EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO TERMOA terminologia referente à mencionada reserva do Exército passou a ser expressamente prevista, no âmbito constitucional, a partir do advento da Constituição da República de 1934
[3]. Em tal diploma normativo, a supracitada referência encontrava-se sob a égide do Título VI, intitulado “Da Segurança Nacional”, restando a previsão contemplada em seu artigo 167, o qual prelecionava que:
Art. 167. As policias militares são consideradas reservas do Exercito e gozarão das mesmas vantagens a este attribuidas, quando mobilizadas ou a serviço da União.
Na Constituição brasileira decretada em 10 de novembro de 1937, por sua vez, não se vislumbra qualquer dispositivo que mencione os termos ora em comento, no que tange às Polícias Militares
[4]. Entretanto, cabe consignar a existência de lei, editada em 17 de janeiro de 1936, a qual possuía por finalidade a reorganização, pelos Estados e pela União, das Polícias Militares, sendo estas consideradas como reservas do Exército. Nesse sentido, assim, os ditames do artigo 1º, da Lei nº 192 de 1936, cujo conteúdo é a seguir transcrito:
Art. 1º As Policias Militares serão reorganizadas pelos Estados e pela União, na conformidade desta Lei, e são consideradas reservas do Exercito, nos termos do art. 167 da Constituição Federal.
Seu artigo 2º estabelecia a competência das Polícias Militares, quais sejam: a) exercer as funções de vigilância e garantia da ordem pública, de acordo com a lei vigente; b) garantir o cumprimento da lei, a segurança das instituições e o exercício dos poderes constituídos (as duas primeiras funções de segurança pública, de natureza policial, civil) e; c) atender à convocação do Governo Federal em casos de guerra externa ou grave comoção intestina, segundo a Lei de Mobilização (função de defesa da Pátria, de natureza estritamente militar).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1946, houve a implementação de dispositivo legal em que constava, de forma expressa, o emprego dos dois termos ora em análise, “forças auxiliares” e “reserva”, concernentes à instituição da Polícia Militar. Tal previsão constava do que definia o artigo 183 do mencionado diploma jurídico, o qual se achava incorporado ao Título VII da carta constitucional em questão, sob o título “Das Forças Armadas”. Nesses termos, verifica-se a seguinte redação conferida à norma tela:
Art. 183. As policias militares, instituídas para a segurança e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como fôrças auxiliares, reservas do Exército.
Ainda, os vocábulos em questão foram igualmente previstos, no que se refere às polícias militares, pela Carta Magna de 14 de janeiro de 1967. O diploma legal trazia em seu texto dispositivo orientado no mesmo sentido anteriormente adotado pelas constituições anteriores. Entretanto, a referida norma encontrava-se localizada no Capítulo III do compêndio legislativo em análise, no Título “Da Competência dos Estados e Municípios”. O artigo em comento prelecionava de tal forma:
Art. 13. Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes:
I – os mencionados no art. 10, nº VII;
II – a forma de investidura nos cargos eletivos;
III – o processo legislativo;
IV – a elaboração orçamentária e a fiscalização orçamentária e financeira, inclusive a aplicação dos recursos recebidos da União e atribuídos aos Municípios;
V – as normas relativas aos funcionários públicos;
VI – proibição de pagar a deputados estaduais mais de dois terços aos subsídios atribuídos aos deputados federais;
VII – a emissão de títulos da dívida pública fora dos limites estabelecidos por lei federal.
(…)
§ 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército.
Cabe consignar, nesse sentido, a alteração superveniente da supracitada norma, por meio do Ato Complementar nº 40, de 30 de dezembro de 1968, que conferiu nova redação ao seu § 4º, o qual passou a dispor:
§ 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército, não podendo os respectivos integrantes perceber retribuição superior à fixada para o correspondente pôsto ou graduação do Exército, absorvidas, por ocasião dos futuros aumentos, as diferenças a mais, acaso existentes.
[5] Por sua vez, na Constituição Federal de 1969, a questão restou tratada no Capítulo III, denominado “Dos Estados e Municípios”, localizado no Título I – “Da organização Nacional”, sendo o texto disposto da seguinte forma:
Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes:
I – os mencionados no item VII do artigo 10;
II – a forma de investidura nos cargos eletivos;
III – o processo legislativo;
IV – a elaboração do orçamento, bem como a fiscalização orçamentária e a financeira, inclusive a da aplicação dos recursos recebidos da União e atribuídos aos municípios;
V – as normas relativas aos funcionários públicos, inclusive a aplicação, aos servidores estaduais e municipais, dos limites máximo de remuneração estabelecidos em lei federal;
VI – proibição de pagar a deputados estaduais mais de oito sessões extraordinárias;
(…)
§ 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduações correspondentes no Exército.
A Constituição Federal de 1988 manteve a essência da definição trazida pelas anteriores, no que tange às polícias militares e aos corpos de bombeiros, não mais se referindo à questão salarial. Nesse aspecto, no entanto, deve-se ressaltar a alteração trazida pela Emenda Constitucional nº 18/1998, a qual alterou o título da seção sob o qual estavam previstas as mencionadas instituições, modificando a expressão “Dos Servidores Públicos Militares” para “Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, excluindo de sua abrangência a previsão concernente às Forças Armadas. Os dispositivos referentes a esta passaram, por meio da emenda em questão, a serem previstos no artigo 142, da Constituição Federal de 1988, que se encontra no título “Das Forças Armadas”.
Desse modo, as previsões constitucionais referentes à organização e regime sob os quais estão submetidas as polícias militares e corpos de bombeiros encontram-se atualmente, previstas no Capítulo VII (intitulado “Da Administração Pública”, o qual antes do advento da citada emenda subdividia-se em “Dos Servidores Públicos Civis” e “Dos Servidores Públicos Militares”), na Seção III, denominada “Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, como antes referido. Verifica-se, nessa senda, que as alterações realizadas por meio da Emenda Constitucional nº 20, de 1998, pareceram ressaltar uma diferenciação entre as polícias militares e corpos de bombeiros, em relação às Forças Armadas, ao promover uma segregação entre os dispositivos constitucionais que se referem a ambas.
A Carta Política de 1988, ainda no que tange aos militares estaduais, prevê no § 6º, do artigo 144, a subordinação das polícias militares e corpos de bombeiros militares aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, definindo-as, como nos diplomas constitucionais anteriores, como forças auxiliares e reserva do Exército. Tal dispositivo localiza-se no Título V (“Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”), Capítulo III (intitulado “Da Segurança Pública”). O mesmo título abrange capítulo concernente às Forças Armadas (Capítulo II – “Das Forças Armadas”), o que salienta a diferenciação realizada pelo constituinte, ao buscar segregar as normas referentes aos militares estaduais dos militares federais.
Portanto a posição topográfica das expressões “forças auxiliares” e “reserva”, sob a ótica constitucional estiveram em 1934 e 1946, tratadas no mesmo espaço destinado às Forças Armadas. Em 1967 e 1969, houve uma mudança considerável em que a questão passou a ser tratada juntamente com a competência dos Estados e Municípios. A Constituição Cidadã, por sua vez, colocou tais expressões no Capítulo destinado à Segurança Pública.
3. LIMITES, ABRANGÊNCIA E OPORTUNIDADE DE APLICAÇÃO DA CONDIÇÃO DE FORÇA AUXILIAR E RESERVA DO EXÉRCITOCumpre consignar que não se pretende, obviamente, por meio do presente estudo, fixar os limites, abrangência e oportunidade da aplicação da condição de forças auxiliares e reserva do Exército das polícias e corpos de bombeiros militares. A realização de definições em tal sentido seria demasiado pretensiosa, entendendo-se que outros poderão fazê-lo com mais propriedade. Destarte, almeja-se tão somente, por meio da análise em comento, conclamar os estudiosos do assunto para as questões presentemente ventiladas.
É forçoso concluir que uma devida análise dos termos a que se visa esclarecer partirá, obrigatoriamente, da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional vigente. Nessa senda, mostra-se oportuno no momento deixar de lado a vetusta Lei nº 192 de 1936, voltando-se as atenções para o Decreto Lei nº 667, de 02.07.1969
[6], o qual não se pode olvidar que “surgiu no cenário jurídico em um período de exceção, sob a égide de uma outra constituição e em momento em que o Poder Executivo legislava. Surgiu, pois, sob a disciplina do Ato Institucional 5 (AI-5), por todos nós conhecidos”
[7].
O Decreto Lei 667, de 1969, sob o enfoque da teoria da recepção, deve ser concebido como recepcionado pela Constituição Federal de 1988, com força de lei ordinária, somente no que concerne às matérias expressamente transcritas no inciso XXI, do art. 22, da nossa Carta Magna. Ou seja, se a Constituição dispõe que compete a União, privativamente, legislar sobre “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares”, não nos parece difícil visualizar que as previsões afetas à instrução, ensino, justiça e disciplina, que estavam previstas no art. 8º, inc. XVII, “v”, da Constituição de 1969, irradiando-se posteriormente para o Decreto-lei 667 e seu regulamento
[8], não são mais aplicáveis atualmente, em face da manutenção do pacto federativo.
Ou seja, a União somente está autorizada a disciplinar, para as instituições militares dos Estados e do Distrito Federal, as matérias enumeradas no rol do inciso XXI, do art. 22, da CF/88, sob pena de haver inconstitucionalidade material. Em razão disto, a conclusão que se impõe é que a aplicação dos termos “forças auxiliares” e “reserva”, constantes do § 6º, do art. 144, da Constituição Brasileira, somente terão lugar quando a instituição militar estadual ou do Distrito Federal estiver devidamente mobilizada, total ou parcialmente. Tal situação, no entanto, somente ocorrerá nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fato que comprove a ineficácia de medida tomada durante estado de defesa ou, ainda, declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira.
[9]Por conseguinte, tem-se que para o desempenho das atividades constitucionais específicas das polícias militares e corpos de bombeiros militares – previstas no art. 144, § 5º da CF/88,
[10] as instituições estaduais e distritais não agem na condição de auxiliar e reserva do exército. Nesse sentido, as referidas instituições aparecem como os principais instrumentos da preservação da ordem pública, bem como das atividades concernentes à defesa civil, sem nenhuma parcela de subsidiariedade.
[11]
4. CONCLUSÃO À luz da Constituição Federal vigente – e da legislação infraconstitucional devidamente recepcionada por ela – a conclusão que se impõe, ressalvados os entendimentos contrários e de todo respeitados, é o de que as polícias militares e os corpos de bombeiros militares somente serão empregados como forças auxiliares e reserva do Exército Brasileiro em missões de natureza estritamente militares, que imponham a necessidade de mobilização e convocação das instituições militares estaduais e do Distrito Federal, e que autorizam o estado de sítio (CF/88, art. 137, incisos I e II).
[12]Já em relação à ampla, nobre e difícil missão de preservação da ordem pública
[13] e da incolumidade das pessoas, o que fazem através do exercício da polícia ostensiva e das atividades de defesa civil, as polícias e os corpos de bombeiros militares são os titulares de suas atividades, exercendo-as de acordo com a Constituição, as leis vigentes e as particularidades de cada Unidade da Federação. Portanto, nesse aspecto relacionado a segurança pública, as polícias e os corpos de bombeiros militares não são forças auxiliares nem reserva de ninguém.
[1] Artigo publicado na Revista Direito Militar nº 90. Florianópolis: AMAJME, julho/agosto de 2011.
[2] Jorge Cesar de Assis é Promotor da Justiça Militar, Ângela Saideles Genro e Renata Ribas são Acadêmicas de Direito, estagiárias do Ministério Público Militar, todos lotados na Procuradoria da Justiça Militar em Santa Maria – RS.
[3] A história das Polícias Militares confunde-se com a história dos Estados a que pertencem. São instituições híbridas, possuindo, de um lado uma estrutura militar com base na hierarquia e disciplina e, de outro uma atividade policial, de natureza civil, destinadas ao exercício da polícia ostensiva e à preservação da ordem pública.
[4] Inicialmente, os corpos de bombeiros militares eram Unidades das Polícias Militares, delas fazendo parte. Posteriormente, os Corpos de Bombeiros Militares passaram a se tornar independentes. Atualmente, somente nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Bahia, os Bombeiros Militares fazem parte da Polícia Militar.
[5] Após o advento da Carta Magna de 1988 e, a respeito da discriminação salarial foi registrado em ASSIS, Jorge Cesar de. Justiça Militar Estadual. Curitiba: Juruá, 1992, p. 48: “Extingue-se, da mesma forma, outra odiosa discriminação, que constava no § 4º do art. 13 da Carta de 1969, que era a proibição de que os integrantes das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares pudessem ter remuneração superior à fixada para os postos de graduação do Exército, que, em muitos Estados, por interesses indecifráveis, passou a ser entendido como obrigação de “ganhar bem menos”, eis que impunha-se aos milicianos uma capitis diminutio profissional, injusta, face aos grandes serviços prestados aos Estados e à Pátria”.
[6] Reorganiza as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares, dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, e dá outras providências.
[7] ASSIS, Jorge Cesar de; NEVES, Cícero Robson Coimbra; CUNHA, Fernando Luiz. Lições de Direito para a Atividade das Polícias Militares e das Forças Armadas, 6ª edição, Revista, ampliada e atualizada. Curitiba: Juruá, 2005, p. 37.
[8] Decreto nº 88.777, de 30.09.1983 (R-200), regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares
[9] CF, art. 137 – que dispõe sobre o Estado de sítio
[10] CF, art. 144, § 5º. As polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
[11] Nesse aspecto, cumpre lembrar a atuação da Inspetoria-Geral das Polícias Militares, criada pelo Decreto-lei 317, de 13 de março de 1967. Atualmente, integra o Comando de Operações Terrestre do Exército Brasileiro e “com a criação da 3ª Subchefia, por meio da Port. Nr 160-EME-Res, de 22 Ago 05, a IGPM passou a ser uma Seção da mesma, mantendo a sua estrutura com 2 (duas) Subseções: a 1ª desenvolvendo atividades de acompanhamento e controle da organização, dos efetivos, da legislação e das atividades das PM/CBM no exterior; a 2ª, acompanhando a administração de material bélico e a mobilização daquelas corporações, de acordo com o preconizado pela Constituição Federal/88” (disponível em
http://www.coter.eb.mil.br/html/3sch/IGPM/site%20IGPM/web%20site/html/Historico.htm Acesso em: 07.06.2011)
[12] A história brasileira irá revelar uma participação marcante das polícias militares nas nossas revoluções internas, v.g., para ficar somente no século XX: a de 1924, 1930 e 1964.
[13] CF, art. 144, referente ao capítulo III, intitulado: “Da segurança Pública”.
- Membro do Ministério Público da União, sendo Promotor da Justiça Militar em Santa Maria-RS. Integrou o Ministério Público Paranaense. Oficial da reserva não remunerada da Polícia Militar do Paraná. Sócio Fundador da Associação Internacional das Justiças Militares – AIJM. Coordenador da Biblioteca de Estudos de Direito Militar da Editora Juruá.
http://atualidadesdodireito.com.br/jorgecesarassis/2012/03/24/analise-da-significacao-dos-termos-%E2%80%9Cforcas-auxiliares%E2%80%9D-e-%E2%80%9Creserva%E2%80%9D-constantes-no-artigo-144-%C2%A7-6%C2%BA-da-constituicao-federal-de-1988/