ZERO HORA ONLINE, 20/11/2012 | 19h33
BM promove oficiais em quantidade acima do permitido e os mantém longe da segurança. A manutenção desse pelotão paralelo seria uma forma de premiar oficiais alinhados politicamente a autoridades
Adriana Irion
A Brigada Militar tem um pelotão altamente qualificado e bem pago que não trabalha na linha de frente da segurança pública no Rio Grande do Sul.
O grupo de elite é formado por 60 oficiais que extrapolam o número de vagas previsto em lei e custam ao governo do Estado cerca de R$ 6 milhões por ano, levando-se em conta apenas seus salários básicos.
NO MAPA, VEJA ONDE TRABALHAM OS OFICIAIS CEDIDOS
Na Brigada Militar, esses oficiais poderiam formar o comando de sete quartéis, coordenando o trabalho de 2 mil homens. O tamanho do quadro paralelo, verificado por ZH com dados de outubro, chama a atenção: são 13 coronéis, 35 tenentes-coronéis e 12 majores, todos trabalhando fora da corporação, como em secretarias de Estado, Assembleia Legislativa e Tribunal de Justiça, e com os salários elevados por funções gratificadas (FGs).
A manutenção desse pelotão paralelo seria uma forma de premiar oficiais alinhados politicamente a autoridades. Para efetivar as promoções desejadas mesmo que não existam vagas, a BM precisa manter os servidores beneficiados fora da corporação, cedidos a outros órgãos. A sistemática não é proibida. Apesar de o efetivo da Brigada ser definido em lei, o estatuto da instituição permite a promoção de militares emprestados a outros órgãos. Assim, "amigos do rei" seriam cedidos e, promovidos.
Entidade aponta desvio de função
A situação se repete governo após governo e cria duas distorções: além de o Estado pagar um servidor não previsto nos quadros da corporação, ele não atua na função policial e passa a receber mais do que os colegas que permanecem nos quartéis. Só de coronéis e de tenentes-coronéis, que, na Brigada, são responsáveis por planejar a segurança pública e representam os maiores salários, há 48 acima do número de vagas autorizadas por lei.
— As cedências de oficiais superiores a outros poderes, que fazem extrapolar o quadro efetivo da Brigada Militar, são previstas em lei. Na quantidade em que isso vem ocorrendo, entretanto, é de se refletir acerca da observância de princípios da administração pública, como os da razoabilidade e da economicidade — avalia Geraldo da Camino, procurador-geral do Ministério Público de Contas.
Da Camino recebeu da Associação dos Oficiais da BM (Asof) pedido de apuração sobre o total de PMs cedidos e o custo deste efetivo. Segundo a BM, há atualmente em torno de 490 PMs (incluindo os 60 oficiais excedentes) fora da corporação.
— Todo pessoal que está fora onera os cofres do Estado, enquanto falta na BM. Coronel é muito caro para estar fora. Isso é desvio absoluto de função. E as promoções de quem está fora da BM são um artifício para beneficiar os amigos do rei. Se disserem que isso sempre foi assim, está na hora de um governo que falava dos demais começar a agir — diz José Riccardi Guimarães, presidente da Asof.
Piratini e Brigada defendem promoções
O Palácio Piratini e o comando-geral da Brigada Militar avaliam como "normal" o fato de oficiais serem promovidos acima do número de vagas previsto em lei e não consideram que exista excesso de policiais militares prestando serviços a outros órgãos.
— Podemos nomear (promover) os que estão agregados, prestando serviço em outros órgãos, o que é permitido pela lei e pela Constituição. Não temos excesso de oficiais, temos é falta de efetivo e estamos complementando isso agora — garante o governador Tarso Genro.
O chefe do Executivo também afasta a suspeita de que esse sistema possa servir para beneficiar oficiais apadrinhados politicamente:
— Não sei se foi regra nos governos anteriores, no meu não é. No meu, fazemos promoções conscienciosas.
O comandante-geral da BM, coronel Sérgio Roberto de Abreu, ressalta que a promoção do oficial cedido é um direito dele. Sobre o custo do quadro paralelo aos cofres públicos, ele discorda que possa ser visto como dinheiro mal aplicado:
— Onde estão (os oficiais cedidos e promovidos acima das vagas), eles exercem funções que contribuem para a questão da segurança. Uma visão muito limitada entende que segurança é o brigadiano na esquina. É preciso ter o brigadiano na rua, fazendo a prevenção, atendendo o 190. Mas, para funcionar tudo isso, é preciso uma grande capacidade de relacionamento, porque a segurança envolve interligação de uma rede de instituições do governo, de órgãos.
Ele nega que as promoções acima das vagas prejudiquem o contribuinte:
— O contribuinte paga este oficial, mas poderia estar pagando outro técnico. É uma função técnica superior. O contribuinte pagaria outra pessoa para exercer aquela mesma função.
ENTREVISTA
Nelson Pafiadache da Rocha. Ex-comandante da Brigada Militar
"Sempre há um político escudando os atos"
Oito anos depois de deixar o comando da BM, o coronel Nelson Pafiadache da Rocha, 58 anos, segue defendendo ideias que causaram polêmica durante sua gestão, entre janeiro de 2003 e junho de 2004. Pafiadache é crítico contundente do excesso de PMs cedidos e defende uma revisão do sistema que permite promoções acima do limite de vagas. Abaixo, confira trechos da entrevista.
Zero Hora — Sempre existiu na BM essa situação de oficiais promovidos acima do limite previsto na legislação?
Nelson Pafiadache — São situações cíclicas, dependem de orientação governamental. A BM nunca teve um excedente deste tamanho. É um marco histórico que deixará dor de cabeça para o próximo governador, se ele quiser oxigenar essa relação que mesmo tendo aparência de ser legal, padece de respaldo no plano moral. É legal, mas não é moral.
ZH — São decisões de governo?
Pafiadache — O governador é culpado, ele sempre está informado dessas aberrações. É o governador que assina os atos. Sempre tem o governante, um político, escudando os atos. A Brigada não quer isso. Quer que os PMs estejam na tropa. O sonho de qualquer comandante é trazer todo esse pessoal cedido de volta para a Brigada.
ZH — Era o seu sonho?
Pafiadache — Por isso, fiquei só um ano e quatro meses no comando.
ZH — O embate pela volta dos cedidos ajudou a tirar o senhor do comando?
Pafiadache — Dentre as causas que ajudaram, está a minha insistência junto aos chefes de poderes para que alguns servidores retornassem à tropa, para produzir um revezamento salutar e cumprir o rito da carreira. Existia uma confraria dos que estavam fora. Eles queriam ser promovidos na frente dos outros. Fui burro porque enfrentei.
ZH — Os comandantes não têm força para trazer os cedidos de volta?
Pafiadache — Não. A pressão e as recompensas políticas aos colaboradores impedem que se reduza essa prática de cedências.
ZH — O atual número excedente de coronéis e de tenentes-coronéis é normal?
Pafiadache — Não. É muito alto o número, principalmente de coronéis. Tem um terço de coronéis fora da corporação. Temos que combater as cedências e também essas promoções feitas sem necessidade.
ZH — Que tipo de demanda uma secretaria, que não seja a de Segurança Pública, tem para justificar ter oficiais a sua disposição?
Pafiadache — Quer a verdade? É porque a pessoa (o PM) fez a campanha, na região, para o deputado que virou secretário, e aí ganha uma vaga na secretaria para ganhar mais (do que ganha na BM). Só que o comandante não tem força para dizer isso.
ZH — Que prejuízos isso traz à tropa?
Pafiadache — Tem gente fazendo carreira fora, sai da BM como tenente e já é tenente-coronel, sempre promovido fora da Brigada e ganhando três vezes mais do que os colegas que estão na tropa. Isso causa desânimo. Como motivar um PM para servir num quartel desgraçado, sem recursos? Essas situações também ferem o princípio da impessoalidade. Se tem vaga para um militar num órgão, por que é a mesma pessoa que fica lá por cinco, 10 anos? Isso caracteriza um ato administrativo impregnado de pessoalidade.
ZH — Há oficiais em secretarias, em bancadas de partidos.
Pafiadache — Isso sai caro e é desvio de finalidade. Só que soldado também faz falta na rua. Não tem de ter oficial nem soldado cedido. Os outros órgãos que aumentem seus servidores. Por que nós temos que ir para lá? Deputado não tem de ter brigadiano na volta. Os PMs fazem nesses locais o que um civil faria: mandam cartas, atendem demandas da região, dirigem para os deputados, fazem de tudo. Quantos soldados faltam na BM? Mas temos excesso de oficiais. Tem comandante sem comandado. É por isso que o governador tem de colocar a BM em forma.
ONDE TRABALHAM E QUANTO GANHAM
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/infografico/onde-trabalham-oficiais-da-bm-cedidos-47341.html
A Policia exerce função essencial à justiça. Não é instrumento político-partidário. A segregação pela justiça e a ingerência partidária em questões técnicas e de carreira dificultam os esforços dos gestores e operadores de polícia, criam animosidade, desviam efetivos e reduzem a eficácia e a confiança do cidadão nas leis, na polícia e no sistema de justiça criminal que, no Estado Democrático de Direito, garante a ordem pública e os direitos da população à justiça e segurança pública.
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terça-feira, 20 de novembro de 2012
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