CONSULTOR JURÍDICO 27 de maio de 2014, 16:51h
ASILO INVIOLÁVEL
Por Jomar Martins
A polícia só pode fazer busca e apreensão em residências com mandado judicial. A regra não pode ser quebrada nem mesmo se o dono da casa autorizar a entrada dos oficiais, pois não existe previsão constitucional que ampare busca policial em domicílio feita com a permissão apenas do investigado. O argumento levou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar a condenação de um detento flagrado, durante o trabalho externo, na posse de drogas. Após ser abordado, ele levou os policiais até sua casa, onde foi encontrada mais cocaína. Para o tribunal, o consentimento se deu sob flagrante constrangimento.
O relator das Apelações, desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, disse que o consentimento para entrar na residência — como se refere o artigo 5º, inciso XI, da Constituição — não autoriza buscas sem determinação judicial. Caso contrário, os Mandados de Busca e Apreensão seria dispensáveis, já que a polícia poderia conseguir, extrajudicialmente, o "consentimento" do proprietário.
"Ora, se a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável, isso significa dizer que apenas e tão-somente em estrita observância dos casos previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio", escreveu no acórdão.
Embora a droga e os objetos apreendidos na casa do acusado estejam "contaminados" pela ilegalidade, ressaltou o relator, tal não anula o processo, pois a busca pessoal foi revestida de legalidade, face às fundadas suspeitas de envolvimento com drogas. No entanto, frisou, não é possível manter uma condenação por tráfico apenas com base na palavra dos policiais, na ausência de outros elementos de prova.
"É verdade, e isso fica confirmado, que no Brasil se investiga de menos — e mal — e se acusa demais — e mal —, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém — ou deve deter — o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora, definitiva, da versão acusatória. No caso dos autos, impunha-se maior e melhor investigação", afirmou. O acórdão foi lavrado na sessão de 15 de maio.
A denúncia
Um casal de detentos do regime semiaberto, em regime de trabalho externo, foi acusado pela polícia de comercializar drogas perto de um hospital e de ginásios de esportes. A atividade do casal, que trabalhava em serviços de limpeza e manutenção na prefeitura de Vacaria, na Serra gaúcha, gerou várias denúncias à policia.
Em abordagem em junho de 2013, os policiais encarregados da investigação encontraram cinco volume de cocaína na roupa do acusado. Após a apreensão, ele e a mulher foram levados à sua residência, onde a polícia efetuou novas buscas. O laudo registrou que foram encontradas no local outras 250 gramas de cocaína. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, que acabou derrubada pela concessão de Habeas Corpus.
Com base no inquérito policial, o casal foi denunciado pelo Ministério Público estadual como incurso nas sanções dos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06, combinado com o artigo 40, incisos III e VI, da mesma Lei, na forma do artigo 69 e 29 e 61, inciso I — todos do Código Penal. Em síntese: se associar para promover a venda de drogas em locais de grande circulação, como ginásios, visando jovens e adolescentes.
Em alegações escritas entregues durante a fase de instrução, o MP reformulou a denúncia. Requereu a condenação do réu às sanções do artigo 33, combinado com o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06, e artigo 61, inciso I, do Código Penal. Ou seja, vender droga nestes locais, de forma reincidente. O MP também pediu a absolvição da mulher do acusado, por falta de provas, como dispõe o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
A defesa, preliminarmente, afirmou que a abordagem foi ilegal e que não houve ordem judicial que autorizasse o ingresso dos policiais na residência dos réus. Assim, em razão da prisão estar em desconformidade com os requisitos legais, se faz presente a teoria dos ‘‘frutos da árvore envenenada’’, o que contamina todo o material probatório.
No mérito, afirmou que não há provas de que o réu traficava, sendo o depoimento dos policiais insuficiente para embasar uma condenação. Pediu a absolvição do réu por falta de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito para o de uso de drogas.
A sentença
A juíza de Direito Anelise Boeira Varaschin Mariano da Rocha, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Vacaria, afirmou, na sentença, que o tráfico de drogas é crime permanente, que não exige prévio Mandado de Busca e Apreensão para ingresso em residência. A permissão vem expressa nos termos do artigo 5º., inciso XI, da Constituição. O dispositivo diz que ninguém pode entrar na residência sem consentimento do morador, em função do seu caráter inviolável, "salvo em caso de flagrante delito ou desastre".
Além disso, flagrado de posse da droga, o próprio acusado franqueou a residência do casal para que os policiais fizessem busca e levantamento. Logo, emendou, no tocante a este aspecto, não se poderia falar em ilegalidade.
Com relação ao mérito, a juíza, com base nos autos e em depoimentos, se convenceu de que não existiam provas para condenar a mulher do réu. Este, ao contrário, mantinha em depósito e vendia cocaína. O próprio relatório da investigação — destacou — indica que os usuários chegavam de carro no ginásio para contatá-lo, saindo logo em seguida.
Ao fim e ao cabo, a julgadora condenou o réu à pena de cinco anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 500 dias-multa, à razão mínima legal. A sentença ainda decretou a perda de pequenos valores em dinheiro, celulares e o automóvel Santana, de propriedade do filho do réu, usado no comércio de drogas.
Acusação e defesa entraram com Apelação no TJ-RS. A primeira, pedindo aumento de pena, em função do comércio da droga ter se realizado perto de ginásios e hospitais, como dispõe o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06. A segunda, arguindo preliminar de nulidade em razão do ingresso ilegal dos policiais na casa do acusado.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
ASILO INVIOLÁVEL
Por Jomar Martins
A polícia só pode fazer busca e apreensão em residências com mandado judicial. A regra não pode ser quebrada nem mesmo se o dono da casa autorizar a entrada dos oficiais, pois não existe previsão constitucional que ampare busca policial em domicílio feita com a permissão apenas do investigado. O argumento levou a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar a condenação de um detento flagrado, durante o trabalho externo, na posse de drogas. Após ser abordado, ele levou os policiais até sua casa, onde foi encontrada mais cocaína. Para o tribunal, o consentimento se deu sob flagrante constrangimento.
O relator das Apelações, desembargador Diógenes Hassan Ribeiro, disse que o consentimento para entrar na residência — como se refere o artigo 5º, inciso XI, da Constituição — não autoriza buscas sem determinação judicial. Caso contrário, os Mandados de Busca e Apreensão seria dispensáveis, já que a polícia poderia conseguir, extrajudicialmente, o "consentimento" do proprietário.
"Ora, se a Constituição estabelece que a casa é asilo inviolável, isso significa dizer que apenas e tão-somente em estrita observância dos casos previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio", escreveu no acórdão.
Embora a droga e os objetos apreendidos na casa do acusado estejam "contaminados" pela ilegalidade, ressaltou o relator, tal não anula o processo, pois a busca pessoal foi revestida de legalidade, face às fundadas suspeitas de envolvimento com drogas. No entanto, frisou, não é possível manter uma condenação por tráfico apenas com base na palavra dos policiais, na ausência de outros elementos de prova.
"É verdade, e isso fica confirmado, que no Brasil se investiga de menos — e mal — e se acusa demais — e mal —, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém — ou deve deter — o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora, definitiva, da versão acusatória. No caso dos autos, impunha-se maior e melhor investigação", afirmou. O acórdão foi lavrado na sessão de 15 de maio.
A denúncia
Um casal de detentos do regime semiaberto, em regime de trabalho externo, foi acusado pela polícia de comercializar drogas perto de um hospital e de ginásios de esportes. A atividade do casal, que trabalhava em serviços de limpeza e manutenção na prefeitura de Vacaria, na Serra gaúcha, gerou várias denúncias à policia.
Em abordagem em junho de 2013, os policiais encarregados da investigação encontraram cinco volume de cocaína na roupa do acusado. Após a apreensão, ele e a mulher foram levados à sua residência, onde a polícia efetuou novas buscas. O laudo registrou que foram encontradas no local outras 250 gramas de cocaína. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, que acabou derrubada pela concessão de Habeas Corpus.
Com base no inquérito policial, o casal foi denunciado pelo Ministério Público estadual como incurso nas sanções dos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei 11.343/06, combinado com o artigo 40, incisos III e VI, da mesma Lei, na forma do artigo 69 e 29 e 61, inciso I — todos do Código Penal. Em síntese: se associar para promover a venda de drogas em locais de grande circulação, como ginásios, visando jovens e adolescentes.
Em alegações escritas entregues durante a fase de instrução, o MP reformulou a denúncia. Requereu a condenação do réu às sanções do artigo 33, combinado com o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06, e artigo 61, inciso I, do Código Penal. Ou seja, vender droga nestes locais, de forma reincidente. O MP também pediu a absolvição da mulher do acusado, por falta de provas, como dispõe o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
A defesa, preliminarmente, afirmou que a abordagem foi ilegal e que não houve ordem judicial que autorizasse o ingresso dos policiais na residência dos réus. Assim, em razão da prisão estar em desconformidade com os requisitos legais, se faz presente a teoria dos ‘‘frutos da árvore envenenada’’, o que contamina todo o material probatório.
No mérito, afirmou que não há provas de que o réu traficava, sendo o depoimento dos policiais insuficiente para embasar uma condenação. Pediu a absolvição do réu por falta de provas ou, subsidiariamente, a desclassificação do delito para o de uso de drogas.
A sentença
A juíza de Direito Anelise Boeira Varaschin Mariano da Rocha, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Vacaria, afirmou, na sentença, que o tráfico de drogas é crime permanente, que não exige prévio Mandado de Busca e Apreensão para ingresso em residência. A permissão vem expressa nos termos do artigo 5º., inciso XI, da Constituição. O dispositivo diz que ninguém pode entrar na residência sem consentimento do morador, em função do seu caráter inviolável, "salvo em caso de flagrante delito ou desastre".
Além disso, flagrado de posse da droga, o próprio acusado franqueou a residência do casal para que os policiais fizessem busca e levantamento. Logo, emendou, no tocante a este aspecto, não se poderia falar em ilegalidade.
Com relação ao mérito, a juíza, com base nos autos e em depoimentos, se convenceu de que não existiam provas para condenar a mulher do réu. Este, ao contrário, mantinha em depósito e vendia cocaína. O próprio relatório da investigação — destacou — indica que os usuários chegavam de carro no ginásio para contatá-lo, saindo logo em seguida.
Ao fim e ao cabo, a julgadora condenou o réu à pena de cinco anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 500 dias-multa, à razão mínima legal. A sentença ainda decretou a perda de pequenos valores em dinheiro, celulares e o automóvel Santana, de propriedade do filho do réu, usado no comércio de drogas.
Acusação e defesa entraram com Apelação no TJ-RS. A primeira, pedindo aumento de pena, em função do comércio da droga ter se realizado perto de ginásios e hospitais, como dispõe o artigo 40, inciso III, da Lei 11.343/06. A segunda, arguindo preliminar de nulidade em razão do ingresso ilegal dos policiais na casa do acusado.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
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