenta e balas de borracha só é aceitável quando comprovadamente necessário – para resguardar a segurança do agente policial e de terceiros ou quando há ameaças contra prédios públicos e privados, por exemplo. “Elas devem ser o último recurso”, diz o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios, relator do processo que culminou na resolução. “Não pode haver o uso genérico, banal, abusivo.” A resolução afirma ainda que armas não deverão, sob nenhuma hipótese, ser usadas contra crianças, adolescentes, gestantes, idosos e pessoas com deficiência.


EXCESSOS
A atitude do policial está totalmente errada. O spray de pimenta
só pode ser jogado a pelo menos dois metros de distância.
E o gás lacrimogêneo pode levar a sufocamento




A medida não tem força de lei, mas o conselho instalará uma comissão para criar uma legislação sobre o uso das armas menos letais. As ações têm como objetivo estabelecer critérios claros e precisos para o uso dos recursos, dando um freio nos abusos como os observados em vários momentos das manifestações que se espalharam pelo País. “As cenas que vimos revelam um absoluto despreparo da polícia”, acredita Aurélio.

Segundo o procurador, o que norteia a postura das polícias brasileiras são regras internas, inspiradas em normas internacionais obedecidas por outras forças policiais, como a Interpol. Em muitos países, a maioria segue os parâmetros determinados pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). É assim nos Estados Unidos e no Brasil.

Estabelecer precisamente em quais circunstâncias e de que maneira a polícia pode recorrer a esses instrumentos é mesmo urgente. Há alguns anos que spray de pimenta, bomba de gás lacrimogêneo e balas de borracha deixaram de ser considerados armas não letais. Passaram a ser classificados como menos letais. Ou seja, embora tenham um risco pequeno de matar, matam se forem manuseados por profissionais despreparados. “Dependendo da distância em que é atirada, a bala de borracha pode perfurar a pele e matar”, afirma Pedro Miranda, proprietário de uma empresa de explosivos e especialista em armas menos letais. De acordo com a organização espanhola Stop Bala de Goma, elas podem causar hemorragia cerebral e perfurações intestinal e pulmonar, entre outros danos. “E o excesso de gás lacrimogêneo em um ambiente mais fechado pode levar ao sufocamento e à morte”, complementa Miranda.

O spray de pimenta, por sua vez, pode causar lesões respiratórias com possibilidade de causar óbito. É por essa razão que uma das regras na sua utilização determina que, dependendo da concentração e da distância, só pode ser espargido a dez, a cinco e a dois metros de distância da pessoa. Situações como a da garota recebendo um jato de spray de pimenta bem próximo e diretamente no rosto, portanto, vão contra qualquer padrão de norma de uso. “No Batalhão de Choque, os policiais trabalham em formação. Quando um deles sai sozinho para atingir alguém, é sinal que é mal preparado”, avalia o coronel José Vicente da Silva Filho, professor do Centro de Altos Estudos da Polícia Militar de São Paulo.





PM É BALEADO NAS COSTAS EM BH



PM baleado nas costas é transferido para Hospital Militar, em BH. Soldado foi baleado em protesto, e não corre risco de morrer. Cabo também foi atingida, mas recebeu alta.


Do G1 MG, 22/06/2013 11h32



Um soldado da Polícia Militar (PM), de 33 anos, baleado na manifestação em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi transferido para o Hospital Militar na madrugada deste sábado (22). Ele levou um tiro nas costas, mas não corre risco de morrer. Uma cabo, de 38, recebeu um disparo na perna, foi socorrida na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA), em Justinópolis, foi atendida e ganhou alta médica. Outro sargento, de 29, levou uma pedrada no rosto, foi levado para a mesma UPA, e também recebeu alta, conforme informou a assessoria de imprensa da corporação.

Ainda nesta sexta-feira (21), a Câmara Municipal também foi depredada, de acordo com a PM. Ainda na mesma cidade, os protestos começaram pela manhã com a interdição da BR-040, na altura do km 513. O trecho foi fechado por manifestantes por mais de 12 horas, o que provocou um grande engarrafamento.

A população protestava contra as condições dos ônibus da empresa e o valor cobrado pela viagem até a capital mineira, que é de R$ 4,25. Um coletivo foi incendiado em uma marginal da rodovia. O congestionamento chegou a 20 quilômetros nos dois sentidos.
Ônibus é incendiado na BR-040, em Ribeirão das Neves, durante manifestação (Foto: Reprodução/TV Globo)

Ainda nesta sexta-feira (21), houve manifestação na Região do Barreiro, em Belo Horizonte, que, segundo a Polícia Militar, reuniu 10 mil pessoas. Os manifestantes caminharam pela Avenida Sinfrônio Brochado, passaram pela Via do Minério e foram até as obras do Hospital Metropolitano do Barreiro. Neste ponto, os manifestantes criticaram a demora na construção da unidade de saúde, que estava programada para ser inaugurada em julho de 2012. O ato foi pacífico e não houve registros de ocorrência.
Milhares se reúnem na Região do Barreiro, em Belo Horizonte (Foto: Reprodução/TV Globo)

Outro ponto de manifestação na capital mineira foi a Praça Sete, no Centro. Local principal de concentração dos protestos em Belo Horizonte, nesta sexta-feira a praça reuniu um grupo menor de pessoas, cerca de 1,5 mil, de acordo com a PM. Um pequeno grupo também fechou a BR-040 perto do Anel Rodoviário, no bairro Califórnia. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, o trânsito ficou congestionado.

Em Contagem, cidade da Região Metropolitana, duas mil pessoas protestaram durante a noite. Já na BR-381 – altura do km 513 – em Igarapé, cerca de 440 manifestantes fecharam a rodovia na Região Metropolitana de Belo Horizonte, segundo a Polícia Rodoviária Federal. Às 23h20, a via foi liberada.

Sobre o transporte em Ribeirão das Neves
Segundo a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), a redução das tarifas em R$ 0,15 será feita a partir do dia 1º de julho, como dito nesta quinta-feira (20) pelo governador Antonio Anastasia. Além disso, de acordo com a Setop, está programada uma reunião com empresa Transimão para a próxima semana, com o objetivo de discutir a melhoria da qualidade da linha.

Por meio de nota, a Transimão Transportes informou que está em contato com integrantes da comunidade de Ribeirão das Neves e com órgãos reguladores para avaliação do quadro de horários vigente dos coletivos. Ela reafirmou que cumpre o que está estipulado e que conta com uma frota moderna, cuja média de idade é de cinco anos.

A empresa informou ainda que troca os ônibus após oito anos de uso, tempo inferior ao indicado pelos órgãos regulamentadores da Região Metropolitana, que varia entre dez e 15 anos. Com relação às tarifas, a Transimão falou que não é de competência da empresa definir os valores.