ALERTA: A criminalidade e a violência crescem de forma assustadora no Brasil. Os policiais estão prendendo mais e aprendendo muitas armas de guerra e toneladas de drogas. A morte e a perda de acessibilidade são riscos presentes numa rotina estressante de retrabalho e sem continuidade na justiça. Entretanto, os governantes não reconhecem o esforço e o sacrifício, pagam mal, discriminam, enfraquecem e segmentam o ciclo policial. Os policiais sofrem com descaso, políticas imediatistas, ingerência partidária, formação insuficiente, treinamento precário, falta de previsão orçamentária, corrupção, ingerência política, aliciamento, "bicos" inseguros, conflitos, autoridade fraca, sistema criminal inoperante, insegurança jurídica, desvios de função, disparidades salariais, más condições de trabalho, leis benevolentes, falência prisional, morosidade dos processos, leniência do judiciário e impunidade que inutilizam o esforço policial e ameaçam a paz social.

terça-feira, 25 de junho de 2013

BISOL: PASSEI ANOS DESMILITARIZANDO A POLÍCIA

SUL 21 - 24/jun/2013, 0h31min

“Passei anos desmilitarizando a polícia”, lembra José Paulo Bisol



“Também é preciso ter um pouco de amor por esses policiais” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21


Samir Oliveira e Rachel Duarte


Ex-secretário de Segurança Pública do governo Olívio Dutra (PT), José Paulo Bisol afirma que passou sua gestão inteira tentando desmilitarizar a Brigada Militar. “Eles são submetidos a uma educação militar antidemocrática”, considera.

Aos 85 anos, José Paulo Bisol recebeu a equipe do Sul21 em sua casa, no município de Osório, para falar sobre segurança pública e policiamento. Ex-candidato a vice de Lula em 1989, quando ainda era filiado ao PSB, Bisol ainda mantém uma filiação formal ao PT – apenas por não ter se dado ao trabalho de cancelar -, mas assegura que não possui mais identificação com o partido. “O PT não existe mais”, entende.

Nesta entrevista, Bisol comenta também sobre as manifestações que vêm ocorrendo no país. Ele se mostra entusiasmado com o movimento, mas lamenta que as causas defendidas, na sua avaliação, sejam “muito pobres”.

“A função policial é a mais difícil que existe e escolhemos os mais pobres para realizá-la”

Sul21 – Como o senhor avalia estes protestos que vêm ocorrendo no país inteiro ?
Bisol – Eu, pela própria condição da minha vida, sou um espectador, olho de longe. Isso já lamento. É um lamento de velho, pois eu gosto é de participar. Sou solidário com eles. O fato de haver violência é inerente a estes movimentos. O ser humano tem tendência para a violência e se a circunstância o envolve… Por melhor que eu seja, se eu me envolvo num movimento, se eu tenho paixões – e se eu não tenho paixões, não sou bem um ser humano -, essas paixões se manifestam e se põem para fora. A violência tem esse aspecto, ela é nossa. Não é dos outros.


“Eu fico impressionado com esse movimento” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – A ação dos manifestantes pode ser uma resposta à violência da polícia?
Bisol – A polícia de hoje é bem melhor estruturada do que a de 20 anos atrás. A função policial é a mais difícil que existe e escolhemos os mais pobres para realizá-la. Eles são submetidos a uma educação militar antidemocrática. A polícia, hoje, até a militar, é bem desmilitarizada. Eu passei anos na Secretaria (de Segurança Pública) desmilitarizando a polícia, dando cursos de procedimentos não militares. A Brigada é militar em sua organização corporativa, mas é razoavelmente desmilitarizada, no sentido de que a função policial é diferente da função militar.

Sul21 – Em diversos protestos, houve confrontos entre as policias militares e os manifestantes.
Bisol - Também é preciso ter um pouco de amor por esses policiais. Eles participam dessa sociedade dura em que vivemos e exercem uma função muito difícil. Eu defendo muito esses policiais e acho que a Brigada, dentro das condições atuais, é uma boa polícia. Excessos sempre ocorrem. Existe um estudante, como o Pierre, que sai do formato e dos limites do movimento e quebra as vidraças. Existem quantos Pierres? Cada um carrega uma consciência de si e um inconsciente.

“Eu sou homem de esquerda e acho que a esquerda está morta. Se vocês me disserem que Lula é de esquerda eu desmaio”

Sul21 – E o que o senhor pensa sobre as causas que eles defendem?
Bisol – Eu fico impressionado com esse movimento do qual sou solidário, quero que eles tenham condições de continuar para ver se produzem as modificações que querem. Só que essas modificações são muito pobres. Mudar preço de passagem de ônibus e por no meio coisas sem nenhuma viabilidade de realização, como suspender a corrupção… Se nos reunirmos para debater como acabar com a corrupção, certamente chegaremos até o Congresso. Porque o setor de onde emerge mais corrupção no Brasil é o Congresso. Eu participei desse Congresso. É preciso amadurecer e saber o que se quer. Se querem ir contra a Corrupção, como vão inventar um novo Congresso?



“A teoria do fetiche da mercadoria é válida até hoje. Vocês devem estudá-la” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Faltariam propostas mais concretas, na sua avaliação?
Bisol – Um movimento desses é uma oportunidade sagrada. Hegel dizia que a razão humana é astuta: fazemos uma coisa e a razão produz outra. A tua e a minha razão seriam capazes de ser mais do que a razão é em nós dois, porque produziria um resultado imprevisto por nós. Eu tenho esperança que esse movimento ganhe forças. Eu sou homem de esquerda e acho que a esquerda está morta. Se vocês me disserem que Lula é de esquerda eu desmaio. É meu amigo, tenho admiração por ele. Mas não é de esquerda, é um capitalista tremendo. Eu gostaria que esse movimento adquirisse uma força transformadora, aí vale a pena. As circunstâncias são favoráveis a isso, no sentido de que há movimentos no mundo inteiro. Mas percebo que ninguém se arrisca a dizer qual é o sentido deste movimento.

Sul21 – Quais propostas teriam que ser defendidas, na sua opinião?
Bisol - Existe vulgarização nas redes sociais e tenho medo que ela atinja os agentes do movimento. As causas são muito pequenas. Para um país que tem o problema de identidade que nós temos… Diminuir preços não é bem o nosso problema. Nosso problema é: quem somos nós? Até onde temos qualidades para perceber a realidade e pensar sobre ela? O século XX foi o século das grandes narrativas, que eram filosofias políticas. Esse século deu o nazismo, o fascismo, o comunismo, que é uma coisa de louco. O fascismo era o mais vulgar. O nazismo teve essa loucura assassina de colocar judeus como símbolo do mal. Não havia movimento que não tivesse uma teoria por detrás. E, às vezes, teorias espetaculares. Marx não é brincadeira. A teoria do fetiche da mercadoria é válida até hoje. Vocês devem estudá-la. Na adolescência, eu ficava impressionado com os guris comunistas, que sabiam muito mais do que eu. Eu tinha aprendido a viver longe das teorias. Eu tinha vivido na alienação histórica mais profunda da humanidade, que é a religião. Você tem direito de acreditar em Deus, mas não tem o direito de exigir que o outro acredite. E você não tem o direito de transformar seus princípios religiosos em lei. E você não tem o direito de não ser suficientemente lúcido para perceber que, se Deus existe, ele é inacessível. Tua razão não alcança. Como se prova isso? Deus sempre é representado por uma figura humana ou animal. Não temos como pensá-lo.

Sul21 – A interferência religiosa na política é um tema bastante atual.
Bisol – O que os evangélicos estão fazendo é uma fundamentalização da religião. E eu não sei qual será o futuro dos Estados Unidos, onde as pequenas religiões crescem. São, inclusive, soluções econômicas. Às vezes, perdemos este sentido. A droga é uma solução econômica. Já imaginou o que eles fazem de dinheiro? Se eu fosse muito pobre, não sei se não iria vender droga.


“Sofri muito. Eu era um ingênuo. A minha esquerda, o meu modo de viver a esquerda, era muito romântico”

“O que temos são partidos cínicos, que não possuem sequer um programa” | 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Voltando ao assunto das manifestações, há uma insatisfação em boa parte das pessoas com relação aos partidos políticos.
Bisol – Quando tu quiseres lidar contra a corrupção no Brasil, tem que começar pelo Congresso e pelos partidos. Os partidos políticos brasileiros são uma vergonha. Havia um com alguma estruturação de povo e com uma substância um pouco camponesa e religiosa: o PT. Mas esse PT não existe mais. O que temos são partidos cínicos, que não possuem sequer um programa. Estão pensando cada dia como vão aprimorar seu interesse eleitoral e quanto dinheiro é preciso para isso. Se o sistema continuar assim, quem tiver mais dinheiro ganha a eleição. Eu gostei de ver os guris quebrarem a bandeira de um partido em São Paulo. Há uma rejeição bonita e verdadeira aos partidos. Há uma relação bem clara entre causa e efeito. Não dá mais para aguentar os partidos. Mas na hora de votar, quem vota são os interessados no que está aí.

Sul21 – O senhor disse que a esquerda está morta. Quando ela começou a morrer?
Bisol – Acompanhei a esquerda e tive participação política. Não gosto nem de lembrar disso, porque sofri muito. Eu era um ingênuo. A minha esquerda, o meu modo de viver a esquerda, era muito romântico, não tinha efetividade nenhuma. Chegou um ponto em que a esquerda não tinha mais caminhos para mim. Eu continuo à esquerda. Mas é preciso dizer com simplicidade: esquerda não tem mais profundidade nenhuma. É apenas uma expressão para dizer que eu não estou do lado dos conservadores. O meu princípio é de que tudo está sempre mudando. Em polícia e em democracia, não penso somente como Marx, penso como Jefferson, da revolução americana, que quando venceu disse: “de 20 em 20 anos temos que renovar”.

Sul21 – É preciso renovar a democracia brasileira?
Bisol - Todo sistema, depois de um certo tempo, não tem mais coincidência com o povo, que se renovou e tem outros sonhos. Temos que estar sempre mudando. O Brasil precisa mudar sua estrutura de governo. Não é passar para as estruturas que existiram no passado, mas é inventar um novo Congresso. Esse Congresso é insuportável. É tão insuportável estar lá dentro como tê-lo ao lado. Lá dentro tem gente muito boa. Mas o sistema é poderoso e aí vem novamente Hegel: há uma força que não é de ninguém, mas que já se consolidou como uma espécie complexa de hábitos mentais que não se muda mais. Isso que consolida os absurdos. O Congresso Nacional é um absurdo descarado, eles não têm nem vergonha. Eu estive lá dentro e vi pessoas maravilhosas, como Darcy Ribeiro, um grande espírito de nação e de solidariedade humana. Então é isso, estou de acordo com este movimento. Mas, sem estar definitivamente fechando o assunto, porque tudo ainda está em andamento, digo que há muita superficialidade nas causas. Não se faz transformação só com isso.


“Não posso me considerar pessoalmente. Tenho que considerar as pessoas que estão em torno de mim” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Uma reforma política profunda seria a saída?
Bisol – Temos que começar mudando nós mesmos. Não posso me considerar pessoalmente. Tenho que considerar as pessoas que estão em torno de mim. Em Osório, por exemplo, uma eleição é antiquada, com churrascos, festinhas. Acho interessante que esses guris têm a coragem de pretender obstruir um pouco as partidas de futebol. É uma coragem de adolescente. Há um contrato internacional. Não existe presidente nem nada: a polícia tem que ir e impedir. É um risco para os guris.
“Tarso é um capitalista contra o capitalismo selvagem”

Sul21 – Como o senhor avalia o governo Dilma?
Bisol – Acho a Dilma uma pessoa com uma estrutura política pessoal fantástica. Ela é muito equilibrada e com uma consciência de si bastante amadurecida, sem se pretender a uma transcendência. Só que ela tem que governar ao contrário do que ela pensa. Quantas pessoas ela tem, verdadeiramente, do lado dela? Está todo mundo ao lado dela para que ela governe exatamente como está governando, não como gostaria. Esse é o problema dela, a meu ver, sem pretensão nenhuma de não errar.

Sul21 – E o governo Tarso?
Bisol – Tarso é uma bela pessoa. Gosto muito dele, é meu amigo. Isso é preciso ser dito, pelo que vou dizer agora. O Tarso é o Lula do Rio Grande. Não tem nada de revolucionário. É um capitalista contra o capitalismo selvagem. As soluções dele são capitalistas. O PT não existe mais. Estou dizendo isso literalmente. É igual ao PMDB e a qualquer outro partido.

Sul21 – O PT existia no final dos anos 1980, na época do Olívio?
Bisol – Opa! Olívio é do PT camponês. Não é religioso, mas é da esquerda religiosa. Do ponto de vista dos intelectuais, naquela época ainda existia no mundo a esquerda lacaniana, que é sensacional. Teoricamente, é, hoje, a mais atual. Mas Tarso e a maioria do PT são como o Lula. Eles estão dentro do sistema e de acordo com o sistema. Querem mudar algumas coisinhas, no sentido de que “se eu faço, eu sou”. O fazer precisa aparecer. Politicamente, não existe outro caminho. Sem aparecer, não existem votos. E aí já existe uma tremenda contradição na política, porque o sujeito está sendo político e está pensando em se reeleger. Um dos males da política mundial é que política não pode ser profissão.


“Governamos com muita dificuldade. Houve resistências ocultas” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor foi Secretário de Segurança. Na sua avaliação, os governos estaduais possuem controle sobre a Brigada Militar?
Bisol – É um controle conflitivo e dialético. Eles têm o sentido de corporação. A Brigada é uma corporação. Como corporação, supõe uma certa independência. Eles têm muita tradição no sentido de respeitar a figura do governador. O secretário representa o governador. Eu nunca tive grandes dificuldades. Tive outro tipo de dificuldades e posso contar. Quando assumi, um ex-secretário de Justiça, que era primo de uma pessoa que era muito minha amiga, se reunia com os velhos coronéis da Brigada e velhos delegados de polícia para preparar um jeito de impedir o Olívio de governar. Governamos com muita dificuldade. Houve resistências obscuras, não no debate público. Pelo contrário, o debate era tudo que eu pedia e eles nunca quiseram.

Sul21 – Que mudanças o senhor tentou impor na sua época?
Bisol – Eu queria, por exemplo, separar os bombeiros. É uma função muito positiva, generosa, sacrificial e sem violência. Acho que se deve separar. Isso era a parte externa. O que eu queria mesmo era uma desmilitarização espiritual. O tipo de formação militar, se for bem humanizada, é boa, disciplinarmente.

Sul21 – O senhor é a favor do fim da polícia militar, como sugere a ONU?
Bisol – Aí é outra ideia. Polícia tem que ser una. Se tu crias polícias muito diferentes, elas disputam privilégios entre si e não transferem informações. Estão agora com a PEC 37 e essa é uma intuição muito boa do movimento. É um horror essa PEC. Ela transforma a polícia brasileira na maior corporação do país. Vão abafar tudo o que quiserem. Nunca se deve concentrar competências. O que deve se concentrar é a unidade das polícias. Elas devem funcionar complementarmente e isso não existe no Brasil.

Sul21 – Como o senhor trabalhava diante de casos de abusos cometidos por policiais?
Bisol – Isso é um tema mundial. É o tema do código vermelho. Quando a corporação policial tem interesse, ela resolve seus problemas, independentemente de outras instituições. Quando eu assumi a secretaria, os códigos de honra eram fortíssimos na Polícia Civil e na Brigada Militar. Eles, inclusive, tinham pacto com bandidos. Das investigações que fiz, registro diversos encontros neste sentido.

“A RBS, lá embaixo, é unha e dente com a polícia”


“A mídia é muito policialesca” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Que investigações o senhor citaria?
Bisol - O mais importante são alguns inquéritos que fiz na época, contra tudo e contra todos. Encontrei alguns policiais extraordinariamente dignos para fazer esses inquéritos. Um deles, inclusive pedi ao Olívio que colocasse na Justiça Militar, o Brum. Ele fez o inquérito sobre o caso em que a polícia matou dois guris que eram assaltantes de ônibus. Eram dois irmãos. Como esses dois guris, num dos assaltos, mataram uma brigadiana, por um tiro infeliz de um deles, a Brigada inteira se reuniu, por fora da lei. Em um código de honra, foram à casa dos guris e massacraram os dois. Esse inquérito foi muito bem feito. Mas aí chegou uma hora em que a mídia começou a dizer que não era bem assim. Era como eu pensava, sim – muito pior até.

Sul21 – A mídia não concordava com o inquérito?
Bisol - O código de honra funciona de uma maneira em que os jornalistas às vezes cooperam com a polícia para ter as informações necessárias. A mídia tem muita ligação com a polícia. Eu fui funcionário da RBS. A RBS, lá embaixo, é unha e dente com a polícia. Se a polícia resolver não gostar de um secretário, assopra para a RBS e a RBS ajuda. Eu não tenho nada contra a RBS, embora eles tenham ajudado a me desmoralizar. Pelo contrário, trabalhei na RBS sem interesse de salário, por gosto. Depois quis sair, porque queria fazer política. Eles foram muito bacanas comigo, eu estava lá como diretor e não sabia fazer as coisas. Eles deveriam ter me posto na rua, mas foram muito tolerantes. Eu que tive que dizer que eu não sabia fazer, então me colocaram no rádio. Eu sou agradecido a eles. Depois se voltaram contra mim. Isso é outro assunto.


“Se a polícia mesmo se faz, ela e faz como quiser” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – O senhor estudou as cartilhas da ONU para tentar mudar a polícia. Para que a arma fosse utilizada em última instância.
Bisol – Sim. Inclusive fiz dois ou três editais para transformar comportamento tirando princípios da ONU. Quase me mataram. A mídia quase me matou. Me ridicularizaram até na Veja. Eu dizia que a polícia não pode atirar sem dominar a situação. Se pode acertar em outro, não atire. Se está em movimentação, não atire. Tem tanta gente morrendo não de tiro perdido, mas de tiro mal dado. Seja quem for o bandido, se houver risco de se acertar outras pessoas, então que não atirem. Fiz editais neste sentido e fui ridicularizado. A mídia é muito policialesca.

Sul21 – Qual a importância da formação policial para que se tenha uma polícia que respeite os direitos humanos?
Bisol – Nenhum secretário fez muito por isso. O problema é que as polícias conseguiram, com apoio do Congresso, fazer eles mesmos a sua escola, assim como o Exército. A Polícia Civil que faz seu curso em Porto Alegre. Não pode ser assim. Se a polícia mesmo se faz, ela se faz como quiser.
“Polícia não tem que acabar com ninguém. Ela tem que exercer proteção. Poĺícia tem que te dar espaço e tranquilidade”

Sul21 – Então secretários não têm poder de modificar a formação?
Bisol – Têm, porque nós fazíamos cursos. É preciso fazer cursos civis para desmilitarizar a polícia. Mas não pense que a Polícia Civil não tem também uma concepção militar. O Brasil como nação possui uma concepção militar. O pensamento de que eles são bandidos e nós representamos os bons, então precisamos acabar com eles. Isso não é polícia. Polícia não tem que acabar com ninguém. Ela tem que exercer proteção. Polícia tem que te dar espaço e tranquilidade. No que diz respeito aos criminosos, tem que buscá-los e prendê-los.

Sul21 – E diante de uma manifestação, como a polícia deve agir?
Bisol – Não há possibilidade nenhuma de se acertar. Sempre vai haver um ponto discutível, porque vai haver violência. Agora, não se pode deixar um movimento chegar a subir em cima do Congresso. Isso é muito bonito, mas tu tens que ir para a capela rezar para que nada aconteça. Se desse correria lá, teríamos aleijados para tudo que é lado. Não pode deixar se aproximar três metros. O movimento tem que ter espaços livres e tem que ter consciência de que existem lugares onde o acesso não é permitido. É preciso deixar que o movimento tenha flexibilidade. E eles estão bem inteligentes, fazem diversos grupos.


“Há, universalmente, um desencanto com o sistema capitalista” 
Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21 – Como o senhor avalia a luta pelos direitos humanos hoje?
Bisol – Fui uma pessoa muito integrada com os direitos humanos, mas hoje sou mais revolucionário. Hoje leio que a revolução sempre fracassa, acaba em terrorismo. Outro dia dei uma palestra aqui na universidade e, depois, fui almoçar com uns amigos e um deles me perguntou: “e se o senhor tivesse que matar pela causa?”. Eu respondi: “se eu tivesse certeza da minha causa, eu mataria”. Mas é difícil ter certeza. A vida de cada um de nós, o que nós pensamos, sentimos e amamos, está dentro de uma verdade que nunca pode ser esquecida: o ser humano se caracteriza pela finitude. Ele nunca alcança o que gostaria de alcançar. Ninguém alcança. A não ser que o objetivo seja diminuir as passagens de ônibus. Isso é algo que a ignorância brasileira nacional não consegue compreender. Somos uma espécie estranha de iluminismo. As pessoas, eu, tu, nós, agimos como se nossas cabeças resolvessem tudo. Como se fôssemos racionais. O que o desejo sexual tem a ver com a razão? E não é normal e natural? E não é estranho? Tu não dominas muito. E não seria bonito, se não tivessem todos esses desvios morais que colocam em cima? A relação seria muito mais transcendente se não fosse o moralismo. A verdade é que ela não é racional, é animal. Pode até existir uma substância espiritual, mas o desejo, seja de quem for, é sexual mesmo. Lacan diz que não se chega nunca à realização sexual, o que é absoluta verdade.

Sul21 – O senhor disse que a esquerda está morta, os partidos são uma vergonha e o Congresso é um absurdo. Como agir diante deste cenário?
Bisol – O que estou dizendo com isso? Estamos precisando de um evento, um fato que mude tudo. É a revolução. Isso pode ocorrer. Há sinais. Há, universalmente, um desencanto com o sistema capitalista. O liberalismo é algo cansado. Mas, como não existe cultura política, ninguém pensa contra. Tanto é que fazem um movimento para mudar preços.

Sul21 – Outros partidos de esquerda que estão na origem destas manifestações atuais não são capazes de produzir uma nova teoria que dê conta dos nossos tempos?
Bisol – Como agentes políticos, esses partidos são interessantes. Mas não têm perspectivas, porque nada se reproduz. Gadamer dizia que compreender é sempre mudar a compreensão. Quando eu compreendo algo, o que mudou foi minha capacidade de compreender. Eles querem refazer uma história que já está feita. Já passou o tempo. É intempestivo. É preciso inventar algo que coincida com essa mentalidade um pouco esvaziada, mas muito produtiva tecnicamente, e que tem riqueza de habilidades e de imaginação nos seus setores.


Matéria indicada por Darlan Adriano

Nenhum comentário:

Postar um comentário