R7 5/5/2014 às 00h15
PM só entra com armamento pesado em regiões dominadas pelo PCC na zona norte de SP
Incursões na Favela Funerária, Filhos da Terra e Jardim Damasceno são feitas por Força Tática
Regiões da zona norte da cidade de São Paulo têm sido evitadas pela chamadas “viaturas de área” da Polícia Militar. Favela Funerária, Jardim Filhos da Terra e Damasceno Alto possuem ruas onde, segundo policiais e moradores ouvidos pelo R7, as incursões ocorrem apenas ocasionalmente — e com reforço de forças de elite.
Os locais seriam dominados pelo PCC
Diferentemente das “viaturas de área”, ocupadas por dois policiais, as guarnições de elite, como as Forças Táticas e a Rota, são compostas por três ou quatro homens. E possuem armamento pesado, como metralhadoras ou carabinas calibre 12.
— O próprio encarregado [superior] diz que é para evitar a favela — afirmou um policial militar que trabalha na região da Funerária, no Parque Novo Mundo.
A situação ocorre desde junho do ano passado. Na época, três suspeitos foram mortos em uma operação da Força Tática e da Rota após um sargento ser ferido na região.
No Jardim Damasceno, região da Brasilândia, o patrulhamento teria sido reduzido, na parte alta do bairro, mais perto da mata da Cantareira, desde o final de 2012. Entre outubro e novembro daquele ano, a região viveu sob toque de recolher imposto por criminosos.
Na época, o PCC havia inciado uma série de ataques a policiais. Tanto a Funerária como o Damasceno sofreram operações Saturação (ocupação policial temporária). A tática, para encontrar criminosos que repassaram a ordem da mantança, foi usada pela polícia também em outras favelas da cidade dominadas pela facção criminosa.
Na Filhos da Terra, região do Jaçanã, a situação é mais antiga. Uma moradora que vive próximo da favela afirmou à reportagem ter recebido visita de um integrante do PCC após reclamar com vizinho do barulho feito por garotos que atuavam em uma boca de fumo.
— Ele me deixou o número do celular dele — afirma a moradora.
O criminoso, que soube da reclamação, recomendou a ela que não chamasse a polícia. Os problemas poderiam ser comunicados a ele. A moradora afirma que, após a visita, o barulho parou. Na favela, as viaturas comuns também não passam.
Os entrevistados pediram para não ser identificados.
Como no Rio
O problema foi criticado, na semana passada, pelo vereador Roberval Conte Lopes (PTB), em seu programa matinal na rádio Terra. Capitão reformado e ex-integrante da Rota, o parlamentar afirma que a situação assemelha-se à do Rio de Janeiro.
— Tem lugar que o criminoso domina. Na campanha eleitoral, fomos perseguidos por homens em motos no Jardim Damasceno. Tivemos de sair.
O vereador afirma que para resolver o problema, é preciso valorizar o policial.
O coronel José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, tem opinião diferente.
— Estamos distantes do que ocorre no Rio, onde há cerca de 180 favelas nas mãos de facções ou milícias. Em São Paulo, pode haver locais onde as partrulhas de área não entram. Mas é justamente por isso que a PM tem a estrutura que tem. Nesses locais, usa-se guarnições maiores, como as Forças Táticas.
Hóspedes cariocas
Nas grandes favelas da zona sul, também há atuação do PCC, embora o patrulhamento seja mais constante. Considerada ponto estratégico pela proximidade com bairros ricos, a favela de Paraisópolis, no Morumbi, foi conquistada pela facção em 2003.
Na época, Ercílio Almeida Filho, o Juiz, filiado à facção, comandou, de dentro do Cadeião de Pinheiros, uma guerra contra Ezequias Cavalcanti, antigo líder comunitário. A disputa começou após um local na favela ter sido usado pelo bando Juiz como cativeiro, o que teria desagradado Cavalcanti.
Em 2010, segundo informações recebidas pela Polícia Civil, a região foi usada para hospedar líderes do Comando Vermelho, após a invasão do Complexo do Alemão.
Moradores dos arredores de outra favela dominada pelo PCC, Heliópolis, afirmam que, ainda hoje chama a atenção é a presença de desconhecidos com camisas de times do Rio de Janeiro nos bailes funks, que em geral começam próximo a um posto de saúde.
— Não dá para ter certeza. Mas parece gente que veio do Rio mesmo — afirma um morador.
Resposta
A reportagem perguntou à Secretaria de Estado da Segurança Pública, na última quarta-feira (30), quantas vezes "viaturas de área" passaram por uma rua específica de cada região (Rua do Jambo, Rua Daniel Cerri e Rua do Sol) — os carros da PM têm GPS que guardam o trajeto feito.
O questionamento foi repassado à Polícia Militar, que não respondeu a pergunta.
A reportagem também questionou que se havia, oficialmente, recomendações para que viaturas que não de unidades de elite evitassem regiões da cidade. A PM também não respondeu.
Em nota, a PM afirmou o seguinte: “A Polícia Militar esclarece que realiza o patrulhamento ostensivo em todas as regiões e bairros das cidades do Estado de São Paulo. Sem exceções. Não há ruas, bairros ou comunidades em que a PM não realize seu trabalho de proporcionar segurança pública.”
R7 5/5/2014 às 00h15
Com tribunais do crime, facção exerce seu poder
Especialistas falam como é o júri do PCC nas favelas paulista
O domínio do PCC em regiões da cidade não apenas inibe as rondas policiais, mas também rege a relação entre os moradores. Os chamados tribunais do crime julgam e punem erros de procedimento de pessoas ligadas ou não à facção.
O jornalista e escritor Percival de Souza, comentarista da Rede Record, é um dos maiores estudiosos da estrutura do crime organizado no País. No seu livro Sindicato do Crime – PCC e outros grupos, ele explica como funcionam os tribunais.
Um “irmão” (forma como se tratam os integrantes do PCC) pode ser julgado, entre outras coisas, por permitir apreensões de drogas, prisões e mortes de integrantes; denunciar parceiros ou operações do grupo à polícia, negar suporte exigido pela organização à família de componentes e cometer violência física ou sexual gratuita em comunidades onde funcionam partes da organização.
O jornalista detalha:
— O PCC tem essas regras definidas num estatuto. Há o comando central, do qual fazem parte Marcola, Júlio Cesar Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, e outros líderes supremos. Essa cúpula define as situações em que serão montados os tribunais de escalões inferiores e superiores, formados por integrantes chamados por eles de “disciplinas”.
As penitenciárias, no vocabulário do grupo, são as “faculdades”. A explicação: nelas o PCC “ministra cursos” para ensinar práticas criminosas como transportar drogas em grande quantidade e explodir caixas eletrônicos.
Percival enumera os delitos mais comuns julgados pelos tribunais:
— No formato, os tribunais de disciplina reproduzem o modelo da sociedade. Há o acusado, o acusador, a possibilidade de defesa, a comissão julgadora e, por fim, a pena. Com uma diferença em relação à vida real: quase não há absolvição. Praticamente todos são condenados. As penas podem ir do afastamento temporário ou definitivo dos negócios do PCC (basicamente tráfico de drogas em grande escala, roubo a bancos, explosões de caixas eletrônicos e assalto a grandes empresas) à execução do acusado.
Percival de Souza acrescenta dois pontos curiosos:
— Os líderes do PCC não acreditam ou consideram que os setores de inteligência da polícia sejam capazes de identificar uma operação bem planejada e executada sem erros pelo grupo. Para eles, se a casa caiu é porque houve ação de dedo-duro ou falha grave. Logo, a punição deve existir.
Primeira jornalista a relatar a existência da facção criminosa, Fatima Souza, autora do livro PCC, A Facção, afirma que o primeiro tribuna aconteceu dentro da Casa de Detenção, no Complexo do Carandiru, em 1996.
Ela afirma que o tribunal é formado por onze jurados. No caso, as principais lideranças da facção na região. Os jurados podem estar presentes ou falarem por meio de telefones celulares ou rádio.
— A maior parte das condenações a morte ocorreu por causa de desvio de dinheiro da facção.
Segundo Fatima, o fato de os tribunais terem se estendido para além das muralhas dos presídios fez com que pessoas que vivem nas comunidades onde a facção atua passassem também a procurar as lideranças do crime organizado para resolver pequenas questões.
— Houve um caso em uma comunidade do Jaguaré em que, após um incêndio, os integrantes da facção foram procurados para que os assistentes sociais da prefeitura não deixassem o local antes de terminar o cadastramento, o que de fato aconteceu.
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