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sábado, 17 de maio de 2014

POLÍCIA CIVIL PRECISA SER RECONQUISTADA

REVISTA VEJA 25/03/2014 - 05:56


Rio de Janeiro. Beltrame precisa reconquistar a Polícia Civil

Apesar de contar com apoio de tropas federais, secretário precisa retomar diálogo com delegados, que produziram pouco e têm resistência às UPPs

Leslie Leitão, do Rio de Janeiro



José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio, discursa na cerimônia de entrega de prêmios para policiai que atingiram metas de redução de criminalidade (Shana Reia/Divulgação/Governo do Estado do Rio de Janeiro)

A boa nova da segurança pública do Rio, esta semana, está na confirmação de envio das forças federais para ocupar o Complexo da Maré. Militares, homens da Força Nacional de Segurança (FNS) e da Polícia Federal compõem a tropa auxiliar à disposição do secretário José Mariano Beltrame. A Polícia Militar poderá, assim, dedicar-se a manter o controle em áreas onde os PMs estão sob ataque, como em Manguinhos, onde um contêiner foi incendiado e quatro policiais ficaram feridos, e o Complexo do Alemão, constantemente sob ameaça de atentados de bandidos. Beltrame tem, no entanto, um abacaxi para descascar no quintal de casa. A Polícia Civil, de quem o secretário depende para investigar, reunir provas e efetuar prisões dos grandes traficantes, afastou-se do secretário e vem reduzindo o volume de trabalho nas áreas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Beltrame tem, nas últimas semanas, tentado reconstruir suas pontes com os delegados – ainda sem sucesso.

O trabalho dos delegados é o que está em questão sempre que Beltrame ou o governador Sérgio Cabral usam o termo “inteligência” para prender os bandidos. O trabalho de investigação é prejudicado por um acúmulo de desgastes, ainda do primeiro governo Cabral. A Polícia Civil é considerada pelo secretário, nas conversas reservadas com seus pares, uma instituição insubordinada. Não é um exagero, e o formato da instituição explica grande parte dessa relação: enquanto um policial militar deve obediência cega a seus superiores, os delegados e investigadores, como servidores públicos civis, não estão vulneráveis à rigidez dos quartéis, e têm grande autonomia de ação. Ou seja, dependem muito mais da política e do diálogo, que não têm sido favoráveis na gestão de Beltrame.

No momento, há um agravante: policiais civis estão em campanha por aumento salarial. Na noite de segunda-feira, uma assembleia reuniu cerca de 300 policiais civis no Clube Municipal, na Tijuca. Na semana passada, Beltrame e o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, pediram mais tempo para anunciar o aumento de 850 reais para a categoria. O acordo, firmado com Sergio Cabral em dezembro do ano passado, era de que o aumento aconteceria em março. No encontro, apesar de alguns votarem a favor da greve imediata, ficou decidido que um novo prazo será dado ao governo. A nova assembleia, prevista para 29 de abril, deve definir diretrizes, em especial, pelo fato de o sindicato dos agentes da Polícia Federal (cujos agentes já discutem uma paralisação durante a Copa do Mundo) terem declarado apoio aos policiais civis.

As relações de Beltrame com as delegacias foram permeadas por conflitos desde o início da administração do secretário. Gilberto Ribeiro, o primeiro chefe da era Beltrame, deixou o cargo brigado, após recusar-se a abrir o banco de dados da Polícia Civil para outros órgãos. Seu substituto, Allan Turnowski, irritou o secretário quando conseguiu, junto ao Palácio Guanabara, um poderoso aumento salarial para os delegados. Até que, em fevereiro de 2011, a ‘Operação Guilhotina’, que a Polícia Federal desencadeou para prender mais de 30 policiais civis e militares, acirrou os ânimos. A testemunha chave para a ação, que prestou um depoimento incriminando vários dos policiais acusados, admitiu, posteriormente, ter mentido em juízo - o que invalidou quase todas as provas da investigação. Uma parte da Polícia Civil passou a entender o caso como uma ação deliberada de Beltrame contra o grupo de Turnowski.

A chefia de Polícia, a partir daquele episódio, passou a ser da delegada Martha Rocha, que deixou a cadeira no início do ano. Na fase da delegada, que permaneceu três anos no cargo, as investigações contra grandes traficantes foram ficando cada vez mais raras, assim como as operações para caçar criminosos. O resultado disso é que, enquanto bandidos escapavam das favelas que recebiam UPPs, formavam-se, em áreas ainda distantes do programa, novos redutos das quadrilhas. Nesse período fortaleceu-se o poder bélico de áreas como o Morro do Juramento, o Chapadão e as favelas de Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense.

A impunidade também criou problemas dentro das áreas atendidas pelas UPPs. A insatisfação de Beltrame com os delegados e agentes da Polícia Civil transbordou em setembro do ano passado. Em entrevista ao jornal O Globo, o secretário deflagrou uma crise. “Não vou fazer delegacia (em favela) com a polícia que está aí. As novas unidades contarão com delegados e inspetores recém-formados, sem os vícios da guerra e da corrupção”, afirmou. Os sindicatos reagiram com notas duras e ameaçaram processar o secretário – tudo resolvido com um pedido de desculpas pela internet e, claro, com a contração de um débito por parte da secretaria.

A saída de Martha para se candidatar a uma vaga na Assembleia Legislativa (Alerj) nas próximas eleições fez com que Beltrame tentasse emplacar seu nome predileto, o do delegado Claudio Ferraz. O clima dentro da instituição voltou a pesar e logo surgiram denúncias de enriquecimento ilícito contra o escolhido, o que obrigou o secretário a recuar e desistir, escolhendo uma solução mais conciliadora. O nome de Fernando Veloso não encontrava rejeição em nenhum dos grupos da Polícia Civil. E a escolha de seu staff, em especial o nome do delegado Rodrigo Oliveira para voltar a comandar a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), fez com que os agentes novamente se sentissem parte do processo e da política de segurança.

Conflitos - Em pelo menos uma ocasião já houve um embate também entre Beltrame e o atual chefe de Polícia. Em novembro de 2011, antes da ocupação da Rocinha, o traficante Antonio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, decidira se entregar. E, através de um advogado, começou a negociar sua rendição com agentes da 82ªDP (Maricá). O passo a passo da negociação era informado ao então sub-chefe Operacional, Fernando Veloso, que estava junto com Beltrame em um congresso na Alemanha.

No entanto, no meio do caminho de descida da favela, o carro em que Nem estava escondido no porta malas acabou sendo parado por policiais militares do Batalhão de Choque. Os agentes da Polícia Civil chegaram ao local e teve início uma briga para saber quem ficaria com os louros da prisão. No dia seguinte, Beltrame deu uma entrevista dizendo desconhecer a presença dos policiais civis no local. Uma investigação na Corregedoria chegou a ser aberta, mas Veloso afirmou que toda a cúpula da Segurança, inclusive o secretário, sabiam da tentativa de rendição - afinal, o secretário estava em viagem ao lado de um dos negociadores, mas preferiu dizer que não conhecia o caso.

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